1282 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 62
O Sr. Presidente: - Vamos passar à
Ordem do dia
Discussão na generalidade das propostas de lei sobre a actividade teatral e a protecção ao cinema nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Moura Ramos.
O Sr. Moura Ramos:-Sr. Presidente: Subo a esta tribuna para fazer umas breves e despretensiosas considerações sugeridas pela proposta de lei sobrei protecção do cinema nacional, que o Governo enviou para apreciação a esta Assembleia, acompanhada do parecer da Câmara Corporativa.
Congratulando-me com o aparecimento de tal proposta de lei, louva-se, antes de mais, a iniciativa do Governo de dar alento no cinema nacional, revogando a Lei n.º 2027 e abrindo clareiras de esperança no espírito de produtores e profissionais, no Assegurar os possibilidades vitais de um cinema, pela garantia, no mesmo tempo, da criação sólida de uma indústria e pelo fomento do aparecimento de obras dignas e de qualidade.
Mas o propósito que me move é mais o de fazer um ligeiro apontamento quanto à protecção que o cinema, como factor educativo, pode exercer sobre as cornados jovens do que falar propriamente da protecção do cinema nacional.
E, contrariamente ao que poderá julgar-se, tal propósito não parece de todo inusitado, pois que, sendo o cinerou considerado ura eficiente meio de comunicação humana como «expressão artística e instrumento de cultura» que se lhe atribui, compete-lhe para o exercício adequado «fomentar a produção de filmes destinados a infância e a juventude», como se pode ler na alínea g) do n.º 2 da base II da proposta de lei em discussão.
Mas, para além desta, outra motivação existe para este apontamento e que reside no facto de, há mais de quinze anos, desempenharmos funções directivas em estabelecimentos de reeducação de jovens delinquentes, não nos parecendo, por isso mesmo, descabido dar testemunho da incidência que o espectáculo cinematográfico tem na formação da personalidade dos jovens.
E é precisamente nessa experiência, num conhecimento pessoal e directo, ou seja num saber de experiência feito, que fundamento estas breves considerações que me propus fazer sobre a influência do cinema.
É por de mais subido quanto de decisivo tem a influência que os meios de comunicação social, em especial o cinema e a televisão, exercem sobre o espírito e a sensibilidade da infância e da juventude. E a tal respeito muito se tem dito e escrito, nomeadamente sobre a perniciosa influência do cinema, a tal ponto que alguns moralistas querem mesmo ver nele uma das causas da delinquência juvenil.
Efectivamente, o cinema, como factor criminogénico, tem sido amplamente estudado como forma de arte que exerce particular influência no subconsciente das massas e dos indivíduos. Quer na medida em que mergulha o espectador jovem num mundo irreal, afastando-o, assim, completamente das contingências da sociedade em que está e em que há-de viver, adquirindo, deste modo, uma falsa visão da existência e tornando-o, portanto, um inadaptado social; quer na medida em que leva muitas vezes o jovem, sugestionável, a identificar-se cora personagens que são, na maioria dos casos, de uma violência deplorável ou de uma morbidez nociva; quer ainda a hipnose que provoca e despersonaliza tis suas vítimas, tirando-lhes o desejo de reflectir, constituindo uma verdadeira toxicomania, tudo isto nos evidencia como o cinema tem, por vezes, efeitos perigosos sobre os comportamentos dos jovens, despertando-lhes, através do culto do vedetismo e da apresentação de condições de vida irreal, miragens nada benéficas ao são desenvolvimento e equilíbrio das suas personalidades imaturas.
Acrescentemos ainda que, utilizado para fins inconfessáveis e inadmissíveis, o cinema vem constituindo de há anos para cá um perigosíssimo veículo de deseducação e de anticultura, dirigido a um público de gostos fáceis e maus, explorando, sem escrúpulos, a violência, a droga, a pornografia e o erotismo, transformando os mais altos e belos sentimentos humanos era joguete de interesses unicamente grosseiros e materialistas.
Desta maneira, através da maior parte das películas cinematográficas «o santuário familiar é invadido e profanado por ideias, sons e imagens que constituem um reprovável atentado contra a sua dignidade», fazendo-se ruir as bases fundamentais da nossa- estrutura familiar, que assentavam sobre a noção de autoridade como um princípio basilar, sólido, e sobre a indissolubilidade do matrimónio e da disciplina familiar; modificou-se totalmente a noção dos valores que tomaram dimensões muito diferentes e, assim, os valores supremos que se exprimiam pelos ideais do Bem, do Belo, da Verdade, do Trabalho e do Amor a Deus, a Pátria e a Família tendem a ser substituídos por outros como Dinheiro, Ciência, Técnica e outros conceitos cheios do mais vazio hedonismo e do mais grosseiro materialismo. E quantas vezes utilizando teses que constituem apenas meias--verdades, que, como se sabe, são tantas vezes mais perigosas do que as falsidades manifestadas por causa dos parcelas de verdade e de justiça que encerram! ...
Assiste-se através do cinema a uma autêntica orquestração a espalhar por toda a parte ideias falsas, erros velhos a fingirem de novos, numa propaganda demolidora que se serve de uma técnica diabólica, martelando com rótulos aliciantes as receptivas mentes juvenis, intoxicando-as das mais avariadas doutrinas e com um desbobinar de imagens que outro fim não têm que não seja o de atrair e corromper na exaltação das mais baixas tendências, instilando, insidiosa e traiçoeiramente, costumes para levar a mocidade a uma vida sem moral e sem princípios. Por meio dele, são levadas ao seio da família «as contrafacções do autêntico amor, espalhando ali as sementes daninhas do sensualismo e do erotismo».
Assim se tem prosseguido, pela negação de todos os princípios da ordem moral tradicional - que são apenas a negação da ordem moral existente -, a corrupção da juventude como processo de enfraquecimento e conquista fácil das sociedades a que a mesma juventude pertence.
Fez-se do cinema uma arma terrivelmente perigosa e uma necessidade quase quotidiana. E como a maioria dos filmes oferecem inconvenientes físicos, morais ou pedagógicos para a formação das personalidades em devir, acontece que os jovens, vendo tais filmes, se não perdem tudo, desde o dinheiro ao pudor, o certo é que nada conseguem lucrar ...
Em 13 de Maio de 1969, em mensagem sobre os meios de comunicação social, disse S. S. o Papa Paulo VI:
Qualquer dano aos valores fundamentais da família -trata-se do erotismo ou da violência, da apologia do divorcio ou de atitudes anti-sociais dos jovens- é um dano feito ao verdadeiro bem do homem e da sociedade.
Perante as ofensas aos bons costumes, há que impedir o mercado ignóbil do imoralismo e reclamar do Estado