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3018 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 149

Pergunto novamente: quem defende o consumidor, que somos todos nós?

E volto o tema para perguntar: quem, e porquê, tem medo das cooperativas?

E numa perspectiva de desenvolvimento?

O aspecto mais saliente da moderna cooperação, assinala um especialista, é que ela surge cada vez mais e com maior evidência, como meio de superar e garantir a continuidade das pequenas e médias empresas perante a concorrência crescente que lhes é movida pelas grandes unidades nacionais e internacionais.

Aí está outra pista que se afigura do maior interesse no caso português.

O desejo de unidades fortes e competitivas terá de encontrar adequada contrapartida em políticas que não descurem o papel da pequena e média empresa.

ispensar-me-ão, certamente, de falar no cooperativismo agrícola. Outros, certamente,' o faraó melhor que eu e o tema foi já objecto de algumas importantes intervenções na actual legislatura.

Aliás, não tenho a pretensão de referir todas as modalidades do cooperativismo, desde as cooperativas de produção, às de crédito, de seguros da habitação, etc.

A verdade é que, logo em 1927, a Aliança Cooperativa Internacional, em congresso realizado em Estocolmo, proclamava a unidade fundamental do movimento cooperativo em todas as suas formas.

O que parece mais importante é adiantar desde já algumas das características essenciais das cooperativas, ou melhor, os seus princípios essenciais.

São eles os princípios da livre adesão, da administração democrática (um homem, um voto), do reembolso dos excedentes proporcional às transacções de cada membro, do juro limitado ao capital, da compra e venda a pronto pagamento, da neutralidade política e religiosa e da educação dos membros'.

Também penso que apenas um ponto justificará um pouco mais a atenção neste momento e lugar.

Valerá, com efeito, a pena atentar que a estrutura cooperativa é democrática e participada.

O cooperativismo procura que cada indivíduo tenha a possibilidade de intervir no esquema económico e social da produção e do consumo. Fará que esta abertura1 possa .influir eficazmente na promoção dos indivíduos e dos países - e daí a atenção e o carinho que, por exemplo, a O. I. T. dedica ao cooperativismo - á necessária a educação.

"Em particular", diz ume recomendação da O. I. T. votada por unanimidade em 1966, com a presença de Portugal, "deveriam criar-se e desenvolver-se cooperativas como um meio de melhorar a situação económica, social e cuidado das pessoas com recursos e possibilidades limitadas e de encorajar o seu espírito de iniciativa."

Ai está, sumariamente embora, apontado - como o fez a O. I. T. - o fomento do cooperativismo como factor importante de desenvolvimento económico, social e cultur.a-1, assim como de promoção humana.

Sr. Presidente: Apregoa-se como ideal o de a empresa privada se personalizar progressivamente. Procura-se caracterizá-la como "comunidade de interesses". Procura-se, ao menos na letra da Constituição, "conseguir o menor preço e o maior salário compatíveis com a justa remuneração dos outros factores de produção" e "impedir os lucros exagerados do capital".

Esquece-se que as cooperativas o conseguem.

Ou, como escreve Sérvulo Coima, "hoje, num Estado corporativo continua a desconhecer-se o valor associativo das cooperativas e o significado social da sua actividade económica, a qual não se limita a uma soma desagregada de actos caracterizáveis ou não como de comércio, mas representa uma forma de intervenção personalizada do ser humano numa produção e num consumo de massa e uma defesa, que através da associação se lhe oferece, contra forças desumanizantes e dissociativas de uma sã convivência social".

Eu diria hoje: estranha coisa esta de querer limitar-se toda a vida social à vida económica.

Quem esperaria ver tecnocrata o Sr. Ministro do Interior?

Pior: quem espanaria ver V. Ex.ª, involuntariamente, sem dúvida, a considerar a vida social inteiramente enraizada e enquadrada na infra-estrutura económica?

Por mim, confesso que melhor o admitiria citando Baudelaire: "A verdadeira civilização [. . .] não está no gás, nem no vapor [...], mas na diminuição dos traços do pecado original [...]".

Sr. Presidente: Creio ter deixado claro que, quer em pura tese, quer pelo momento especial da sociedade portuguesa que estamos vivendo, importaria traçar uma política de fomento do cooperativismo.

Deixei ainda dito que todo o cooperativismo não pode reduzir-se a uma actividade exclusivamente económica, pois não é possível sem pessoas educadas para a cooperação. Pelo contrário, vivemos num tempo em que o que se procura é que todas as empresas sejam participadas e não se limitem apenas ao económico.

Isto á: o Decreto-lei n.º 520/71 impede todo e qualquer cooperativismo e cria um regime de flagrante desigualdade em relação as sociedades comerciais, em relação às quais não existem os limitações que agora se pretendem impor às cooperativas.

Com efeito, parece claro que nada obsta a que um banco organize uma exposição de pintura, que uma sociedade snóniima tenha um grupo de teatro, etc.

Na verdade, o que se proíbe às cooperativas?

Que se proponham exercer actividade não económica. "Proponham exercer" como? Nos estatutos? Em declarações dos seus dirigentes? Por indícios?

Rigorosamente, vender batotas mais baratas não poderá significar intenção de contestar o supermercado da área, logo actividade não económica?

Não exageremos. Mas anotemos a imprecisão e ambiguidade de todo o testo.

Tentemos fazer o elenco de todas as actividades proibidas ... e prestigiemos a actividade política nacional, não a deixando enredor-se em leis como esta.

Não é, aliás, lícito esperar da Câmara outra posição. Tantas foram as declarações de apoio às cooperativas feitas nos seus programas pelos candidatos às eleições que em 1969 fomos, que não é possível votar a ratificação.

Sr. Presidente: Temos, todos, de decidir aquilo que queremos. Não nos será pedido simplesmente que nos levantemos ou sentemos, mas uma escolha.

1 Batistella, "Sulla natura del Motivo Associativo Nella Cooperazione", in Revista dotta Coopcrazione, Junho de 1958, p. 485.

1 Relatório sobre "A aplicação actual dos princípios rochadalinos da cooperação", aprovado pelo Congresso de Paris de 1037.

9 Texto da recomendação da O. I. T. citada.

1 Elementos de um regime jurídico de cooperação, in Estudos Sociais e Corporativos, ano v, n.º 17, p. 118.

2 E p caso, pelo menos, dos candidatos, actuais Deputados, por Beja, Castelo Bronco, Coimbra, Guarda,. Leiria, Lisboa, Viana do Costeio, Vila Real e Viseu.

Referem-se, em especial, ao cooperativismo agrícola.