15 DE JULHO DE 1971 2457
nidade, enaltecendo as garantias da liberdade da prática religiosa e da evangelização, fundamentadas na dignidade da pessoa humana.
Cada ser humano é pessoa, dotada de inteligência e de vontade livre, possuindo em si mesma direitos e deveres universais, inalienáveis.
Da sua própria dignidade deriva o direito à liberdade religiosa, isto é, a liberdade de prestar culto a Deus, de acordo com a sua consciência, professando uma religião, quer no domínio privado, quer público.
Este princípio, reconhecido pelas autoridades civis através dos tempos, foi adoptado pelas Nações Unidas, em 1948, na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 18.º):
Todos têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção,, isoladamente ou em comum, tanto pública como particularmente, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelo exercício de ritos.
Mais tarde, o Concílio Ecuménico Vaticano II, em 1965, consagrou a este problema um documento específico - a declaração Dignitatis Humanae - reconhecendo que:
Os homens de hoje tornam-se cada dia mais conscientes da dignidade da pessoa humana e, cada vez em maior número, reivindicam a capacidade de agir segundo a própria convicção e com liberdade responsável, não forçados por coacção, mas levados pela consciência do dever.
Para que a pessoa humana use este seu direito, deverá agir livremente, procurando a verdade segundo a sua consciência, livre de qualquer coacção.
E no uso pleno da liberdade humana que o homem participa da lei divina, determinando-se segundo a sua consciência por actos pessoais, livres, interiores ou professados exteriormente, devendo ter por limite, apenas, a salvaguarda da paz social. Daqui resulta o carácter de imunidade para o exercício da religião, tomado individualmente como grupo ou associação.
A liberdade humana, condição essencial para o homem, tem a sua essência na participação na liberdade divina.
O homem é livre à semelhança de Deus. Deus é Senhor de todo o universo enquanto Criador. O homem, criado à imagem de Deus, domina pela vontade livre as suas paixões e instintos, ainda que condicionado às forças psicofisiológicas. Agir na liberdade é participar na liberdade de Deus. O exercício da religião não é apenas um direito individual fundamental; é igualmente um direito social, comunitário. Constitui um valor público que os Governos têm de reconhecer e favorecer o seu desenvolvimento.
O Governo de um povo, atento primacialmente às necessidades correntes, de interesse nacional, de garantia da ordem, de fomento da justiça e do progresso, tem de ter em conta que nenhuma civilização autêntica se constrói sem Deus. Mesmo um Estado que não professe qualquer religião tem de garantir aos seus cidadãos a satisfação dos seus direitos de pessoa humana.
O movimento para assegurar a liberdade religiosa começou na Europa em meados do século XVII. Em 1787 a Constituição dos Estados Unidos admite-a e, em 1789, a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão também a proclama. Em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas adopta o princípio da liberdade religiosa, na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Em Portugal, acompanhou-se o movimento geral, prosseguido na Europa para a garantia da liberdade religiosa. A Constituição de 1822 (artigo 25.º) e a Carta Constitucional de 1826 (artigo 6.º) «permitiam aos estrangeiros o culto doméstico ou particular, em casas que não tivessem a forma exterior de templo». Estabelecia também o princípio de que ninguém poderia ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeitasse a do Estado e não ofendesse a moral pública. A Lei da Separação do Estado das Igrejas, aprovada pelo Decreto de 20 de Abril de 1911, introduziu o princípio da liberdade religiosa que, depois, veio a ser consignado na Constituição de 1911 e na de 1933.
Mais tarde, em 1940, com a Concordata, a igreja católica viu garantidas algumas das suas aspirações, mas o regime actual comporta deficiências de tratamento para com as outras confissões religiosas, que não se coadunam com a responsabilidade do Estado pelo bem comum, vida moral e espiritual de todos os cidadãos. Algumas entidades religiosas continuaram numa situação legal um tanto precária, sujeitas ao regime geral de direito de associação, com impossibilidade prática de obterem personalidade jurídica, apesar de a Constituição admitir que lhes podia ser reconhecido. Ora, tal como preconizou o Concílio Ecuménico Vaticano II, «a autoridade civil deve tomar previdências para que a igualdade jurídica dos cidadãos - a qual também pertence ao bem comum da sociedade - nunca seja lesada, clara ou disfarçadamente, por motivos religiosos, nem entre eles se faça qualquer discriminação».
Na salvaguarda da tutela e promoção dos direitos humanos invioláveis, um Governo responsável tem de «assegurar eficazmente, por meio de leis justas e outros meios convenientes, a tutela da liberdade religiosa de todos os cidadãos e proporcionar condições favoráveis ao desenvolvimento da vida religiosa», quer esta se manifeste individualmente, quer por grupos ou associações religiosas.
Consideradas as circunstâncias actuais e a sua responsabilidades, o Governo apresentou à Nação uma proposta de lei que tem por fim atingir estes objectivos. Todavia, atentos os princípios a que atrás me referi, considerando a necessidade de admitir um pluralismo teológico e ai Unidade: da Fé, em que a própria teologia católica se encontra hoje necessariamente numa relação de diálogo com outras teologias cristãs, e o consequente movimento ecuménico, aprovando a proposta de lei na generalidade, não posso deixar de pôr algumas reservas quanto à especialidade.
Não se trata de querer menosprezar ou diminuir direitos ou regalias facultados à igreja católica. Sou católica praticante (como diria ao preencher um inquérito da estatística!); tenho procurado viver, desde há muitos anos, a realidade de uma «igreja pobre e serva», que «está no mundo para servir e não para ser servida», que vive as «alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres», que desejaria ver reunidos os que não professem integralmente a mesma fé, pertençam a outras igrejas e todos os homens de boa vontade, porque a todos eles Deus criou, e Deus deseja salvar.
Perante o esforço que a igreja católica, depois do Vaticano II, está a realizar neste sentido da fraternidade humana, convirá que o Estado, ao legislar, não coloque em situação de marginalidade muitos portugueses - são cerca de nove décimos os que professam a sua fé em igrejas autónomas e independentes umas das outras. Trata-se de irmãos separados, pertencentes a