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17 DE JANEIRO DE 1972 3019

Com a responsabilidade de escolher se queremos ou não acabar com o cooperativismo em Portugal.

Com o cooperativismo que quase todos dissemos apoiar. Disse.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. José da Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados:

1. Fui um dos subscritores do requerimento em que se pede a sujeição do Decreto-Lei n.º 520/71 à ratificação da Assembleia Nacional, porque queria vir Aqui dar um voto que não havia de ser nem de situação, nem de oposição, mas de renovação.

Custar-me-ia muito pensar que já teria passado a letra monta aquele belo apelo com que o Presidente do Conselho se apresentou ao País em Setembro de 1968: "Não quero ver os Portugueses divididos entre si como inimigos e gostaria que se fosse generalizando um espírito de convivência em que a recíproca tolerância dos ideias desfizesse ódios s malquerenças".

Eu, que sempre refiro os regimes políticos à concepção de homem e de sociedade que presidem ao seu estabelecimento, senti-me alvoroçado ião pressentir que íamos começar a ter dimensão política, a ser considerados como pessoas livres e responsáveis. Acreditei que as leis iam passar a pressupor que os destinatários eram homens de boa vontade e que a Europa Ocidental não tinha necessariamente de começar DOS Pirenéus. E, como eu, muitos outros pressentiram o mesmo.

Criou-se então uma novo clima político, clima que um ilustre membro do Governo chegou a classificar de "Primavera política". A figura do novo Presidente do Conselho surgia como uma grande esperança nacional. E a Noção, em grandiosas manifestações, com o entusiasmo quase religioso de que o nosso povo se anima, abriu-lhe o crédito pedido para arrostar com as ciclópicas tarefas que o esperavam.

Fui um dos muitos que então acreditaram que os direitos e liberdades fundamentais se iriam gradualmente restaurando para ajustar o regime à dimensão espiritual da Nação, às novos condições sócio-económicas e a indesmentível índole ordeira do bom povo português. Sob o calor dessa esperança aceitei a candidatura nas eleições de 1969. E no único discurso que fiz durante a campanha eleitoral - único porque, embora convidado para diversas sessões, havia sempre processos de elas se realizarem sem eu falar - logo prometi aos eleitores que daria todo o meu apoio à consagração e defesa jurídica dos direitos fundamentais.

E para cumprir essa promessa que agora intervenho, porque entendo, Sr. Presidente, que um Deputado que respeite os seus eleitores não pode deixar de portar-se como um soão de guarda" quando vê os espaços da legítima liberdade desnecessariamente invadidos.

2. O Decreto-lei n.º 520/71 começa por desvirtuar movimento cooperativista ao considerar só verdadeiras cooperativas os que prossigam fins exclusivamente económicas.

Numa época em que a vida económica se vincula tão estreitamente à promoção cultural dos indivíduos e à própria investigação científica, quem é que DOS vai dizer o que é um fim exclusivamente económico? Na variada gama de actividades que cabem dentro da fórmula da produção e consumo de bens e serviços, quais serão as que vão manifestações dos Srs. Governadores Civis e dos Srs. Notários a qualificação de "exclusivamente económicas"? Já se adivinha, por exemplo, que o serviço do ensino e outras actividades culturais vão ficar excluídas da categoria do "económico". E, assim, quando ainda hoje se pode constituir validamente uma sociedade económica, em nome colectivo ou por quotas, para explorar um estabelecimento de ensino, já se não poderá constituir uma cooperativa para o mesmo fim.

Com a norma do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 520/71, o que se (prebende fundamentalmente é liquidar a {possibilidade de os (cooperativas exercerem actividades culturais. E, no entanto, sempre se .considerou da essência do movimento cooperativista a efectivação de iniciativas de promoção cultural idos seus associados.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Fins desta natureza encontram-se inscritos nos estatutos de muitas das nossas cooperativas e são igualmente sublinhados na Recomendação sobre o Papel das Cooperativas no Desenvolvimento Económico e Social, elaborada pela Organização Internacional do trabalho em 1066 e aprovada pelos representantes do Governo Português.

Bem sei que há-de vir aqui quem afirme e reafirme que o Governo não (quer liquidar nem travar o movimento cooperativista; que as "verdadeiras" cooperativas nada têm a temer, que o decreto só pretende atingir as que se constituíram com um objectivo de fraude è lei; que, afinal, o que se prebende é apenas separar o joio do trigo. Tudo isso irá ser reafirmado aqui pana tranquilizar os muitos milhares de associados. Mas o texto é um instrumento que fica a dirigir uma constante ameaça de morte.

Bastaria, Ide resto, enquadrar esta iniciativa nos seus antecedentes para lhe apreender a intenção e alcance. O Decreto-Lei n.º 520/71 vem renovar, agoira em bases seguras, porque legislativas, a tentativa feita em 1968 através do parecer da Procuradoria - Geral da República de 27 de (Maio de 1968, à sombra do qual a P. I. D. E. chegou a notificar muitas cooperativas a sul do Tejo para em trinta dias submeterem os seus estatutos à aprovação da autoridade administrativa, sob pena de serem consideradas associações secretas.

A tentativa falhou então, porque o 'Supremo Tribunal Administrativo veio a decidir que os sociedades constituídas ao abrigo da lei comercial não podem ser dissolvidas por otíto da Administração.

A publicação do decreto-lei agora em discussão constitui a segunda tentativa de liquidação idos cooperativas que se proponham exercer, como devem exercer para serem verdadeiras cooperativas, actividades não exclusivamente económicas. Se esta Câmara se lhe não opuser, veremos dentro de pouco tempo os anómalas e injustas disposições deste decreto-lei aplicadas aos outros tipos de sociedades. O pretexto será sempre o mesmo: evitar o que o Governo possa considerar fraude às leis que regulam o chamado direito de associação.

8. Todos sabemos que este direito, embora formalmente reconhecido na Constituição, encontra o seu exercício regulado, como regra, em termos que conduzem na prática à sua- supressão, na medida em que as associações estão sujeitas ao reconhecimento por concessão, a tutela administrativa e a outras limitações que os cidadãos conscientes da sua dignidade não podem aceitar. Trata-se, sem dúvida, de uma das tais liberdades que "se desejaria ver restauradas", na expressão que o Chefe do Governo usou na mensagem de 26 de Setembro de 1968.

Mas, em vez dessa restauração, a que estamos nós assistindo nos últimos tempos? Basta recordar um pouco. Um sector havia - o das associações religiosas da igreja católica que, a sombra da Concordata, já desfrutava de uma liberdade quase normal. Enquanto a Igreja pôde servir de instrumento de consolidação do Begime, não sur-