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29 DE ABRIL DE 1972 1967

O Orador: -Estamos aqui a enfrentar um problema. A raciocinar sobre uma ocupação do espaço relacionando recursos humanos, potencialidades do território e actividades. A encarar de frente a correcção da tendência para o desenvolvimento excessivamente centrado em Lisboa e Porto, a desertificação do interior, a insuficiência do equipamento da província, aceitando o desaparecimento de algumas actividades e localidades, porventura as nossas.

Por isso, pela coragem de enfrentar o problema, eu dizia que estamos «todos» de parabéns.

Permitam-me que antes os enderece a V. Ex.ª, Sr. Presidente, sem cuja boa vontade esta discussão não teria podido desenvolver-se, e ao Deputado Correia da Cunha, meu colega da lista de Santarém, cujo entusiasmo, que não esmorece nem se cansa, levou a conseguir a efectivação do aviso anunciado há um ano.

Serão previsíveis algumas consequências políticas das mudanças sociais que uma urbanização crescente provocará em Portugal?

creio que todos nos, qualquer que seja o lugar de origem, tomamos directo conhecimento da profunda alteração que o quadro tradicional de ocupação do território metropolitano sofreu nos últimos decénios.

Ao menos atento dos observadores não terá escapado o acentuar de um movimento migratório que atrai para a cidade, ou para fora do País, a grande massa dos rurais.

No período entre 1950 e 1960 nove distritos viram já a sua população diminuir. Bragança, Leiria, Santarém e Vila real tinham praticamente estacionado, tão diminutos foram os aumentos. Apenas em Lisboa, Porto, Setúbal, Aveiro e Braga a população aumentou e aumentou cerca de 444 milhares; «mais» quase 73 milhares que o acréscimo da população residente no território continental.

Em termos globais, a população portuguesa residente em centros urbanos passou de 900 000 em 1920 para 3 600 000 em 1960. Mas, enquanto no período de 1981 a 1940 mais de 80 concelhos «atraíam» população, o número baixou para 26 no período de 1950 a 1960 e destes 20 pertencem às áreas de atracção de Lisboa (13) e Porto-- Aveiro (7).

Os dados que vão sendo conhecidos do censo de 1970 permitem-nos admitir que terão emigrado cerca de l milhão de pessoas, ou sejam 12 por cento da população presente em 1960.

Quantas terão vindo para as cidades?

E que vai passar-se, por exemplo, até 1980?

Fazendo a projecção dos actuais tendências- migratórias, em 1980, e em qualquer hipótese, haveria sempre um aumento populacional nos distritos do Porto, Aveiro, Lisboa e Setúbal.

E porque temos uma taxa de urbanização francamente baixa (20 a 25 por cento) teremos, efectivamente, de prever um afluxo crescente os cidades. Não será aliás inútil recordar que a atracção total para a zona de Lisboa foi de 590 milhares em saldo líquido das migrações humanas no período 1920-1960, quer dizer, um equivalente a seis vezes a população de Angra, três vezes a de Portalegre, duas vezes a de Beja, Viana, Guarda ou Funchal, igual à actual população de Braga.

Mas, deixando a demografia para os especialistas e aceitando os seus dados e cálculos, nesta Câmara (que não é técnica, mas política) sempre se haverão de colocar algumas interrogações essencialmente políticos..

Assim:

Qual é o significado, em termos políticos, claro, da mobilização social e ecológica das massas rurais?

Que mudanças estruturais ocorrem quando se produzem o deslocamento e a urbanização dessas massas?
Que consequências traz consigo esse processo para a situação de poder vigente na sociedade global?

Mais simplesmente: sabendo-se como a urbanização provoca alterações nos comportamentos individuais e nas estruturas sociais, criando novos tipos de relações sociais e estilos de vida, não obrigará a transformações no seio da sociedade política?

Ë evidente que mal pareceria querer estabelecer relações causa-efeito ou individualizar factores. Não pretendo sequer fazer um profetismo na linha de Riesman e ver até que ponto caminhamos para um tipo de sociedade extra-determinado.

Mas parece valer a pena reflectirmos a propósito das interrogações formuladas, de tendo-mos, nomeadamente, nas consequências do fenómeno que nos parecem poder ter maior significado político actual.

O primeiro facto político que me parece de meditar é o de a «mobilidade» implicar uma ruptura, parcial ou total, dos vínculos de dependência política da sociedade tradicional.

Isto, ainda por cima, é verdadeiro, quer para aquele que se deslocou fisicamente e, portanto, deixou de estar sujeito ao «cacique» ou ao «patrão» (personalidades quase sempre coincidentes), como para aquele que «apenas» se promoveu culturalmente, e que, alargando os seus horizontes sociais, passa a reagir e a actuar de acordo com leaders e modelos que já mão são os locais.

O fenómeno parece-me tão evidente que não valerá a pena documentá-lo largamente.

O que talvez valha a pena é adiantar, desde já, que a resposta política não parece possa continuar a ser dada em termos tradicionais, apenas como se todos fôssemos uma grande aldeia.

A diferença que há entre uma aldeia e uma cidade não está só na dimensão. Possibilidades de escolha e de serviço, .a consciência crescente de que há sectores, mesmo na vida de cada um, tudo isso implica, por exemplo, novas formas de comunicação. Mas passo adiante. Não é este o meu tema de hoje.

Regresso ao ponto de que a distância faz quebrar os vínculos políticos tradicionais. Todos nos lembramos do tempo, ainda não muito longínquo, em que o padre, o médico, ou o militar «importante» não só resolviam «todos» os problemas da comunidade pequena, como lhe serviam de embaixadores em Lisboa ou no Porto, obtendo lugares de contínuo ou alvarás de táxi «livrando» da tropa, etc., neste etc. se incluindo, naturalmente, a orientação política local.

Mas agora . . . agora é preciso que comecemos a pensar que as migrações implicam, que as fontes de poder, que têm as suas raízes nas zonas rurais, se debilitam.

Isto é, a contrapartida do senhor medieval que era respeitado porque podia fornecer ao rei x cavaleiros e que era o político local, respeitado porque valia y votos, vai desaparecer. Porque os políticos locais ou não dominam populações significativas em número, por causa do êxodo rural, ou porque a evolução cultural dessas populações não permite que sejam dominadas, pelo menos, nos moldes do século XIX.

O Sr. Ávila de Azevedo: - Muito bem!

O Orador: - Por outro, lado, se o Eça de Os Maias podia afirmar que «Lisboa é Portugal. Fora de Lisboa não há nada. O Pais está todo entre a Arcada e S. Bento»,