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1204 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 58

Não. Não há realmente fome em Cabo Verde e para a evitar as ilhas não precisam de ser hipotecadas. Ali também é Portugal e a integridade nacional não se defende apenas com armas na mão. A vida normal e calma que se observa nas ilhas mais atingidas é o resultado de um sistema de auxílio às populações sincronizado nos mínimos pormenores.
Deponho com conhecimento directo da situação, pois venho de Cabo Verde. Tive o cuidado de percorrer a ilha de Santiago e verificar o que se passa.
Simplesmente desolador! Tudo seco. Toda a faina de um ano de esperança persistente se perdeu! Não se pode contar com um grão de milho!
No entanto, a população não sente os efeitos de tão grave calamidade.
O Governo está, realmente, senhor da situação. Em vez de aguardar o desencadeamento dos resultados, que seriam desastrosos, com a perda de milhares de vidas, preparou-se para o ataque imediato, detectando desde logo o estado nutricial dos atingidos, para acudir a tempo, proporcionando-lhes trabalho útil e prevenindo os abastecimentos, de forma a não faltarem. O brigadeiro Lopes dos Santos, recentemente governando a província, não se limitou a visitar as ilhas em mera cortesia. Estudou o meio em que tem de actuar e em pouco mais de um mês estava preparado e documentado para fazer frente ao desenrolar do ano, quaisquer que fossem as situações a resolver. Infelizmente, veio o pior, mas estou convencido de que a tormenta passará sem que tenhamos de lastimar perdas de vidas ou actuações inúteis para o desenvolvimento das ilhas.
Claro que vão surgir dificuldades. A tarefa não é fácil e um dos mais difíceis obstáculos a vencer será abastecer a ilha mais flagelada pela seca - a de Santiago, precisamente a maior e com uma população que atingia em Setembro último os 121 762 habitantes, pouco menos que metade do total das nove ilhas habitadas, calculado em 266 691. A agravar a situação, a inexistência de um cais acostável na ilha será um dos factores concorrentes.
Há anos que me venho batendo pela construção desse cais na Praia - capital da província -, e vamos agora sentir, mais do que nunca, as consequências da sua falta.
O cais da ilha do Fogo é uma realidade. O da Praia também tem de o ser. Desde 1961 ou 1962 que é uma promessa. Desde 1961 ou 1962 que a sua construção vem sendo objecto de estudos.
A velha ponte, sem resguardo, numa baía assoreada e de calemas frequentíssimas, não pode realmente manter-se. As companhias não seguram a carga e quando o fazem são tais as cláusulas cautelares que o seguro se torna proibitivo ou inútil. A indústria, tão necessária ao progresso económico do arquipélago, não se desenvolve, porque, exigindo maquinismos e apetrechamento, ninguém se afoita à sua importação por impossibilidade do seu desembarque na Praia, onde se chega à improvisação de jangadas para conseguir pôr em terra um simples camião.
E que dizer do comércio? E que dizer sobre a exportação? E que dizer das bagagens e dos riscos a que estão sujeitas as vidas dos que têm de embarcar ou desembarcar?
Sr. Presidente: A metrópole tem despendido milhares de contos em Cabo Verde. Dentro da solidariedade que enforma a unidade nacional, agora mais que nunca, impõe-se essa solidariedade.
Mas não vamos fazer as chamadas «obras de crise». Vamos continuar, como se está fazendo, a proporcionar trabalho - não para matar a fome aos que necessitam, mas para criar condições de vida progressiva e de aproveitamento das potencialidades existentes - capazes de provocar um desvio da rotina e do fatalismo de termos de viver sob o signo da chuva que não vem.
Uma dessas obras, aliás em agenda, é o cais da Praia. Pois vamos fazê-lo, proporcionando trabalho directo a algumas centenas de pessoas, a reflectir-se no seu passadio doméstico, com certo alívio das muitas preocupações que nos esperam.
O que é preciso é encontrar uma solução definitiva, uma solução válida, que dê para o futuro, sem nos apegarmos aos condicionamentos actuais, pois as limitações do movimento do porto da Praia são uma resultante de... praticamente não haver porto...
Ponho este aspecto porque num recente relatório que tive a oportunidade de consultar discutem-se soluções que me parecem de ponderar, pois há uma tendência evidente para o menor custo da obra, tendo em vista uma situação que pode ser actual, mas que dentro em pouco está inteiramente ultrapassada.
O primeiro ponto de divergência referia-se ao esquema de um cais ao correr da vaga, isto é, sem abrigo. É mais barato, mas chega-se a esta prevenção: o cais não poderá ser utilizado, em média, durante 155 dias em cada ano I Quer dizer, além de outros inconvenientes, como o enxovalhamento quase permanente do cais, tudo a criar ambiente de desconfiança, termos já como certo que em cada ano só teríamos cais durante cerca de metade do correspondente período - isto sem contar com factores psicológicos de receio de atracar, não fosse a acontecer que tanto se fizesse, precisamente num dos tais 155 dias em que o cais não seria praticável. Iríamos assim gastar um dinheirão, apesar de menos oneroso, para continuarmos sem cais...
ou com cais, mas sem rendimento...
Quanto ao dimensionamento, duas soluções: cais fundado a (-7,50 m) e cais a (-9,00 m). Sente-se de novo a inclinação para o mais barato, mas com razões que, salvo o devido respeito e penitenciando-me pela minha ignorância destas coisas, não convencem.
Uma dessas razões é que os navios que demandam presentemente o porto da Praia não precisam de um cais com cota de fundação que vá além de (-7,50 m). Antes de mais nada, esses navios estão velhos e são de uma incomodidade e tão vagarosos que até parece impossível que se mantenham ao serviço. Depois, se já estavam assim condenados, agora têm mesmo que desaparecer da circulação.
De facto, uma oportuna decisão do Sr. Ministro da Marinha manda fundir várias empresas, entre as quais a que serve Cabo Verde, o que nos permite prever a ida à província dos barcos que fazem as ligações com as de Angola e Moçambique, com um maior calado, a exigir, portanto, uma cota de fundação superior e uma extensão de cais que corresponda ao seu comprimento.
Porque estou informado de que se vai abandonar a solução «cais ao correr da vaga», vejamos as estimativas do cais com abrigo:

150 m de cais a (-7,50 m) e 80 m de cais a (-5,00 m) - 55 000 contos;
150 m de cais a (-9,00 m) e 90 m de cais a (-9,00 m) - 57 000 contos.
200 m de cais a (-9,00 m) e 90 m de cais a (-9,00 m) - 65 000 contos.

Pelas razões expostas, o cais a (7,50 m) já não é de prever, nem se deverá executar, sob pena de até os actuais navios não poderem atracar.
Entre a previsão intermédia e a terceira, que, não sendo óptima, é a que pode satisfazer necessidades futuras, vai uma diferença de custo de 8000 contos.