23 DE JANEIRO DE 1971 1443
ferível e justo seria que uma exclusiva acção fiscalizadora lhes fosse reservada. A razão é fácil de ser atingida: alarmados com exemplos que se recordam com pesar, desconfiados, legitimamente desconfiados, com outros exemplos que se descortinam a cada instante, ciosos de um bem que com tanto sacrifício foi obtido e que não querem ver perder por incúria ou sacrificado a administrações burocratizadas o onerosas, têm os sindicatos angolanos preferido assumir o peso imenso desta delegação, evitando-se, talvez, assim, o pior. Daí surge, pois, uma situação que se nem a todos agrada a muitos convém. Com efeito, se admitirmos que o ordenado médio em Angola é de 4000$ — intencionalmente preferimos um valor elevado —, verificamos que o contributo de 180$, que é a taxa fixa paga pelo empregador por cada empregado sindicalizado, representa escassos 8,8 por cento como scarga social». Não temos conhecimento de que valor tão baixo seja praticado em qualquer outro território ou país l Através dos custeios regularmente apresentados se vem fazendo prova da insuficiência deste contributo para liquidação dos encargos de uma assistência médica cujos esquemas estuo perfeitamente definidos pelo instrumento legal.
Apesar de tudo quanto se tem dito, escrito e exposto, nada se conseguiu ainda para rectificar o que deveria ser efectivamente rectificado por forma expedita, simplificada, apenas lógica por racional, recorrendo-se, se necessário, a subsídios de compensação saídos dos sfundos» do sFasta» para que o próprio trabalhador contribui, e quase apenas ele ... Seria esta, certamente, uma dos formas mais válidas de aplicação dos referidos sfundos»!
Com inteira justiça se salienta a compreensão e o contributo prontamente oferecido por um numero muito apreciável de associações patronais esclarecidas à solução de tão grave problema.
Nada se faz ... porque se vai fazer l E, perante a expectativa, o desespero, a ansiedade, o desanimo, a frustração dos que esperam, os dias passam, passam os meses, passam os anos, sem que se vislumbre a satisfação do que é tão justo l
Até em pormenores de valor reduzido a incompreensão se faz sentir e magoa. Citaremos, para exemplo, as dificuldades ou até impedimentos que têm sido criados para a aquisição, em regime de excepção, plenamente justificado, e que em toda a parte se pratica, dos medicamentos para estes fins assistenoiais. Desde a promulgação apressada, intencional, de legislação própria, a criar impedimentos, até ao esquecimento ou ostracismo — enfim, tudo tem impedido que a soluçílo pretendida, e tão justa, seja favorecida.
São, pois, os sindicatos, concomitantemente os trabalhadores, que suportam os dcficits regularmente registados, ficando assim impedidos, por falta de meios materiais, de cumprirem os seus programas sociais, elaborados e realizáveis; cursos de formação e aperfeiçoamento, creches, jardins-escolas, refeitórios, visitas de estudo — um rol de sonhos apetecíveis, mas .que, por tudo o que fica dito, não deixa de ser sonho l
Ninguém ousará certamente afirmar — seria imperdoável l — que o nível dos salários em Angola permite suprimir, ainda que parcialmente, a ausência de válidos esquemas de previdência social. Ó desequilíbrio entre o poder de compra favorecido pelos salários praticados e o custo de vida é tão flagrante que nenhum sofisma resiste & evidência crua dos números.
E o mal de que todos têm plena consciência agrava-se, dia após dia, sem que nada, absolutamente nada, se tenha feito para obstar ao seu progressivo agravamento. Nenhuma política de controlo de preços foi praticada e por isso os índices de preços do consumidor em Luanda pas-
saram de 114 (média) em 1968 para 125 (média) em 1969, para 180 (média) em Março de 1970, e em Setembro do mesmo ano (último valor que possuímos) ascendiam já a 185 (média). Como evoluíram os salários? Não evoluíram, ou mal evoluíram, conforme o atestam as declarações das próprias entidades patronais l
Sabemos que um sgrupo de trabalho» (mais um ...) foi constituído para estudo do controlo de preços. E nesse sgrupo», finalmente, também so trabalho» foi convidado á colaborar. Aguardemos, pois, os resultados práticos ...
Tenta-nos apenas uma alusão breve ao que se passa no domínio da construção civil e do aluguer de habitações. Aí a especulação raia pelo descaramento imperdoável, ainda que se deva registar que, se o ganho é apreciável para quem constrói, é, por norma, escandaloso para quem aluga, pois os rendimentos chegam a atingir 15 por cento; cifrando-se, por regra, entre os 10 e 15 por cento.
Infelizmente também neste domínio se observa um total alheamento perante esta confrangedora realidade, um absentismo imperdoável perante tão cruciante estado de coisas. O problema é tão grave que merece ser tratado com cuidado especial. Fá-lo-emos logo que a oportunidade se ofereça.
Poder-se-ão organizar magníficos congressos de promoção-social, discutir em seminários sapientes as mais lindas técnicas de povoamento, dissertar sobre as experiências possíveis e muito bem estruturadas, redigir lindos relatórios, criar mais "grupos de trabalho" de que o "trabalho" continuará a ser arredado, mas a verdade é que enquanto o desequilíbrio entre salários e custos de vida se verificar enquanto o trabalhador angolano não usufruir de uma justa política social, enquanto perdurarem as conhecidas dificuldades de circulação da moeda, enquanto só se oferecerem sterras» e um mercado de trabalho incaracteristico — nenhuma província ultramarina portuguesa será pólo de atracção para a corrente emigra-tória portuguesa. E é pena ... porque com os erros de hoje se poderá condenar o futuro!
O homem de Angola sempre foi bom, disciplinado, confiante: como um dos seus legítimos representantes ziesta Camará, proclamo a sua ânsia de justiça social l
E, interpretando, sem dúvida, o seu sentir, apelo, com veemência, para o Governo, a fim de que a justiça devida não tarde.
Vençam-se as dificuldades, e vamos construir a sociedade justa por todos apetecida.
Porque se não formos capazes de construir essa sociedade justa, que assuma plena responsabilidade das suas obrigações, então fracassámos !.
Terminamos como começamos: recordando palavras do Sr. Prof. Marcelo Caetano:
Todo o homem de Estado tem de ser capaz de viver na sua alma, no seu cérebro e no seu sangue a vida daqueles a quem tem de devotar-se e aos quais a sua acção se destina a beneficiar. Mal daquele que não consegue reproduzir no seu espírito, com vigorosa nitidez, as condições reais do meio que governa, as necessidades e aspirações dos governados e os resultados das medidos do Governo.
Ao Sr. Prof. Silva Cunha, ao homem do Estado e ao humanista, reiteramos a confiança dos homens que labutam em Angola.
Tenho dito.
Vozes: —Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.