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16 DE OUTUBRO DE 1984 5

José Estêvão foi persistente e incansável no combate às demasias e abusos dos poderes caducos, no respeito e na defesa vibrante dos seus princípios.
Não é possível evocá-lo sem lembrar que ele teve exemplarmente a coragem de ser oposição numa Assembleia hostil e submissa aos ditames do governo de então, soube condenar o personalismo em política, a politiquice, a corrupção, o carreirismo e personificar o brio patriótico e indignação perante as afrontas à independência e dignidade nacionais. José Estêvão é sobretudo um político cuja acção nos transmite o amor ao seu povo e ao seu Pais.
Pertinaz face aos fracassos, exílios e perseguições, ardente e generoso na defesa de causas nobres, José Estêvão soube ser inovador: bateu-se pela consagração do «direito de livre associação e de manifestação pública dos descontentes do Governo», denunciou o tráfico de escravos como «um escândalo à face do Mundo civilizado», defendeu a independência nacional sempre que ameaçada pêlos compromissos do poder de então com a política dos impérios da época, erigiu em divisa das suas ideias económicas as palavras «moralizar, desacumular, repartir, produzir».
Da sua luta se pode dizer que foi travada com brilho em todas as frentes: na tribuna parlamentar, acutilante na palavra, no improviso, na réplica; de armas na mão, afastado da Assembleia, durante a ditadura de Cabral; nos jornais que fundou e dirigiu, com destaque para a Revolução de Setembro e o Distrito de Aveiro. José Estêvão nunca esqueceu os seus deveres para com o povo de Aveiro que o elegeu e como deputada deste distrito é-me particularmente grato recordá-lo e homenageá-lo hoje. A ele se deve designadamente o primeiro projecto de construção do caminho de ferro para o Norte, com passagem por Aveiro, e o requerimento para a construção do liceu com biblioteca pública.
É sem dúvida importante que tudo isto seja hoje recordado na Assembleia da República. E é particularmente útil que nos lembremos todos daqueles tempos em que - através de incontáveis fraudes e violências - uma ditadura manejava o poder legislativo, obtendo votações mecânicas favoráveis ao governo de Cabral, do qual dependiam economicamente mais de metade dos deputados. Foi nessa altura que José Estêvão escreveu algumas das mais brilhantes e lúcidas páginas de protesto e critica política de história parlamentar portuguesa.
Significativamente, hoje, 10 anos depois do 25 de Abril, é José Estêvão que a Assembleia da República homenageia.
Ele foi um dos que ajudaram a Liberdade a entrar na história de Portugal. Do melhor do seu legado serão dignos os que hoje a souberem defender. Esses o continuarão!
Eis o significado mais profundo- da homenagem hoje prestada pela Assembleia da República.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: -- Tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marcai.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enquanto o corcel do imperador Napoleão corria por cima dos ceptros dos reis da
Europa e a sua espada implacável ceifava as repúblicas que anos antes tinha plantado, nascia em Aveiro, a 24 de Dezembro de 1809, José Estêvão Coelho de Magalhães, o homem que viria a ser, nos (eus 25 anos de actividade pública, o político mais célebre dos oradores parlamentares portugueses de todos os tempos.
Escrevia Freitas de Oliveira: «o aveirense, geralmente, tem o sentimento da igualdade dos homens profundamente arreigado no coração; e por isso um pescador de Aveiro quando fala com o mais elevado funcionário do seu país trata-o com respeito, mas de igual a igual.
A terra em que nasceu, a época em que viveu, o sentimento de família que professou sempre como uma religião, forjaram neste homem a cultura, o entusiasmo, a bondade, a coerência, a magnanimidade, o pundonor, o civismo, a gentileza, a simpatia, a honestidade, a sinceridade, a lealdade, a bravura, a fluência, a sedução e a candura idealista, que conduziram sempre a sua acção à pureza das suas generosas aspirações políticas.
Não foi pacífica a vida de José Estêvão desde os 12 anos em que se iniciou na arte de ler e escrever até aos seus 53 anos, idade em que aquele corpo hercúleo de lutador caiu para sempre no leito da morte.
Ainda menino e moço apaixonou-se pela carreira eclesiástica, para onde o chamava, a par do encanto enlevador do sonho cristão, o génio da eloquência, que já o dominava, e que na tribuna sagrada via o campo então mais adequado à acção das suas balbuciantes faculdades oratórias.
O pai, Dr. Luiz Cipriano, dissuadiu-o e assim matricula-se em 1828, unicamente com 16 anos, na Universidade de Coimbra. Interrompeu o curso no 2.° ano para, com outros estudantes de ideias liberais, formar o Batalhão Académico de Voluntários, que no Porto deu luta aos absolutistas de D. Miguel.
Vencidos na luta, mas não no ideal, teve de emigrar a primeira vez para Inglaterra, donde a 14 de Fevereiro de 1829, embarcou com outros companheiros para os Açores a fim de organizar a expedição, que viria, sob o comando de D. Pedro IV, a desembarcar no Mindelo a 8 de Julho de 1832 e a fazer o cerco do Porto, onde foi agraciado com a Torre e Espada e promovido a segundo-tenente do Estado-Maior de Artilharia.
Tão saliente foi a acção do Batalhão Académico na serra do Pilar que o imperador decidiu atribuir uma condecoração, a tirar à sorte entre os combatentes. De tal modo se distinguiu José Estêvão nesta luta, e se impôs, que os seus cento e poucos colegas, sem emulações, sem invejas, sem despeitos, numa resolução unânime e em sublime movimento de camaradagem, colocaram no peito do intrépido aveirense a insígnia de que, aos olhos do comando em chefe, todos haviam sido julgados merecedores!
Ainda não pacificado o País e não aceites pêlos fiéis e servidores da coroa os ideais que professava - o liberalismo -, colocou-se ao lado dos que em 25 de Maio de 1833, nas fortificações entre o Lordelo e a Foz do Porto, fizeram recuar na «flexa da morte», uma companhia miguelista.
Este acto de bravura e o seu exemplo fez com que um decreto imperial o promovesse de cavaleiro,