1947 ABRIL DE 1971
carências intelectuais ou de erros pedagógicos, mas de falta de bases, imputáveis ao meio de origem. Eis por que não é suficiente alongar a escolaridade, adensar a rede escalar, garantir auxílios económicos ou melhorar as técnicas educativas. O nó do (problema encontra-se no quadro familiar. O desabrochar das potencialidades da criança supõe cuidados pré e pós-matais, alimentação equilibrada, habitação salubre, vigilância médico-social nas diversas fases do seu crescimento, ambiente de afecto e de compreensão, segurança- material, nível e atitude educacional rios pais, existência de adequada» instituições socio-culturais, através das quais possa adquirir o sentido dos suas responsabilidades pessoais e sociais.
Tal condicionalismo afecta a frequência e o rendimento escolares, logo ao nível do ensino primário elementar. O elevado número de reprovações (cerca de um quarto do total da frequência) « de abandonos (cerca de 43 000 anualmente), se pode, em parte, explicar-se pela presença de crianças deficientes, carecidas de ensino especializado, que infelizmente é reduzidíssimo entre nos, radica-se também em deficiências alimentares e sanitárias, na falta de meios e de condições de trabalho, na necessidade de prestação de serviços domésticos.
O respeito pela criança e o próprio desenvolvimento nacional mão podem consentir tais- desperdícios. Se o progresso é função da qualidade do homem, havemos de convir ser (imperioso apressar o (passo no caminho que temos de percorrer para elevar o uivei educacional do nosso povo. Tenha-se (presente que é bastante grave, como o acentua uma nota inserta no boletim do G. E. P. A. E. Educação, n.° 3, a p. 29, o (facto de se «verificarem, anualmente, cerca de 43 000 abandonos de alunos que não completam o ciclo elementar primário. Ao cabo de dez anos existe uma população de cerca de meio milhão de pessoas que não anda longe do analfabetismo. Tais abandonos influenciarão a taxa de analfabetismo, que, em Portugal, se situa persistentemente à volta de 90 por cento». Credo que esta citação dispensa comentários. No entanto, não posso deixar de recordar que a evolução tecnológica a que vimos assistindo supõe mão-de-obra e dirigentes cada vez mais qualificados. Eis por que devemos, todos nós, colaborar na «batalha da educação» que o Pais vem travando.
Mas não é apenas na escola que essa «batalha» tem de ser travada. A escola, por vezes, recebe «produtos deteriorados», em consequência de carências sanitárias ou aumentares, da promiscuidade habitacional, que profundamente afecta a sensibilidade e a moralidade da criança e do jovem, da enorme influência dos modernos meios difusores de imagens e de ideias, do progressivo enfraquecimento dos estruturas familiares. A acção social a exercer, junto da criança e do jovem, tem de englobar o quadro que a «rodeia e processar-se muito antes do seu ingresso na escola.
Obra de tal magnitude supõe a convergência de vontades e de meios, íntima comunhão de esforços dai iniciativa privada e dos serviços do Estado, integração dos recursos disponíveis. Se há que apelar para a iniciativa do particular, importa não esquecer o papel primacial do Estado, que, neste domínio, não pode mais limitar-se ao exercício de uma função meramente supletiva. E que não se trata de filantropia ou de caridade, antes de justiça. A não ser assim, corre-se o risco de ficarmos dependentes de acções dispersas e de duração imprevisível sem profundidade e consistência. Recorde-se, a este propósito, a história das creches junto das empresas. Inicialmente, foi-se para a obrigatoriedade da sua criação, desde que a empresa (comercial, industrial ou agrícola) empregasse
mais de 50 mulheres. Passando de lado os inconvenientes que poderiam surgir em virtude de atitudes discriminatórias de alguns empresários ou o facto de ficarem, desprotegidas as mães empregadas em empresas de menores dimensões, reconheça-se a importância da medida, sobretudo nos meios mais pobres, em que as m Sés eram obrigados a colocar os filhos no cuidado dos irmãos um pouco mais velhos, de algum parente ou inclusive de outras mulheres que, a troco de dinheiro, dispensavam (?) alimentação e exerciam (?) vigilância sobre as crianças. Mas os resultados não foram brilhantes e, em 1934, cessava tal obrigação. Experimentou-se posteriormente, outro sistema (1944 e 1945): todas as empresas, nas condições acima referidas, que não tivessem devidamente montados os serviços de protecção materno-infantil, pagariam uma taxa de 6$, mensalmente e por mulher (seria de 8$ se o trabalho fosse exercido no domicílio). O que aconteceu: os empresários preferiram pagar os taxas (em 1969 o Fundo de Socorro Social recebeu 9000 contos), porque muito inferiores aos encargos que assumiram com a montagem e funcionamento de tais serviços. Em consequência disso, para só citar o caso do concelho de Guimarães, nenhuma creche está em funcionamento junto das empresas fabris (informação prestada ao Deputado Castro Salazar pelo Ministério da Saúde e Assistência).
O caminho a seguir teria de ser outro: subvencionai1 as creches particulares, por um lodo, e chamar o Estado a si a criação, nos meios urbanos e fabris, onde o problema tem mãos acuidade, de infantários e de jardins de infância. Assim o entendeu o Governo e, a partir de 1966, às caixas sindicais de previdência e de abono de família é permitida essa criação.
Impõe-se, no entanto, realizar uma mais perfeita coordenação de esforços, evitando duplicações, integrando no mesmo plano de acção os recursos humanos, técnicos e financeiros, não só da Previdência, como da saúde e assistência, como ainda dos Misericórdias. Oxalá os futuros centros de saúde a estabelecer no País venham a ser centros polarizadores, assegurando uma unidade de acção que torne eficaz a protecção à infância. Há que aproveitar convenientemente os meios de que dispomos - e não são eles muitos -, acabando de vez com os compartimentos mais ou menos estanques.
Sem dúvida, muito há ainda a esperar das entidades patronais ou das fundações particulares. Seria injustiça esquecer os inúmeras obras sociais espalhadas pelo Pais e que, no meio de dificuldades de ordem, vária, vão cumprindo a sua Debilitante missão. Apenas dois exemplos. Na cidade de Braga, a magnífica acção do Patronato de Nossa Senhora da Torre, que, mercê da dedicação dos paroquianos e das autoridades eclesiásticas1, do entusiasmo dos seus dirigentes e do apoio do Estado e da Fundação Gulbenkian, pôde alargar a 300 crianças dos 3 aos 6 anos, os benefícios de um meio sadio. Ao contemplar a vida que naquela instituição palpita, não pude deixar de sonhar e de ver, nos campos ainda vagos do edifício, a construção de novos pavilhões, a permitirem, em íntima colaboração com o Ministério da Educação Nacional, um centro-piloto de ensino pré-primário. Aqui fica a sugestão. Um outro exemplo vou buscar agora a Guimarães. Dado o conhecimento 'generalizado dos graves carências alimentares de muitas das crianças que frequentam as escolas primárias da cidade e seu termo, em especial a baixíssima capitação de leite, os Lions de Guimarães resolveram dar início a uma campanha do leite. E com o apoio da autarquia local, de particulares e do próprio Ministério da Educação Nacional,