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5 DE FEVEREIRO DE 1972 1579

concursos de provimento têm ficado sistematicamente desertas. Consequentemente, a população da ilha tem estado, entretanto, totalmente privada de assistência médica, já que ali não reside nenhum outro médico exercendo funções públicas ou a profissão liberal.

Uma tal situação, sem dúvida grave onde quer que se verifique, assume aspectos verdadeiramente dramáticos no caso particular do Corvo, em razoo da irregularidade e dificuldade de comunicações entre esta ilha e as outras do arquipélago. Com a sede do distrito, distante cerca de 120 milhos, só há ligações através doe navios da carreira, mas, mesmo essas, nem sempre são possíveis, porque o porto se mostra muitas vezes impraticável. Com a ilha das Flores, a mais próxima, a cerca de 15 milhas, as comunicações efectuam-se em pequenas embarcações do trafego local ou da pesca, mas com carácter eventual, e soo também muito difíceis ou impossíveis durante grande período do ano, por efeito das más condições de tempo de mor, frequentes nesta zona ocidental do arquipélago, sujeita a violentos e prolongados temporais.

Deste modo, os corvinos só com grandes sacrifícios e incómodos podem proporcionar aos seus doentes assistência médica e, bem pior, vivem sob a permanente ameaço de os verem perecer à míngua, quando dela carecem com urgência.

A falta de médico tem sido, de resto, uma constante na história da ilha. Desde o seu povoamento, só durante raros e curtos períodos foi suprida, graças ao amor pela vida simples e ao espírito de renúncia que, por vezes, ainda animam certos homens.

O Sr. Miller Guerra: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Miller Guerra: - As palavras que acabamos de ouvir acerca da assistência médica ou da sua inexistência na ilha do Corvo podem dar a impressão de que, tratando-se de uma ilha, se pode explicar essa inexistência pelas suas condições geográficas.

Tenho a dizer que aqui no continente, desde Trás-os-Montes ao Algarve, nos centros urbanos, na própria cidade de Lisboa, há populações que, do ponto de vista sanitário, vivem como se estivessem numa ilha. Este é um ponto fundamental para que se tem de olhar com toda a energia, imediatamente, e duvido que, se não formos mais longe do que as medidas que se têm tomado, se possa algum dia, proximamente pelo menos, resolver a crise gravíssima em que se acha há muitos anos a assistência médica às populações privadas de recursos. Nos hospitais de Lisboa há uma perigosa ausência de assistência médica, menos devido à falta de médicos do que as condições administrativas, tecnológicas e outras em que funcionam.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Miller Guerra.

O Sr. Ricardo Horta: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Ricardo Horta: - Eu considero que V. Ex.ª trato aqui um problema gravíssimo, que a Nação sofre, e é pertinente porque, segundo o conceito geral dos povos, especialmente da Organização Mundial de Saúde, o Governo tem o dever de velar pelo saúde e o vida das populações que estão dentro da sua administração. Portanto, é aqui nesta Assembleia que V. Ex.ª põe o problema, e muitíssimo bem. O Governo, estou certo que, ouvindo as razões que V. Ex.ª apontou e que irá em seguida apontar, não deixará de estudar o problema e dar-lhe a solução que merece. Numa ilha como a, do Corvo ainda que a sua população seja diminuta - são 600 ou 700 habitantes, não podemos deixar segregada essa população dos direitos à assistência, à conservarão da vida, à saúde. Tem o Governo obrigação, visto que é soberano nessa parcela nacional, de, através da colocação de um técnico, através de meios de evacuação em condições, prestar uma assistência digna, dentro dos exigências dos povos que se dizem civilizados.

Mas V. Ex.ª refere-se aqui ao Corvo. Aqui há tempos eu tive um problema muito semelhante nas Flores. Esta ilha, ainda que tenha uns seis, sete mil habitantes, estava desprotegida, descoberta sob o ponto de vista cirúrgico, e uma organização técnica bastante evoluída que lá se instalou exigiu que tivesse uma cobertura cirúrgica. E nós cumprimos, e muitíssimo bem. Mas esse cumprimento trouxe-nos uma flexibilidade de concepção relativamente a colocar lá um cirurgião, trouxe-nos um pagamento substancial, umas dezenas de contos por mês, trouxe-nos a obrigação de um período de prestação de serviços. Mas, no entanto, cumprimos a nossa obrigação. Existe lá uma enfermagem, da instituição que eu dirijo, onde se encontra uma enfermeira tecnicamente perfeita, que está também em regime cíclico, periódico.

Mas perante o que se passa no Corvo, como o Sr. Deputado Miller Guerra afirmou, V. Ex.ª vê uma porte substancial das pessoas que morrem sem assistência aqui na metrópole. V. Ex.ª vê aqui no continente que os hospitais têm uma insuficiência de meios extraordinária para poder cumprir a sua missão. Portanto, parece-me que o Corvo está dentro da situação geral que o País atravessa, que é preciso remediar, que é preciso resolver e que as populações e nós todos estamos dispostos a resolver. Não é só a classe médica; é preciso todos colaborarem para a solução do problema.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Miller Guerra, muito obrigado, Sr. Deputado Ricardo Horta, pelas valiosíssimas ajudas que me vieram trazer, ao chamar a atenção para este problema, deveras momentoso, não só na ilha do Corvo, mas, hoje, em todos os meios rurais. E, se me dão licença, eu continuo.

A vida no seio da comunidade corvina, onde não há pobres nem ricos, nem cadeias, nem fechaduras nas portas, onde permanecem sólidos os laços de solidariedade entre os homens, só conservam puros os costumes e o respeito pelos valores eternos, pode, sem dúvida, exercer a atracção de um refúgio acolhedor aos que mal suportam os estragos do feroz egoísmo hoje dominante nas sociedades, ditas civilizadas, dos grandes centros. Mas sempre o grande isolamento, a pequenez do meio, a falta de comodidades elementares, os minguados proventos, hão-de desencorajar quem, possuídos embora de grande espírito de abnegação, pense ali fixar-se.

Não é, portanto, de admitir, realisticamente, se repitam os exemplos dos bons clínicos que por lá passaram, sobretudo agora que o crise de médicos em todos os meios pequenos passou a constituir um sério problema nacional, denunciado há poucos dias ainda nesta Assembleia pela voz autorizada do Sr. Deputado Miller Guerra.

Numa louvável tentativa para resolver o caso do Corvo, a Junta Geral do Distrito fez construir uma residência destinada ao delegado de Saúde, que dotou de todas as comodidades possíveis, e elevou substancialmente a respectiva remuneração, fixando-a em montante muito superior ao que é devido a idêntica categoria nos outros