2458 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 121
igrejas de governo congregacional, constituídas em igrejas locais, onde, por vezes, não será possível reunir quinhentos fiéis. E ainda, porque estes não se constituem em confissão, haverá que salvaguardar à liberdade da profissão da sua fé e a prática religiosa com o devido reconhecimento jurídico.
Perante este problema, não podemos ficar indiferentes, porque se pretende corresponder ao desejo que o homem tem de se tornar cada vez mais unido, favorecendo-se as relações entre os vários povos, o que leva a uma maior aproximação entre cristãos e não cristãos:
Recorremos à autoridade dos documentos conciliares: «com efeito, os homens constituem todos uma só comunidade; todos têm a mesma origem, pois foi Deus quem fez habitar em toda a Terra o inteiro género humano»; e, mais adiante, referindo-se às relações entre cristãos e muçulmanos: «O sagrado concílio exorta todos a que, esquecendo o passado, sinceramente se exercitem na compreensão mútua e juntos defendam e promovam a justiça social, os bens morais e a paz e liberdade para todos os homens.» (Declaração conciliar sobre a relação da Igreja com as religiões não cristãs.)
Ainda o mesmo documento exorta os católicos a que «pelo diálogo e colaboração com os que seguem outras religiões, dando testemunho de vida e fé cristãs, reconheçam, preservem e promovam os bens espirituais e morais e os valores sócio-culturais que entre eles se encontram».
Esta atitude leva-nos como, «no uso de qualquer liberdade, a respeitar o princípio moral da responsabilidade pessoal e social; cada homem e cada grupo social está moralmente obrigado, no exercício dos próprios direitos, a ter em conta os direitos; alheios e os seus próprios deveres para com os outros e o bem comum com todos, se deve proceder com justiça e bondade». Além disso, uma vez que a sociedade civil tem o direito de se proteger contra os abusos que, sob pretexto de liberdade religiosa, se poderiam verificar, é sobretudo ao poder civil que pertence assegurar esta protecção. Isto, porém, não se deve fazer de modo arbitrário, ou favorecendo injustamente uma parte; mas segundo as normas jurídicas, conformes à ordem objectiva, postuladas pela tutela eficaz dos direitos de todos os cidadãos e sua pacífica harmonia, pelo suficiente cuidado da honesta paz pública, que consistem ordenada convivência sobre a base de uma verdadeira justiça, e ainda pela guarda que se deve ter da moralidade pública. Todas estas coisas são parte fundamental do bem comum e pertencem à ordem pública. De resto, deve manter-se o princípio de assegurar a liberdade integral na sociedade, segundo o qual se há-de reconhecer ao homem o maior grau possível de liberdade, só restringindo esta quando e na medida em que for necessário - Declaração Conciliar da Liberdade Religiosa, 7.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não será preciso alongar-me mais nestas considerações e gostaria de pronunciar aqui a frase do saudoso Papa João XXIII: «Tomemos o que nos une e não o que nos separa.»
Para terminar, concluiria dando a minha aprovação na generalidade à presente proposta de lei com a seguinte transcrição de Teilhard de Chardin:
Um a um, Senhor, eu os vejo e os amo, aqueles que me destes como sustentáculo e como encanto natural da minha existência. Um a um, também, eu os conto, os membros desta outra e tão querida família que se juntaram pouco a pouco à minha volta, a partir dos elementos mais díspares, das afinidades do coração, da investigação científica e do pensamento. Mais confusamente, mas todos sem excepção, eu os evoco, àqueles donde a multidão anónima constitui a massa incontável dos vivos: aqueles que me rodeiam e me suportam sem que eu os conheça; os que chegam e os que partem; aqueles que, sobretudo, na verdade ou no erro, no seu escritório, no laboratório ou na fábrica, crêem no progresso das coisas e seguirão hoje apaixonadamente a Luz. (Em Hino do Universo - La messe sur le monde.)
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: Componente da comissão eventual para o estudo da proposta de lei sobre a liberdade religiosa, sinto-me naturalmente obrigado a participar na discussão da matéria que lhe dá conteúdo e está prendendo as atenções do plenário desta Assembleia Nacional.
Católico apostólico romano - a religião tradicional da Nação Portuguesa -, não me aperta o «colete» com que me apresento vestido, nem me tolhe o raciocínio a Fé nos princípios com que fui educado e me moldaram o carácter coerentemente tolerante frente às expressões religiosas com que cada um julga melhor servir e adorar a Deus, supremo julgador da verdade com que cada um interpreta a Sua palavra e derivadamente se coloca dentro da obediência a determinada doutrina. Sem ser «liberal», no entendimento político comummente atribuído à palavra, sou, no entanto, suficientemente «generoso» - o que não é antonomástico - para compreender o que já nem sequer é de hoje, pois de longe vem, na sequência de um desenvolvido processo de busca para satisfação da sede do infinito que atormenta e sempre atormentará os homens na sua efémera passagem pela Terra, que nos consumirá os corpos, mas não nos prenderá a alma, a evolar-se para a ronda inexorável de um julgamento irremissível em que todos haveremos de ser réus e de que nem todos haveremos de sair ilibados.
Sou católico apostólico romano.
Mas não sou faccioso nem intolerante.
Pecador, sou indulgente para com aqueles que pecam. Homem, sou como os demais, cioso de mim e dos ideais que me informam. Livre, há-de ser na liberdade reconhecida aos outros que se confinará a que para mim reivindico, direitos e deveres a compendiarem uma conduta que na génese encontra a sua justificação e na sociedade a sua mais alta expressão com vista à pacificação necessária à prossecução do bem comum.
Estou, assim, completamente à vontade. Não me constrangem quaisquer «coletes», nem religiosos nem políticos, de grupos ou de partidos de sentido equívoco a quem não animam propósitos de consciência, mas apenas ideais especulativos em que, mais do que a religião e o seu culto, lhes agrada e interessa o sensacionalismo da expressão «liberdade», na religião ou na imprensa, tanto mais atraiçoada quanto mais indiscriminadamente se pretende usar, nos campos do lícito ou do ilícito, não importa, desde que o «brado» se lance como sinal de inconformismo ou incitamento à desordem e à subversão.
Será, pois, na convicção antecipada de que nos não assiste o direito de. subjectivarmos a problemática em discussão que vou falar da proposta de lei sobre a liberdade religiosa. E com breveza, não só por falta de tempo mas também porque muito pouco nos ficou para dizer depois do lúcido e exaustivo paracer da Câmara Corporativa em que o assunto foi inteira e proficientemente esgotado. Não era possível ir mais além, não só porque se foi até onde se devia, mas como se devia num discorrer sereno