1352 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 66
investidas dos que, vestindo as mais belas roupagens da fantasia e da moda, têm procurado despersonalizar e descaracterizar a Nação. Por isso continuamos convencidos de que é necessário, tanto como praticar acções dirigidas ao progresso económico e utilizando, aqui, sim, técnicas ou processos da moda, reformular toda uma doutrinação que vindo ao encontro das aspirações do homem actual respeite e acate a força da tradição, no que encerra de constante e permanente, para continuarmos como povo verdadeiramente livre.
E dentro deste contexto, quanto a nós, que deverá ser encarada a nova lei do cinema, como processo de criação individualizadora de um povo traduzindo graus de cultura, concepções do mundo e da vida. Meio privilegiado de comunicação, de manifestação artística, de empenho político, força destruidora da consciência moral ou processo ímpar de exaltação da dignidade humana, fonte de rendimento da maior relevância e indústria, que tem absorvido elevados coeficientes de investimento, é desse meio de comunicação, é do cinema, como indústria e como arte, que, iremos falar.
Mas falar entre nós de cinema é trazer à superfície um mundo de frustrações, de desenganos, de tentativas falhadas, sem deixar de reconhecer o muito de válido, o esforço de bastantes, o trabalho de alguns que penosamente vão suportando dificuldades quase insuperáveis. E, no entanto, por feliz e oportuna iniciativa do Governo, está em apreciação uma nova lei de cinema que pretende ser fomentadora e orientadora de actividade tão digna como relevante.
Palavras de louvor são justamente aplicáveis ao Dr. Moreira Baptista, ilustre Secretario de Estado da Informação e Turismo, que, dirigindo um dos sectores governamentais de maior sensibilidade política e cultural, remeteu a esta Câmara uma bem elaborada proposta de lei com a finalidade de obter os meios imprescindíveis para que o cinema possa enveredar por caminho novo para lá da crise, que, sendo mundial, se traduz no aparecimento da televisão, na mobilidade das populações, na multiplicidade das diversões, em que os progressos técnicos nem de perto atingiram ainda o aproveitamento pleno da utilização e, entre nós, a modestíssima dimensão do nosso mercado.
Sr. Presidente: Como se diz na proposta do Governo, incumbe à Secretaria de Estado da Informação e Turismo, pela Direcção-Geral dos Espectáculos, orientar, estimular e coordenar a actividade cinematográfica nacional. Para dar cumprimento àquelas finalidades é criado na Secretaria de Estado o instituto Português de Cinema, com autonomia administrativa e financeira, e que terá como órgãos a comissão administrativa e o Conselho de Cinema.
Não nos parece de aceitar a solução apontada pela Câmara Corporativa, que preconiza que o Instituto esteja mais subordinado ao sector privado do que à Administração, atribuindo à Corporação dos Espectáculos a orientação do Conselho de Cinema. Em boa doutrina, é ao Governo que compete orientar, estimular e coordenar as actividades relacionadas com o teatro, com o cinema e com os espectáculos, por se tratar de sectores com extensas e profundos implicações culturais, políticas e morais.
Entende ainda a, Câmara Cooporativa que o director-geral da Cultura Popular e Espectáculos não deve presidir ao Instituto, nem fazer ponte do Conselho de Cinema, já que esta presidência «além de se não coadunar com a personalidade e autonomia que pretende dar-se ao Instituto [...] terá o manifesto inconveniente de não permitir o exercício de funções em indispensável regime de tempo pleno». Se assim fosse, a função do director-geral da Cultura Popular e Espectáculos ficaria, quanto ao cinema, esvaziada de conteúdo; quer dizer, o director-geral da Cultura Popular a Espectáculos é colocado à margem do Instituto e do Conselho, o que é um oontra-senso.
O receio manifestado pelo parecer não é de considerar, atendendo a que o Instituto tem autonomia «administrativa e financeira» e que o Conselho de Cinema desempenha uma importante posição na actividade do Instituto, e nado indica que o director do Instituto seja um funcionário da Secretaria de Estado.
Deve ser, pois, por intermédio do direotor-geral que se estabelece a ligação imprescindível com o Governo, e, como se prevê na proposta, a nomeação de um director do Instituto como dirigente executivo do organismo assegura o regime de ocupação de tempo pleno. Não se exclua do que ficou dito que a organização corporativa não deva ter uma mais elevada participação na constituição do Conselho de Cinema, o que se considera francamente desejável.
Analisando este primeiro aspecto básico da nova lei, julgamos conveniente uma apreciação, naturalmente sumária, do que deverá, ser a indústria fílmica. Felizmente que a proposta em apreciação procura uma revisão e estruturação dos diversos elementos da economia cinematográfica.
Tomando em linha de conta as atribuições do Instituto e a competência que lhe cabe pelo exercício dessas atribuições, verifica-se que o Instituto pretende, para além das acções de fomento, disciplina, representação, promoção de acordos internacionais e apoio ao desenvolvimento do cinema de amadores, acudir nos aspectos financeiros, definir regras, estabelecer prémios e, num sentido amplo, estimular a cultura cinematográfica.
No tocante ao Conselho de Cinema, órgão da maior projecção, incumbe pronunciar-se sobre todas os questões que interessem o cinema português.
Traduz-se a acção fomentadora do Instituto em assegurar o normal funcionamento dos estúdios e laboratórios, mas para atingir tal desiderato torna-se necessária a existência de produtores idóneos, que deverão demonstrar capacidade financeira para a feitura de filmes, com inscrição no respectivo Grémio, depois da demonstração de garantias suficientes ao exercício da sua actividade.
Julgamos que não pode ser produtor quem quer, mas só aqueles que demonstrarem reunir idoneidade financeira, quer sejam pessoas singulares ou colectivas. Sem embargo de as receitas do novo Instituto se dirigirem para a produção de filmes, em regime de livre iniciativa, não deverão de modo algum ser aplicadas na concessão de empréstimos a produtores carecidos de capacidade empresarial. Como se torna também necessário que os filmes classificados de nacionais sejam executados integralmente nos estabelecimentos técnicos portugueses.
Por outro lado, não nos parece correcta a posição assumida pela Câmara Corporativa ao equiparar, para efeitos de assistência financeira, as co-produções com as co-participações pelo singelo motivo que poderá acontecer que a utilização dos fundos do Instituto Português de Cinema venham a ser aplicados sem benefício para qualquer dos sectores da indústria nacional, o que prejudica o espírito e o sentido da proposta.
Igualmente é de rejeitar a sugestão da Câmara Corporativa na classificação de longas, médias e curtas metragens, por não ser viável comercialmente a exploração de filmes de média metragem, como é do conhecimento universal.