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5 DE ABRIL DE 1972
Com inegável realismo, verifica-se não ser, infelizmente, viável dar completo seguimento a esta directriz, «[. . .] mas que 'a integração constitucional, traduzida ou explicitada em todas e cada uma das normas de texto da lei fundamental, significa de per si e visa significar, realmente, a unidade nacional, a todas as luzes. Na medida em que nos aproximamos deste ideal, servimos € proclamamos a unidade política da Nação. O limite neste direcção será constituído apenas pelas realidades insuprimíveis. Os textos constitucionais assimilacionistas ignoraram no passado este limite e quiseram forçar estas realidades'».
6. A simples enunciação das grandes linhas da evolução e da historia da administração ultramarina melhor demarcará o sentido e o valor das directrizes apontadas.
Poi perante as realidades decorrentes da expansão ultramarina que, de forma pragmática —os esquemas teóricos surgiriam com o liberalismo —, se foi ocorrendo às necessidades, sob a influência, embora, dos conceitos então dominantes.
Em relação à administração central, cedo os interesses ultramarinos justificaram a. criação de organismos especializados, e é assim que surge a Casa da Guiné, depois Casa da Guiné e Mina e Casa da Mina e Trautos da Guiné e posteriormente a Casa da Índia, ligada à primeira, pois que a superintendência de ambas pertencia ao mesmo funcionário, e em 1630 a Casa da Índia, Mina e Guiné.
Só em 1530, porém, foi criado o Secretário da Índia que em 1571 geria os «negócios e cousas da Repartição da Índia, Mina, Guiné, Brasil e Ilhas», significativamente designada em 1584 como «repartição da Índia, Brasil, Mina e Guiné».
Após a dominação filipina com o efémero «Conselho da Índia», D. João IV cria em 1643 o Conselho Ultramarino, que é extinto em 1833, quando o liberalismo vitorioso impôs a sua visão assimiladora integral.
No entanto, o Conselho Ultramarino, como antigo órgão do Governo, de cujas consultas eram os Secretários de Estado simples intermediários junto do soberano, transformam-se, no período pombalino, em mero colaborador subalterno da orientação governativa.
Em 1736 seria criada a «Secretaria de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos» 6.
Verifica-se, assim, que, oeste período, cedo surgiu a necessidade ide um órgão metropolitano especializado pari se ocupar dos assuntos ultramarinos e que, se num primeiro período não havia diferenciação quanto aos ministros, num outro passou a haver um secretário de Estado com competência especial para o ultramar.
Como, porém, era sempre o soberano quem despachava todos os assuntos, daí resultava equilibrada integração governamental e a harmonização de interesses e soluções.
Cada território tinha organização própria, adaptada às suas condições, mas em relação a todos eles verificava-se larguíssima desconcentração de poderes com contrapartida na força da soberania real que, aliás, além de fixar orientações, exercia efectiva fiscalização.
7. O liberalismo, ma sua visão assimiladora, veio a impor, pela primeira vez, as suas preocupações uniformizadoras com a Lei de 8 de Novembro de 1821, com a qual se estabeleceu que a Secretaria de Estado da Marinha não se ocupasse dos negócios ultramarinos, que passariam a ser tratados pelas «mesmas repartições por onde se expedem os negócios de Portugal e Algarves».
A Led de 3 de Novembro de 1823, reconhecendo os graves inconvenientes de tal solução, revogou a Lei de 1821; porém, a partir de 1832, regressou-se à política assimilacionista.
O sistema administrativo francês, que fora introduzido em Portugal, é aplicado ao ultramar, substituindo-se os governadores por prefeitos — Decreto n.° 23 de 16 de Maio de 1832—, extinguindo-se o Conselho Ultramarino — Decreto de 30 de Agosto de 1833— e distribuindo-se os negócios ultramarinos pelos diversos ministérios — Decreto de 28 de Julho de 1834.
E em conformidade com tal política assimilacionista que passam a considerar-se os territórios ultramarinos como simples províncias do reino — províncias ultramarinas.
Por duas leis de 25 de Abril de 1835 restauram-se os cargos de governador, cria-se uma Secretaria de Estado do Ultramar (depois anexada à da Marinha pelo Decreto de 7 de Dezembro de 1836), e publica-se a primeira Carta Orgânica da Administração Ultramarina.
No entanto, o Código Administrativo de 1842, elaborado para a metrópole, foi logo mandado aplicar ao ultramar, sem adaptações.
Em 1851 é restaurado o Conselho Ultramarino, transformado em 1859 numa Junta Consultiva do Ultramar. Dentro da orientação assimiladora, foi aprovada pelo Decreto de 1 de Dezembro de 1869 — era Ministro Rebelo da Silva — uma nova carta orgânica 7.
8. A partir de 1890, com António Enes, que fez escola, e Mouzinho de Albuquerque, o grande princípio que informa a administração ultramarina passa a ser o da descentralização administrativa e da especialidade das leis.
António Enes, no seu relatório de 7 de Setembro de 1893, apresentado ao Governo, depois de dizer que «em Moçambique é que se há-de governar Moçambique» e de afirmar que «os governadores-gerais mal podem mover-se dentro da lei, mas permitem-se-lhe, com absoluta irresponsabilidade, todos os saltos e correrias fora da legalidade», conclui que «o exagero da centralização legal corrige-se por um outro exagero, o da descentralização de confiança».
«Em princípio», continua António Enes, «é o Terreiro do Paço quem governa todo o mundo português, mas como o Terreiro do Paço não pode nem com o mero expediente de tanta glória, abdica arbitràriamente no arbítrio das autoridades provinciais. Esta abdicação é inevitável, e, não podendo a legislação evitá-la, tem de regularizá-la.»
E finaliza: «Desejo, em suma, que a província possa ser governada, administrada na província, segundo normas inflexíveis e estabelecidas e fiscalizadas pela metrópole.»
-Por outro lado, adentro da província, entende não haver inconveniente na unidade provincial, desde que os distritos tenham mais autonomia, mais faculdades e recursos de vida própria.
9. Com a República é precisamente essa orientação descentralizadora e de especialidade das leis que se consagra no artigo 67.° da Constituição de 1911, onde se estabelece que: «Na administração das províncias ultramarinas
6 Cf. sobre a matéria deste número, Marcelo Caetano, O Conselho Ultramarino, Lisboa, 1967, e Direito Público Colonial Português, segundo as lições coligidas por Mário Neves.
7 Cf. Marcelo Caetano, obras citadas e o relatório da proposta de lei de revisão da Lei n.° 2066, de 27 de Julho de 1963 (Lei Orgânica do Ultramar), III Nova Legislação Ultramarina, vol. XI, pp. 23 e segs.