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15 DE JANEIRO DE 1971 1349

«O mundo voltará a ser cristão quando a Igreja deixar de ser uma força para ser uma luz», segundo a frase de um político católico francês que nesse parecer se transcrevia.
E necessário rever a Concordata.
Mas será necessária uma concordata?
O exercício efectivo dos direitos fundamentais em mataria religiosa, sem os quais não há liberdade de culto, tende hoje a ser reconhecido aos membros de todos os credos, enquanto o não são, e oxalá isso não tarde, a todos os cidadãos e em todos os campos.
Então, e nesse aspecto, será desnecessária a concordata; é certo que há outras matérias a considerar.
O casamento católico, cuja disciplina ocupava grande parte da Concordata, está hoje regulamentado no Código Civil.
E para este passou, com formulação diferente, uma das mais contestadas disposições concordatárias: a referente a proibição de divórcio para os católicos. É este um ponto essencial a considerar na revisão.
Para a Igreja, o casamento, qualquer casamento, é indissolúvel por divórcio; tanto o casamento sacramento, que é o contraído validamente entre baptizados como o simplesmente legítimo, contraído entre não baptizados.

Por isso se opõe a Igreja ao divórcio, a todo o divórcio, sejam ou não os cônjuges casados catolicamente, coerentemente com a doutrina de indissolubilidade de todos os casamentos: Se o divórcio não dissolve o casamento, a nova união que ele possibilita é, para a Igreja, adultério.
Diversamente, o Estado Português desde há sessenta anos que admite o divórcio como meio de dissolução de casamento; e por isso considera jurídica e socialmente legítimo o novo casamento subsequente ao divórcio.
A norma do artigo XXIV da Concordata veio procurar conciliar os duas disposições antagónicas.
Nem a Igreja nem o Estado abdicaram das suas posições; mas foram imputar aos cônjuges uma renúncia presumida para os impedir de se divorciarem.
Essa renúncia presumida de um direito que era, ao tempo, irrenunciável, é mais do que contestável; mas fui aceite como um expediente prático que permitia atingir o resultado visado torneando os inconvenientes políticos resultantes de uma controvérsia sobre o divórcio, que o Governo não estava disposto a abolir.
O Código Civil de 1966 abandonou essa ficção, estabelecendo sem rodeios a proibição: «Não podem dissolver-se por divórcio os casamentos católicos celebrados desde 1 de Agosto de 1940, nem tão-pouco os casamentos civis quando, a partir desta data, tenha sido celebrado o casamento católico entre os mesmos cônjuges.» (Artigo 1790.º)
Em matéria de dissolução de casamento, os Portugueses então portanto sujeitos a uma dualidade de estatutos: há divórcio para uns, mas não o há para outros.
Dualidade que tem como fundamento a fé que explicitaram ao adoptar a forma canónica para o seu casamento.
Podem abandonar essa fé, converter-se a outra religião, tomar-se ateus. Mas ficarão sempre vinculados a essa opção, ficarão sempre privados de um direito que é reconhecido aos demais.
Para a Igreja, com ou sem proibição civil do divórcio, o casamento é necessariamente indissolúvel.
Por isso aquela proibição não tem outro alcance que não seja o de impor por lei aos católicos a obrigação moral de não contraírem nova união conjugal enquanto a primeira não estiver dissolvida por morte de um dos cônjuges.
Ora, os católicos têm a obrigação moral de perfilharem na sua vida a unidade e a indissolubilidade que têm como essenciais no casamento.
Mas nem ao Estado nem a Igreja é lícito impor-lhes pela lei civil o cumprimento desse dever de consciência, através da privação de um direito que a legislação reconhece aos demais cidadãos.
É situação contrária à igualdade perante a lei que a nossa Constituição consagra e também à liberdade religiosa que ela proclama, explicitando designadamente que ninguém pode ser privado de um direito por causa da sua crença religiosa.
E a própria Igreja ensina que «a autoridade civil deve tomar providências para que a igualdade jurídica dos cidadãos, a qual também pertence ao bem comum da sociedade, nunca seja lesada, clara ou veladamente, por motivos religiosos, nem entre eles se faça qualquer discriminação».
O Estado Português admite o divórcio; logo, deve reconhecer o respectivo direito a todos os portugueses, independentemente da fé que professem.
A Igreja condena o divórcio; por isso deve, no plano da moral e da fé, procurar afastar dele todos os homens.

Mais do que impor uma disciplina exterior, mais do que manter aparências, quase sempre farisaicos, a Igreja procura hoje fomentar a fé esclarecida e actuante em todos os domínios, designadamente no conjugal e no familiar.
Errada na sua própria concepção, a norma concordatária, hoje ultrapassada pelo Código Civil, tem-se revelado de resto ineficaz.
Não é por se não podarem divorciar que os casais se mantêm unidos ao longo da vida e dos adversidades.
Nem deixam de separar-se e de contrair novas uniões por se lhes vedar o divórcio, como se torna cada vez mais evidente com. o aumento do número de pessoas nessa situação.
Ao que a solução actual conduz é a ter como ilegal a situação destes últimos casais e a haver como ilegítimos os seus filhos, enquanto aqueles que casaram civilmente e depois se divorciaram vêem a sua situação familiar perfeitamente legalizada do ponto de vista civil.

O Sr. Camilo de Mendonça: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Creio que V. Ex.ª considerou que a Igreja deveria, por um lodo, pela fé criada e pelos sentimentos de respeito pela mesma fé, obviar ao perigo do divórcio e abster-se, consequentemente, de propugnar que a lei civil fosse conforme a esse sentimento religioso.
Sendo assim, ficou-me a dúvida de saber porque é que surgiu o problema em Itália, quando o Governo concedeu, em certos casos, o divórcio, já que a Igreja protestou largamente contra isso.
Sinceramente, ficou-me esta dúvida, porque não entendo que a posição da Igreja não seja querer continuar a propugnar que a lei civil seja conforme com esse sentimento e essa fé, quando na Itália se suscita um problema a propósito da permissão do divórcio.
Será assim?

O Orador: - Se bem entendo, o problema que V. Ex.ª levanta é ...

O Sr. Camilo de Medonça: -É que não me pareceu perfeitamente líquido como possa ser outra a posição da Igreja ...