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15 DE JULHO DE 1971 2461

Reconhecida a igreja católica como pessoa de direito público internacional, com personalidade jurídica referida na própria Constituição, é inegável a legitimidade para a celebração de tal acordo ou convenção entre entidades soberanas nas respectivas esferas de actuação.
Dada a existência da convenção celebrada, se não fossem salvaguardadas as suas disposições, quaisquer eventuais alterações emergentes da proposta em discussão conduziriam à conclusão de denúncia unilateral por parte do Estado, e o possível e consequente ressurgir de questões religiosas graves, fonte de quebra da unidade entre os portugueses e discórdias, tão inconvenientes como indesejáveis, em qualquer momento, mas principalmente na fase difícil que a Nação atravessa, em que urge uma cada vez maior e solida união.
Os princípios consignados na proposta representam o resultado de uma evolução lenta, e nem sempre pacífica, na luta travada pelos homens por uma sociedade mais livre e mais justa.
O factor religioso tem influenciado decisivamente, em todos os tempos e lugares, a formação e evolução das civilizações, imprimindo na alma dos povos as características fundamentais das respectivas confissões religiosas que professam. Haja em vista a brilhante civilização ocidental, que foi profundamente modulada pelos princípios do catolicismo.
E em resultado dessa decisiva influência no meio social, e porque a organização estatal de algum modo tem de reflectir o ambiente social respectivo, têm sido estreitas as relações entre religião-Estado.
Porque nem sempre é fácil delimitarem-se as esferas de influência dos dois poderes - Igreja e Estado -, frequentes têm sido os atritos entre ambos, resultantes da busca da supremacia por um maior domínio e influência.
Dado o clima de intolerância e proselitismo acentuados que em longas épocas históricas caracterizou o ambiente na fé, e as ligações, por vezes, estreitas entre a religião e a política, lutas graves surgiram entre povos diversos e independentes entre si por motivos de ordem religiosa, e lutas intestinas se travaram internamente oriundas do mesmo factor, quando no mesmo país diversas confissões religiosas disputaram a supremacia.
Mas as tendências para uma cada vez maior tolerância religiosa e respeito mútuo entre os homens foram-se acentuando progressivamente, podendo considerar-se a harmonia entre as diversas religiões e a adopção pelos Estados de normas garantindo e regulamentando o exercício da liberdade religiosa como dos progressos mais notáveis conseguidos para a libertação e dignificação do homem.
No douto parecer da Câmara Corporativa traça-se um quadro bastante preciso e esclarecedor do que foi a evolução legislativa do princípio da liberdade religiosa no nosso país, desde o surgir do constitucionalismo até ao presente.
Atendendo à situação legal vigente, verifica-se estar consignado o regime de separação entre a Igreja e o Estado, instaurado em 1911 com a Lei da Separação, ou mais precisamente:

O Estado mantém em relação à igreja católica o regime de separação com relações diplomáticas entre a Santa Sé e Portugal, mediante recíproca representação e concordatas ou acordos...

conforme no artigo 45.º da Constituição ainda vigente se acha preceituado.
Todavia, no mesmo artigo, conforme redacção dada pelas alterações introduzidas pela Lei n.º 2048, de 11 de Junho de 1951, reconhece-se personalidade jurídica à igreja católica, e a religião católica é declarada como «religião da Nação Portuguesa».
Quanto às outras confissões religiosas, no artigo 46.º se acha determinado que:

O Estado assegura também a liberdade de culto e de organização das demais confissões religiosas, cujos cultos são praticados dentro do território português, regulando a lei as suas manifestações exteriores, è pode reconhecer personalidade, jurídica às associações constituídas em conformidade com a respectiva disciplina.

Resulta, do confronto das duas disposições citadas, uma primeira diferença de tratamento, no plano constitucional, entre a religião católica e as demais confissões religiosas, sendo reconhecida personalidade jurídica à primeira, não já às outras.
Por outro lado, o exercício do culto pelas outras confissões religiosas, a atribuição de personalidade jurídica às mesmas, e respectivas associações, nunca foi objecto de medidas legislativas apropriadas, que satisfizessem e garantissem plenamente «a liberdade e inviolabilidade de crenças e práticas religiosas».
Conforme se refere na proposta governamental, as confissões religiosas não católicas e as associações a elas pertencentes tem vivido em boa parte num regime de pura situação de facto em muitos aspectos, com plena liberdade de culto, privado e público, garantido em disposições dispersas, e principalmente harmonizado com as nossas próprias características nacionais de pluralismo religioso e rácico.
Há, assim, toda a conveniência em regular aspectos fragmentários da legislação em diploma único referente à liberdade religiosa, e resolver pela via legislativa as graves faltas legais existentes, tornando legais as meras situações de facto.
Nesta sessão extraordinária foram já votadas alterações aos artigos 45.º e 46.º da Constituição, que não trouxeram inovações apreciáveis, apenas mais logicamente os redigindo.
Mantém-se o sistema da separação como o regime das relações do Estado com as confissões religiosas, sendo de salientar que se refere a todas as confissões e não apenas em relação à igreja católica como antes, parece que intencionalmente se restringira, possivelmente dada a real importância e maior influência na Nação da igreja católica, e em vez de se referir que a religião católica é a religião da Nação Portuguesa, na redacção aprovada se diz que «é considerada como a religião tradicional da Nação Portuguesa», mais de harmonia com o princípio geral da separação aceite.
Manteve-se no texto constitucional que «a igreja católica goza de personalidade jurídica», o mesmo se não dizendo quanto às outras confissões religiosas, bem se compreendendo a diferença, dada a conhecida e eficiente .organização da igreja católica e a sua indiscutida maior projecção na vida do País.
Na presente proposta de lei se prevê o reconhecimento de personalidade jurídica para as outras confissões religiosas e respectivas associações, preenchendo-se assim uma lacuna legislativa até agora existente.
E o momento é efectivamente oportuno para as novas medidas propostas.
Embora a grande maioria dos portugueses residentes na metrópole professe a religião católica, mesmo que nem todos a vivam intensamente, sendo pequena a percentagem dos aderentes a outras confissões religiosas, outro