O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

4 I SÉRIE - NÚMERO 1

sessão os representantes das autoridades do distrito de Aveiro, que, aliás, tiveram a amabilidade de distribuir por todos os senhores deputados uma edição, da Câmara Municipal de Aveiro, dos discursos parlamentares de José Estêvão, que agradeço em nome de todos os deputados.

Aplausos gerais.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Tengarrinha.

O Sr. José Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afigura-se-me a personalidade de José Estêvão uma das que mais expressivamente assinalam as virtudes e as debilidades, a pujança e as contradições do pensamento político, liberal em Portugal.
Longe dele estão todos aqueles, muitos, que buscavam a satisfação de vaidades e ambições pessoais em sinuosas condutas oportunistas e que tiveram o seu maior paradigma em Rodrigo da Fonseca Magalhães, o mesmo que, cinicamente, costumava dizer «ai dos políticos que na sua juventude não passaram por extremismos republicanos»; mas também não se identifica inteiramente com os poucos, muito poucos, que fizeram um percurso rectilíneo da primeira para a segunda metade do século XIX, como o seu companheiro Oliveira Marreca, já republicano em 1848 e ainda republicano em 1876.
Embora sem um corpo doutrinário firmemente estruturado, o seu pensamento político contém algumas singularidades que constituem importantes posicionamentos críticos e avanços ideológicos relativamente ao pensamento liberal comum no seu tempo.
Ele representou o extremo limite a que, nas condições do seu tempo, podia chegar essa pequena burguesia radical que teve relevante papel nas lutas liberais do segundo quartel de oitocentos e que, em aliança com as massas populares, desencadeou a democrática revolução de Setembro de 1836 e sustentou as forças patuleias na guerra civil de 1846-1847. Reconhecia lucidamente o papel histórico do povo no processo de transformação das sociedades, mas ao mesmo tempo receava-o, como força que poderia subjugá-lo; reconhecia que os chefes liberais eram pesos inertes, eram «cadáveres» - como lhes chamou em carta do exílio de Cádis, mas ao mesmo tempo continuava atado a eles, embrulhado na mesma mortalha e, na Regeneração de 1851, vendo-os agitarem-se, abraçou-os, crendo que haviam ressuscitado, e tão cegamente caiu no logro que nem notou a palidez, frialdade e rigidez dos corpos que já nada poderia restituir à vida.
Mas é acima de tudo na acção, na intervenção constante e directa nos acontecimentos, que melhor poderemos encontrar o fio condutor da sua personalidade. É uma vida intensamente vivida, como uma chama que em cada momento se extinguisse e em cada momento de novo renascesse. Encarna em toda a dimensão o ideal do herói romântico lutador da liberdade - como o desses lendários condotiieri que vão em defesa da sua nova dama: membro do Batalhão de Voluntários Académicos em 1826 e 1828, ardoroso lutador nas ilhas dos Açores, coberto de glória na defesa do Porto cercado pelas forças miguelistas, revolucionário no levantamento contra a ditadura cabralista em 1842, chefe de guerrilhas populares na guerra civil de 1846-1847, membro do triunvirato republicano na conspiração de 1848...
É precisamente essa acção em que permanentemente se empenha que dá o conteúdo do pujante e rico da sua inconfundível arte oratória. Quebra com as regras do discurso clássico, porque é o único cuja palavra tem suficiente força e a imaginação poder bastante para impor novas regras. Foi, na oratória, a grande figura do nosso Romantismo, ao lado de Passos Manuel na política, de Herculano e Garrett na literatura. E é a sua oratória que melhor consubstancia essa estreita aliança entre revolução política e revolução literária, que é o cerne do nosso primeiro Romantismo. É ele que eleva a oratória à forma literária que melhor traduz esse ideal romântico de vibração colectiva em que o homem se liga estreitamente aos outros homens numa comunhão íntima, quase carnal, essa arrebatada efusão do sentimento na palavra e da palavra na acção - a palavra a impelir ao acto, a própria palavra que se faz acto, como Saint-Preux sonhara na Nouvelle Heloise, de Rousseau.
E esse percurso ardentemente vivido tem ainda a valorizá-lo o mais importante mérito que pode caber a qualquer homem público: o da coerência. Uma coerência medular que, para além das contradições do seu pensamento, se encontra cerrada em torno dos grandes princípios que, de 1826 a 1862, sempre defendeu no pensamento e na acção.
Ele próprio o reconhece, neste mesmo Parlamento, em palavras já cansadas, não muito longe da morte:

Folheio os fastos parlamentares... e nunca me dou a estas buscas que não traga de lá a mais íntima, a maior satisfação que pode trazer um homem probo e um homem de consciência: acho a minha coerência, toco-a, encontro-a, sai--me a cada página de cada livro; e eu, tendo uma fraca memória de todos os meus actos, respondo pela lógica deles, porque confio no meu carácter e na minha consciência.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr." Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De José Estêvão ninguém dirá que tenha guardado silêncio quando devesse erguer a voz para defender a liberdade, a justiça, a dignidade, a crença no povo e no homem despojados das cadeias da ignorância e da sujeição.
De tudo o que foi (homem de armas, jornalista, orador forense, professor) compreende-se que evoquemos hoje sobretudo o deputado, o tribuno célebre e um dos mais brilhantes dos oradores parlamentares portugueses.
José Estêvão, homem de Aveiro, simboliza antes de mais a coerência de uma vida assinalada pela luta com a palavra, mas a palavra como expressão do desejo de agir sobre as coisas, as pessoas, para transformar o Mundo. Por isso foi adversário da retórica balofa e vazia, e fez nesta Casa históricos discursos em que só os mais cegos adversários não reconhiam a riqueza de pensamentos e ideias.