5 DE FEVEREIRO DE 1971 1583
a ponto, a rede de esgotos, não teriam cabimento neste hemiciclo, órgão coda vez mais político e menos legislativo. O abastecimento de água, o fornecimento de energia eléctrica, a instalação de telecomunicações, estariam fora do âmbito de uma Assembleia Nacional, onde apenas se deveriam abordar altos problemas ideológicos.
Julgo, todavia, que este tipo de raciocínio está errado. As denominadas questões regionais podem e devem ser tratadas nesta Casa. Como sintomas de deficiências, de necessidades primarias e prementes, de legítimos anseios, elas revestem-se de- indiscutível importância, política. Como consequência de situações de injustiça, de desigualdade ou de frustração, elas transcendem o plano ... local e a sua própria solução insere-se nos superiores objectivos da Nação.
Na acolhedora quietude desta sala, nem sempre nos recordamos de que por esse país fora - metrópole, ilhas e ultramar- há milhões de portugueses que vivem mal. Sem água ou sem luz, sem estrada ou sem telefone, sem médico ou sem esgoto, esses nossos compatriotas tentam sobreviver perante condições naturais, socioculturais, económicas e até político-jurídicas pouco favoráveis.
É sobrevivem, dando-nos a nós - que vivemos bem ou menos mal - uma inquietante lição de coragem - ou de resignação -, de amor às pessoas e às coisas - ou de indiferença rotineira perante todos e tudo -, de esperança em melhores e longínquos dias - ou de desespero facilmente transformável em ódio e em revolta não obrigatoriamente pacífica.
A satisfação das naturais pretensões desses milhões de portugueses não é, a priori, para eles um problema político. Eles desejam, antes de mais, que as suas moderadas ambições sejam reconhecidas, assinaladas, identificadas. Depois, que sejam solucionadas efectiva e eficientemente, isto é, que acabem as promessas, as entradas em estudo, as esperas de melhor oportunidade, etc., e que o que precise ser feito seja concretizado com meãos oratória e mais acção. O modo de bem - ou seja, em tempo útil alcançar estas metas já constitui, em si e por si, um problema político: ou dos critérios aplicados e a aplicar resultam saldos francamente positivos, ou os referidos milhões de cidadãos que não têm culpa de nascerem na aldeia, que não têm culpa de só poderem tirar a 4.ª classe, apesar de a escolaridade obrigatória já ir em seis anos, que não têm culpa de não encontrar emprego, a não ser nas grandes cidades ou no estrangeiro - optarão, mais cedo ou mais tarde, por outros critérios. Poder-se-á argumentar que se tratará, então, de uma opção pouco esclarecida, mas quem tem pouco ou nada a perder não gasta tempo com hesitações e facilmente escolhe por exclusão de partes.
Sr. Presidente: A minha presença nesta Câmara deve-se aos votos dos eleitores do círculo eleitoral da Guarda.
Se é certo que a partir do momento em que fui eleito passei a representar a Nação, não oferece, por outro lado, qualquer dúvida que não cessaram por isso os laços muito especiais que me unem às gentes daquelas terras.
As chamadas "questões regionais da Guarda" preocupam-me, não só pela consolidação e existência desses laços, mas também porque se pode apontar o distrito da Guarda como exemplo das disparidades regionais portuguesas. Integrada, ao nível do planeamento, na sub-região interior da zona centro, a Guarda faz parte de toda uma vasta área desprotegida pela Natureza e pelos homens. As infra-estruturas não surgem no ritmo indispensável. As escolas e os serviços médicos não preenchem os requisitos mínimos para uma vida actualizada. A agricultura está parada ou em retrocesso, a indústria não avança, o comércio não progride.
As pessoas emigram ou resignam-se, mas, em qualquer caso, demonstram dos modos mais diversos a sua insatisfação.
É claro que, quer no sector público, quer no privado, há realizações dignas de apreço. Há obras de grande mérito, que minoram as agruras e possibilitam o convívio; há indivíduos de grande coragem e notável capacidade, que não se resignam nem emigram, que ficam, para criar.
O panorama, é, porém, negativo, como o demonstra o número sempre crescente de migrantes.
Se houvesse motivos para acreditar que a situação era transitória, que seriam rapidamente criadas condições de desenvolvimento para que os que partem regressem, que feudo estava previsto para recuperar o atraso - estas palavras de alarme não teriam razão de ser. Infelizmente, o agravar dos dificuldades, o círculo vicioso em que a economia enfarou, a continuada expectativa de resoluções que não vêm, levam a crer que o distrito da Guarda está condenado o uma irreversível decadência..
As boas intenções anualmente enunciadas no relatório da lei de meios não se concretizam no que respeita ao interior do País. Os notáveis esquemas do Sr. Subsecretário do Planeamento não começaram ainda a produzir frutos na zona mais pobre da metrópole. Expressões como "desenvolvimento regional", "incentivos fiscais à indústria", "criação de pólos", "equipamento urbano", "emparcelamento agrícola", etc. vão sendo consideradas letra morta, porque as pessoas não vivem de teorias e continuam a não ver satisfeitas as suas necessidades mais elementares.
No campo das grandes realizações materiais, já em marcha, o distrito da Guarda e os seus vizinhos sem acesso ao mar permanecem afastados dos respectivos benefícios. A prevista rede de auto-estradas é toda dedicada ao litoral, esquecendo-se que é precisamente pela Guarda que os Portugueses entram no Europa. Os empreendimentos industriais de grande vulto como, por exemplo, os relacionados com a indústria petrolífera também não contemplam o interior. Em mataria de turismo, se exceptuarmos a triste história do teleférico da serra da Estrela - que, aliás, continua por arrancar -, também há protegidos e desprotegidos.
Sr. Presidente: Num momento em que o regionalismo revive em países com baratas afinidades com o nosso, como a Itália e a França, não será descabido pedir a esta Camará e ao Governo uma meditação profunda e imediata sobre dois aspectos do mesmo problema:
Em primeiro lugar, o agravamento já referido do situação no interior metropolitano e a necessidade de evitar que não apenas entre os indivíduos, mas também entoe as regiões de um mesmo pais, os nacos sejam coda vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. É preciso redistribuir o rendimento nacional, passar à acção na canalização do investimento, atrair pessoas e bens onde eles são mais necessários, proporcionar poderes de decisão ao nível local.
O Sr. Roboredo e Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com certeza.
O Sr. Roboredo e Silva: - Pretendia apenas declarar que apoio totalmente as considerações de V. Ex.ª sobre as gerais carências do desprotegido distrito da Guarda, pelo qual fomos eleitos Deputados.
De resto, também já lhes tenho feito, por vezes, nesta Câmara, rápidas mas justas referências.
Entendo que a intervenção de V. Ex.ª é manifestamente oportuna, por estar em curso a discussão do aviso