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16 DE OUTUBRO DE 1984 9

seguir o caminho do exilio para a Galiza, de onde embarca no Ferrol com destino à Inglaterra, chegando a 24 de Agosto de 1828 a Plymouth, onde, por generosidade hospitaleira de um seu conterrâneo, pôde escapar aos sofrimentos do célebre «Barracão». Ai teve como companheiro um outro grande combatente da sua terra, Mendes Leite, o homem que, pela primeira vez, ergueu nesta Casa a voz em favor da abolição da pena de morte para crimes políticos.
Só em 1832 volta a Portugal, após uma breve passagem pela Terceira e, logo nesse ano, e por proposta de Baldy, deixa o Batalhão Académico e é - pêlos seus feitos - incorporado na arma de artilharia, com o posto de segundo-tenente.
A partir dai, a sua acção como combatente nas lutas pelas liberdades não abre uma lacuna.
Essa é notabilíssima na defesa da serra do Pilar e na celebérrima «Flecha dos Mortos», onde, já sozinho, a defender a peça que lhe estava confiada, e quando se viu forçado a abandoná-la, ainda teve ganas para, num gesto irreverente, chamuscar com o morrão que ainda empunhava as barbas do comandante da força assaltante.
Duas vezes é condecorado com a Torre e Espada: a primeira, quando o imperador a atribuiu ao Batalhão Académico para ser sorteada entre todos os 100 elementos que o constituíam e que, por decisão unânime dos seus companheiros, lhe é atribuída sem sorteio; a segunda, é-lhe conferida a titulo pessoal, sendo promovido de cavaleiro a oficial da ordem para que «a intenção com que, foi conferido aquele honroso distintivo não deixe de produzir os seus bem merecidos efeitos», como textualmente se exprime no decreto.
Mas é em 1837 que José Estêvão faz a sua estreia na Câmara dos Deputados, logo produzindo uma generalizada sensação de espanto.
Bulhão Pato, no seu livro de memórias Sobre os Ciprestes refere o facto nos seguintes termos:

Foi nas lutas grandiosas da Constituinte que José Estêvão soltou pela primeira vez a voz na Câmara dos Deputados.
Os pródromos daquela extraordinária eloquência eram, apenas, conhecidos dos seus companheiros de armas e de desterro: depois das batalhas as conversações cintilantes do bivaque; entre os condiscípulos nas palestras académicas e nas lições proferidas nas aulas de Direito.

E acrescenta:

Foi de espanto o primeiro sentimento da Câmara em presença da figura, do gesto, da voz, da inspiração e da palavra do moço tribuno.

José Estêvão, aos 27 anos, caiu de improviso no meio de grandes homens - para dominá-los e vencê-los, muitas vezes - para arrebatá-los sempre.

Rebelo da Silva, diz-nos:

Os efeitos dos seus discursos não o reproduz, depois, nem a memória dos que o escutaram nem as páginas do livro oficial.

Pinheiro Chagas, por sua vez, pronuncia-se desta forma:

Leiam-se o pálido reflexo que nas notas taquigráficas ficou dos maravilhosos improvisos deste poeta da Tribuna, leia-se o extracto amortecido, incompleto, truncado, dessas admiráveis orações que nós todos ouvíamos num enlevo que, nunca mais, orador algum soube inspirar na tribuna portuguesa e avalie-se, por ai, um dos primeiros tribunos, não só de Portugal, mas dos tempos modernos.

Nem por sombras se pretende, com esta extensão transcritiva, exibir erudição ou pendor historicista mas, apenas e tâo-somente, almofadar os textos que chegaram até nós, catados nas folhas amarelecidas do Diário das Câmaras, com o testemunho dos que ouviram o orador, dos que lhe seguiram, interessados, a eloquência torrencial e trouxeram para a posteridade o poder expressivo e as riquezas de argumentação do grande tribuno.
Quem hoje ler os seus discursos, que em colectânea foram editados, não poderá sentir, na leitura, o poder aliciante, a firmeza de convicções, a fidelidade invulnerável às ideias, se não aferir a leitura com os testemunhos idóneos dos que lhe ouviram a palavra e souberam valorizar-lhe o conteúdo.
Com efeito, José Estêvão, pródigo como um «Senhor de Pendão e Caldeira», confiou toda a sua oratória ao improviso fluente, levando a sua prodigalidade a nem sequer rever as provas que os taquígrafos recolhiam e que a fluência do orador obrigava a lacunas nem sempre preenchidas com acerto.
Em várias legislaturas a sua voz se ergueu na Câmara, muitas vezes em lutas aguerridas com Garrett como, por exemplo, nos discursos do «Porto Pireu» e da «Suspensão de Garantias» e várias vezes os seus passos tiveram de se encaminhar para o exilio, á última das quais a seguir à chamada «Revolução das Hidras», como lhe chamou Saldanha.
Foi após este último exilio que a sanha rábica da política leva a sua peçonha ao ponto de o destituir de capitão de artilharia e de o demitir de lente da Academia Politécnica.
E é então que, em 18 de Outubro de 1840, se ergue na Câmara de Deputados a voz de Passos Manuel, para assim se exprimir:

Se eu não tomasse a peito a defesa de um homem tão ilustre talvez se entendesse que conservava algum ressentimento contra o eloquente orador da oposição de 1837. A Câmara sabe quanto aprecio as suas virtudes e os seus talentos. Não venho defender os mesquinhos interesses de uma patente ganha em cem combates a preço de sangue, nem os de uma cadeira de professor obtida em certame Académico; venho defender os grandes interesses da sua reputação e da sua glória; inspira-me a amizade que lhe consagro, o esplendor desta tribuna que ele enobrecia e a felicidade da Nação por que ele sempre pugnou.
Desejo abrir-lhe as portas da Pátria. A Terra do exílio recebeu um grande orador, a Pátria acolherá, no seu regresso, um grande homem de Estado.