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DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 176
minologia latina, e self-government na anglo-saxónica. A qualquer das formas se tem chamado, aliás, descentralização administrativa, resultando, então, do respectivo contexto o sentido mais preciso da expressão.
Reconduzido ao seu conteúdo essencial, o termo «descentralização» evoca a ideia de uma colectividade territorial que, apesar de englobada numa outra mais vasta, se administra a si própria, gere os seus próprios negócios — ideia que certos vocábulos estrangeiros exprimem melhor ainda (self-government, Selbstverwaltung, de que o correspondente francês seria auto-administration).
Fazer de uma província, de um concelho, colectividades descentralizadas é organizá-los de forma que eles se administrem por
Tanto Tarantini como Badia assinalam, efectivamente, que a essência da autonomia reside no poder que tem um ente público de criar um direito próprio. Mais se a autonomia implica sempre competência legislativa, ambos os escritores assinalam que o exercício dessa faculdade fica sujeito a controle e que a autonomia não pressupõe soberania, mas, pelo contrario, integração no Estado.
A descentralização diferencia-se, por sua vez, da desconcentração territorial por esta se situar no quadro da própria centralização. Esta consiste, com efeito, no aumento dos poderes ou atribuições dos representantes locais do Poder Central, a fim de descongestionar este último. Aumentar, por exemplo, os poderes dos governadores, que são representantes do Governo, será fazer desconcentração.
E, assim, que o Presidente do Conselho de Ministros, Prof. Marcelo Caetano, pôde dizer no seu discurso de 18 de Abril de 1969, proferido em Lourenço Marques: «Acrescenta a Constituição que a autonomia das províncias será a compatível com o seu estado de desenvolvimento e os recursos próprios — o que implica a sua expansão segundo vá exigindo o crescimento económico dos territórios.»
E, desenvolvendo o seu pensamento:
Há quem tema que a autonomia administrativa e financeira dos territórios ultramarinos prejudique, ou ofenda mesmo, o ideal da integração nacional.
Por mim sempre pensei que uma integração bem entendida de todas as parcelas do todo português exige que cada uma delas se insira de acordo com as suas próprias feições geográficas, económicas e sociais. Não seria sã uma unidade que fosse conseguida, não por acordo de vontade obtido na harmonia dos interesses, mas pelo espartilhamento forçado segundo figurinos abstractamente traçados. . A unidade nacional não prescinde das variedades regionais.
Se a participação dos povos no governo local è já, e deve ser cada vez mais, larga e importante, não pensemos, porém, que ela possa conduzir a uma autonomia desagregadora. No mundo de hoje, mais do que nunca, só a união faz a força. Os territórios em via de desenvolvimento carecem de apoios financeiros e técnicos prestados com espírito de colaboração fraterno e não dispensados com intuitos calculistas ou com propósitos de mera exploração. A coesão das parcelas no todo português é o segredo de que dependerá o progresso equilibrado, em que não sejam preteridos os valares humanos pelas realizações materiais.
3. Foi precisamente o extraordinário e acelerado desenvolvimento e progresso das províncias ultramarinas, em que é de destacar o grau de adiantamento das populações, a difusão da instrução e a existência de numerosas elites locais, que conduziu a que se extraíssem as conclusões impostas pelos princípios.
Já em 1962, aliás, o Ministro do Ultramar chegou ao ponto de chamar a atenção para a desactualização do título VII da Constituição Política, afirmando que «as delegações de poderes em vigor e as transferências de organismos para o ultramar, tudo na linha tradicional da autonomia das províncias, parecem tornar evidente a necessidade de racionalizar a Administração em termos de corresponder às exigências de momento» e que «a autonomia e competências provinciais são irreversíveis e, ainda que se trate de uma racionalização, não deixará certamente de atingir o complexo das competências hoje atribuídas aos órgãos do Governo»5.
Dentro desta ordem de ideias, a revisão constitucional de 1971 veio, como se diz no parecer desta Câmara sobre a respectiva proposta de lei (parecer n.° 22/X), inscrever na Constituição normas que dão «expressão de maior autenticidade à participação das gentes e dos interesses sociais ultramarinos na definição do direito relativo àquelas matérias que não são reserva do Estado».
4. Mas, ao fazê-lo — frisa-se no mesmo parecer —, previu-se «todo um sistema de frenagem de tendências centrífugas de forma a preservar, por instrumentas de centralização e de 'reserva do Estado', a unidade nacional e a solidariedade entre todas as parcelas da Nação Portuguesa» .
Como o Presidente do Conselho asseverava perante a Assembleia Nacional, em 2 de Dezembro de 1970: «A soberania do Estado, una e indivisível, nem por isso deixará de afirmar-se em todo o território da Nação, através da supremacia da Constituição e das leis provenientes dos órgãos centrais (onde a® províncias aumentarão a sua representação) e da nomeação dote governadores delegados do Governo Central, cujos direitos de inspecção e superintendência se mantêm íntegros.»
5. Mas, a par destas duas grandes linhas de orientação, uma outra se afirma na revisão constitucional — a da unificação do direito constitucional do Estado Português, ideia que tivera já certa expressão, ainda que imperfeita e inacabada, em 1951.
Essa orientação foi saudada no parecer da Câmara Corporativa significativamente como representando louvável intenção do Governo de sublinhar, por mais esta forma, a unidade política da Nação.
Observa-se nesse parecer que a referida unificação «terá agora lugar no plano substancial das declarações de princípios, e não apenas num plano formal ou sistemático».
3 André Laubadère, Traité élémentaire de droit administratif, 3.ª ed., vol. I, pp. 85 e segs.
4 Referido parecer da Câmara Corporativa, citando G. Tarantini, Alcune considerazioni sul Concetto di Stato regionale, e Badia, El Estado regional como realidad jurídica independiente.
5 Comunicação feita pelo Ministro do Ultramar ao Conselho Ultramarino em 22 de Setembro de 1962.