26 DE MARÇO DE 1968 3269
não se resolve acabando com as bocas e os estômagos. E o homo economicus é um suicida, um tarado, o mais perigoso inimigo do homem. Para desembaraçar a comunidade do peso dos velhos, fracos consumidores e produtores nulos ou de escasso rendimento, o egoísmo da besta da selva vestiu-se de humanitarista e recorreu à eutanásia. Como os velhos sofrem e fazem sofrer, importa suprimi-los. E, assim, os e nos transformamos de malfeitores em benfeitores da humanidade. Quase à maneira de sucata a desaparecer, para haver ferro novo e rutilante. Mas esta ciência de matar, esta bondade assassina e esta moral cientifica provocaram um estremeção de horror na humanidade. E a fera encolheu as garras. Evoco o nazismo...
O fruto sazonado, mas sempre ácido, da filosofia materialista, mal foi provado, fez arrepiar todos os cabelos, mesmo das cabeças anestesiadas. O materialismo conduz sempre do açúcar ao ácido acético.
E mais uma vez o pomo da árvore da ciência se atravessou na garganta de Adão, que o vomita para não morrer. Não acuso a ciência, mas a ciência do mal, que metamorfoseia o homem em fera.
Sr. Presidente: Só quem deu a vida tem o direito de tirá-la. E Deus não perguntou ao homem se a aceitaria. Nem poderia fazê-lo, apesar da sua omnipotência, porque ninguém pode responder antes de ser. As contradições não podem entrar na perspectiva da omnipotência. A morte, ponto final desta vida, é ponto final que só Deus pode escrever no termo da nossa biografia terrestre.
A esmagadora maioria da humanidade continua certa de os últimos minutos de uma existência poderem resgatar uma vida descarrilada e evitar a frustração irreversível da pessoa. E a minoria que à vida atribui, como pólos, o zero ... antes e depois de ser, em vez do Infinito, não estaria segura, porque seguro não estaria ninguém, se um atestado médico pudesse legitimar a ceifa de vidas condenadas, mesmo que todos os médicos fossem santos, pois ainda que santos, nunca seriam infalíveis. Ai dos doentes! E ai dos velhos, que também são doentes, ao menos por velhice! Os velhos têm o direito de morrer e, até por isso. ninguém tem o direito de os matar. Aliás, não é fácil fixar o princípio da velhice. Um homem gasta 1/3 da existência, a preparar-se para viver os outros 1/3. Mas estes são apenas uma hipótese. E pô-los em causa seria destroçar as esperanças da juventude e fazer da vida um inverno sem primavera.
Sr. Presidente: Os velhos não têm só o direito de morrer, outros lhes assistem. E não podem ser esbrulhados desses direitos por causa dos seus defeitos, que são defeitos da idade, e não apenas dos indivíduos: medo, avareza, materialismo e egoísmo. São mais doença que defeitos, não se tratam com recriminações, mas com amor. E não tem só defeitos a velhice. Pode e deve ser a idade do mais belo amor, se deixa de pensar em si, para pensar nos outros. A sua experiência é preciosa para o futuro, para os novos que não têm experiência. Os velhos foram novos e os novos não sabem se chegarão a velhos. A juventude é a força da história, a velhice marca-lhe o sentido; nuns está o impulso, e noutros, o governo.
Os velhos não têm só que receber, possuem muito para dar. E, se não fora por humanidade, mesmo por interesse, até porque breve serão velhos todos os novos que não morrerem na juventude, importa respeitar e acarinhar os idosos. Ninguém se afirma, mas deprime, desdenhando velhos ou crianças. E a quem o fizesse poder-se-ia aplicar a moral da fábula de Pedro, que chamou desonra da natureza ao zurro que agrediu o leão moribundo. Mas não basta acarinhar. Ainda no interesse da própria juventude e de toda a comunidade, importa aproveitar os tesouros da ancianidade, o seu natural e gratuito magistério.
Ela ensina que a vida é um relâmpago, que nunca brilha sem alguma tempestade, que os «deuses do estádio» são mortais e não dominam muito tempo; que as gerações são elos para unir e prolongar, garantindo a continuidade e assegurando a renovação; que es homens não foram criados para ficar sempre na terra; que os louros murcham e se fazem pó; que a humildade é verdade; e que a virtude e o bem são os incorruptíveis pergaminhos das almas grandes.
À família e à comunidade toca defender os velhos dos perigos que os ameaçam: carência de meios, isolamento, segregação familiar, inactividade. E a melhor defesa é o reconhecimento efectivo dos seus direitos. Primeiro, o direito ao pão. E é justo dizer-se que nunca se fez tanto como hoje pelos velhos. Mas é uma tarefa longe de concluída, mesmo nos países com mais recursos. Pão para todos, mas especialmente para os inibidos de mendigar. Penso na filha de um oficial, para dar um exemplo vivo, senhora com os seus 60 anos, sem profissão e solteira, por se ter dedicado ao pai que Deus levou, e conta apenas com um escasso «montepio», de 600$, para viver. Pensão que, pelo seu imobilismo, não acompanha a vida.
O direito à saúde abrange corpo e alma, porque os dois são solidários. Os velhos, como qualquer homem, podem ser ricos e muito infelizes, muito doentes da alma. Que vale o velo de ouro ao carneiro, se ele sente o desespero de considerar-se rês para o matadouro? A paz é outro direito complementar do anterior. Paz interior e exterior no seu ambiente doméstico ou social e no clima da sua vida moral. O direito à convivência precisa de ser assegurado o melhor possível. Convivência e integração; com internato, se não puder ser sem ele: na família, de preferência: na falta ou abandono ou impossibilidade da família natural, busquem-se soluções que se aproximem o mais possível de uma família. Aos asilos que formaram muitos homens ou os acolheram no poente da vida vão-se chamando lares. A ideia é linda e de aplaudir, desde que se não fique na mudança de nomes e esta traduza uma real mudança de orgânica e de ambiente. Disciplina que defenda a ordem, mas nada de formalismos e de gelada rigidez. Nada que automatize a vida ou isole os velhos. Os velhos, como todos os homens, precisam de meio integralmente humano ... de idosos, adultos e crianças. Tenha-se em conta, na medida do possível, este aspecto da humana psicologia.
Sr. Presidente: Merece atenção especial o direito ao trabalho. Generalizar e antecipar a reforma, para que os velhos não precisem de trabalhar e não lutem com falta de meios de vida, é uma batalha social, de profundo sentido humano, já moralmente ganha.
Não basta, porém, torná-la uma vitória efectiva e universal. A segunda batalha, muito mais longe de vitoriosa, é garantir aos idosos o direito ao trabalho. Que os reformados não se sintam como expulsos da comunidade e dos seus centros de interesse e de vida. Que a reforma deixe de ser imobilidade ou morte civil. Que nenhum velho se sinta inútil, para se não sentir à margem da vida, para se não sentir infeliz. Mas descubra, cada um, que a vida continua a ter para ele um sentido e que, por mais que viva, tem sempre algo que fazer.
Supõe-se uma situação de suficiência, disponibilidade e relativas aptidão e saúde.
Um trabalho adaptado às circunstâncias, necessidades dos outros ou conveniências de todos ou de alguns fazem com que os idosos se sintam presentes no mundo e a intervir na história. Colaborar com a família; cuidar das crianças, quando a filha ou a nora é mãe que trabalha; exercer