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15 DE JULHO DE 1971 2459

e consciencioso, como o exigia o melindre da matéria. Por tal modo que lhe não regatearam encómios e apoio mesmo os que mais de perto se poderiam sentir atingidos com a «concorrência», certos como estão da força de uma verdade que tem resistido pelos séculos afora e pelos demais resistirá em perene reafirmação da Igreja de Pedro. E não só por isso, mas até porque, o princípio da liberdade religiosa, entendido em termos genéricos, não se compadece com intolerâncias por parte de quem crê que todos somos filhos de Deus, o que entre nós nunca deixou de estar latente na consciência dos indivíduos, livres para o exercitarem e chegarem Àquele de acordo com as suas predilecções pessoais na escolha da doutrina que mais os sensibilize ou melhor apreendam. De facto. Sem querer ir muito longe na averiguação do estabelecimento do princípio que a chamada Lei da Separação de 1911 indiscutivelmente afectou e prejudicou pela primeira vez no nosso país, contraditoriamente, aliás, por se haver afirmado ao invés na submissão criada das confissões religiosas a um regime dificultador da sua acção, a verdade é que, entre nós, desde a Constituição de 1822, passando pela Carta Constitucional, ele se encontrava afirmado, afirmação a que se não furtou a Constituição de 1933 ao consigná-lo expressamente no seu artigo 8.º como um direito fundamental da pessoa humana, nos termos seguintes:

Constituem direitos, liberdades e garantias individuais dos cidadãos portugueses:
................................................................................
N.º 3 - A liberdade e a inviolabilidade de crenças e práticas religiosas, não podendo ninguém por causa delas ser perseguido, privado de um direito ou isento de qualquer obrigação ou dever cívico.
Ninguém será obrigado a responder acerca da religião que professa a não ser em inquérito estatístico ordenado por lei.

Como se vê, muito antes da proposta de lei em discussão já aquele direito estava reconhecido e assegurado na nossa lei fundamental, não só na disposição citada, mas em outras onde se consagra o ora debatido princípio da liberdade religiosa, como se infere do disposto no artigo 46.º, em que, depois de se afirmar mo antigo 45.º: «Ser livre o culto público ou particular da religião católica como religião da Nação Portuguesa», inequivocamente se garante que «o Estado assegura também a liberdade do culto e de organização das demais confissões religiosas cujos cultos são praticados dentro do território português, regulando a lei as suas manifestações exteriores, e pode reconhecer personalidade jurídica às associações constituídas em conformidade com a respectiva disciplina» (os sublinhados são meus).
Temos assim que o reconhecimento da liberdade de culto e de organização das demais confissões religiosas cujos cultos são praticados dentro do território português fluía com cristalina limpidez do texto da Constituição de 1933, resultando apenas, quanto ao seu exercício, a natural diferença derivada do facto de, por sermos um país essencialmente católico, se encontrar regulamentado o da sua religião, privilegiadamente considerada, e muito bem, como a da Nação Portuguesa. Aliás, tal consideração não sofreu alteração que não fosse de palavras no texto constitucional votado, em que, ma nova redacção do artigo 46.º, continua a distinguir-se a religião católica apostólica romana como religião tradicional da Nação Portuguesa; a reconhecer-se a personalidade jurídica da sua Igreja, o que, enquanto na Constituição de 1933 expressamente se declarava poder ser reconhecida às associações constituídas em conformidade com a respectiva disciplina, na de 1971 se omite, naturalmente por se entender que era desnecessária a consignação de tal poder, face à proposta de lei em discussão.
Do exposto necessariamente se poderá inferir que a proposta de lei sobre a liberdade religiosa, no essencial, não consente especulações que conduzam à errada suposição de que as demais confissões religiosas, salvaguardada a católica, não tivessem já assegurada a liberdade de culto e de organização, que podiam ter aproveitado, e nada impedia que aproveitassem, desde que, como constava e agora consta da nova Constituição, melhor, desta, «as suas doutrinas não contrariem os princípios fundamentais da ordem constitucional nem atentem contra a ondeou social e os bons costumes». E, melhor, desta porque, enquanto na Constituição de 1933 se falava em «actos de culto e difusão de doutrinas», nesta se vai ao ponto de mais precisamente se permitir ao Estado uma averiguação «de fundo» quanto às doutrinas das confissões religiosas a organizar, com vista à legítima defesa da ordem constitucional estabelecida. E que a liberdade religiosa, como quaisquer outras liberdades, derivem ou não de um direito fundamental reconhecido, está naturalmente sujeita às restrições que as exigências do bem comum impõem nas sociedades e à ordem jurídica, moral e política que as protege, e defende, isto é, a lei.
Feitas estas considerações calamo currente, parece não ser coerente nem aconselhável que se generalize uma opinião no sentido de que poderia ser possível uma liberdade religiosa indiscriminadamente exercida num meio social constitucionalmente reconhecido como católico e em que, não obstante o vivido regime de separação existente entre a sua Igreja e o Estado, este o é sem prejuízo da existência de concordatas ou acordos com a Santa Sé; na Constituição votada, tal como na que deixou de vigorar. Por isso é que o exercício do culto das confissões religiosas a organizar necessitará de um prévio reconhecimento de que não poderão beneficiar aquelas «cujas doutrinas ou actos de culto sejam incompatíveis com a vida e a integridade da pessoa humana, os bons costumes, os direitos e interesses da soberania portuguesa ou os princípios fundamentais da ordem social estabelecida».
E, assim, vistas as coisas imparcial e objectivamente, sem dificuldades se alcançará que, paradoxalmente (?), a liberdade religiosa jamais na nossa história foi tão falseada como nos ominosos tempos do pandemónio .dos governos democráticos pseudo-introdutores do princípio, através da citada Lei da Separação, que acabou por se não justificar nem vigorar dada a disciplina a que submetia o livre exercício das diversas confissões religiosas, especialmente o da católica, que o autor do Decreto de 20 de Abril de 1911 visava extinguir a curto prazo com a limitação de liberdade do culto e respectivas práticas.
Presentemente, o que substancialmente se pretende é regulamentar de jure a liberdade religiosa através de um reconhecimento das outras confissões existentes no País, para que, como consequência da sua organização, se estabeleça a liberdade do exercício dos respectivos cultos.
Quer dizer, uma coisa é o reconhecimento da existência de um direito, outra a regulamentação do seu exercício, tanto mais legítima e necessária quanto mais aquele se reconhece e reafirma.
Sr. Presidente: Volvendo-me propriamente ao texto da proposta de lei sobre a liberdade religiosa, de cuja comissão de estudo fiz parte por honrosa designação de V. Ex.ª, devo esclarecer o plenário desta Assembleia de que o trabalho desenvolvido nas reuniões havidas foi marcado por um notável e franco espírito de cooperação que muito