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1594 I SÉRIE - NÚMERO 46

O Sr. Presidente: - Concedo a palavra ao Sr. Deputado Vargas Bulcão, para intervir.
Entretanto, solicito ao Sr. Vice-Presidente. José Vitoriano que me substitua na presidência da Mesa.
Nesse momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Vargas Bulcão (PSD): - Srs. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Há apenas alguns dias um ilustre deputado, â propósito do programa de celebrações do 10.º Aniversário dá Constituição, se louvava de algumas das suas realizações, mais importantes, nomeadamente, a consagração da autonomia dos Açores e da Madeira.
Também nós nos, congratulamos por, termos visto concretizada uma aspiração, velha de muitos anos, e, achamos mesmo que tal facto deverá constituir justo motivo de orgulho de um povo que soube reconhecer as aspirações autonômicas das populações insulares, fundamentadas nas suas características geográficas, económicas, sociais e culturais.
Numa perspectiva de reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os( portugueses, destes 10 anos de autonomia, não teremos dificuldade em concluir que eles contribuíram também decisivamente para o reforço da unidade entre os açorianos, para uma mais aprofundada tomada de consciência de uma cultura de que nos orgulhamos e para a recuperação do atraso económico ë social a que nos encontrávamos votados pelo poder central. Ainda, hoje, o rendimento per capita atinge apenas cerca de 69 % do valor apurado a nível nacional. Mas, se muito foi feito, muito se encontra por fazer.
Pedra negra, areia negra e um mar esverdeado, que de Inverno assalta, vagalhão atrás de vagalhão, este grande rochedo a pique, com fragas caídas lá no fundo e que as águas corroem num ruído incessante de tragédia. Céu muito baixo, nuvens esbranquiçadas. Braveza, solidão ê negrume. Olho para - isto tão pequeno e tão pobre, para os campos retalhados de muros escuros, para as meirinhas redondas com lajedo de lava e um pau ao meio, a que se junge o boi que debulha o trigo para os seres e ás coisas do mesmo tom apagado e uniforme; olho para a ilha descarnada pelo vento, tão forte de inverno que o sino tange sozinho e sinto-me como nunca me senti isolado do mundo. Que vim eu aqui fazer? Foi esta pedra isolado no mar com alguns seres agarrados às leiras que me levou à viagem? Foi este resto de vulcão, sem paisagem nem beleza, que me trouxe? Mas aqui não há nada que ver! Almas tão descarnadas como o penedo e uma vida impossível noutro mundo que não seja este mundo arredado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era nestes termos que, em 1924, Raul Brandão em As Ilhas Desconhecidas se referia à ilha do Corvo, a miais pequena e a mais isolada do arquipélago.. E hoje, decorridos que vão mais de 60 anos, será que tudo é muito diferente?' Não é, senhores deputados. A angústia que Raul Brandão sentiu é a mesma que eu senti quando, não há meia dúzia de anos, desembarquei no Corvo pela primeira vez. Não estava, então, ainda concluída a pequena pista de aviação que hoje torna um pouco mais fácil o contacto dos Corvinos com o exterior, atenuando, o isolamento desta gente, teimosamente: agarrada à sua ilha.
E se este é, certamente o caso mais impressivo, não se julgue que a situação, é radicalmente diferente em todas as outras ilhas.
Voltando ainda à ilha. do Corvo, poder-se-á levantar a questão se, num plano .de racionalidade económica, é correcto construir uma pista de aviação para servir umas escassas quatro centenas de pessoas. Naturalmente que não. E o mesmo é válido para as restantes ilhas.
Seguramente que para um território de pouco mais de 2000 km2 e cerca de 250 000 habitantes um só aeroporto seria suficiente. Mas somos 9 ilhas, espalhadas ao longo de algumas centenas de quilómetros do Atlântico. E isso implica custos tremendos. Tivemos de construir cinco aeroportos, vários portos, hospitais, escolas, estradas, enfim, todo um conjunto de infra-estruturas que, apesar do muito que foi feito ao longo destes dez anos, ainda está longe de ser suficiente. Tem sido um esforço muito grande, agravado, pôr vezes, pela fúria dá: natureza, que desencadeia as suas forças destruidoras contra estas ilhas, como aconteceu em 1980 com o sismo que destruiu parcialmente a cidade dê Angra do Heroísmo e várias povoações das ilhas Terceira, São Jorge e Graciosa e ainda há apenas algumas semanas com os violentos temporais que assolaram as ilhas, causando prejuízos avaliados em mais de um milhão de contos.
Para vos dar uma ideia do esforço que tem sido realizado, dir-vos-ei, Srs. Deputados, que nos últimos seis anos foram despendidos 43,213 milhões de contos em investimentos e 7,056 milhões de contos em despesas com a reconstrução das ilhas afectadas pelo sismo de 1980. Talvez se todo este investimento fosse concentrado numa só ilha, se tornasse mais evidente. Mas foi feito de acordo com uma política de desenvolvimento harmonioso de todas as ilhas, acorrendo prioritariamente àquelas cujo atraso era mais chocante. E todo este esforço foi conseguido sem grande ajuda do Estado, que não mantém na Região Autónoma dos Açores qualquer investimento. Mesmo agora, que estão à ser realizados dois empreendimentos de grande vulto o prolongamento dó aeroporto e Ponta Delgada e o porto da Praia da Vitória - o Estado em nada contribui, estando a ser integralmente pagos pela região.
É por isso que afirmamos aqui que não basta o reconhecimento formal da autonomia. A própria Constituição o reconheceu ao consignar, no artigo 231.º, que «os órgãos dê soberania asseguram em cooperação, com os órgãos de governo regional, o desenvolvimento económico e social das regiões autónomas, visando, em, especial, a correcção das desigualdades derivadas da insularidade».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito se tem falado dos custos de insularidade, mas quase nunca numa perspectiva correcta. Têm servido inclusivamente, para criar, junto da opinião pública, a ideia de que as regiões autónomas são grandes sorvedouros dos dinheiros públicos e desfrutam de uma situação privilegiada no Orçamento do Estado. Não raro, e dentro deste espírito, temos ouvido contrapor aos custos de insularidade os custos de interioridade. Não é que não tenhamos por essas regiões, também elas desfavorecidas, um sentimento de solidariedade. Mas entendemos que se trata de conceitos totalmente distintos e achamos que seria mais correcto comparar a interioridade com um outro conceito, que nunca vimos referido, mas que poderíamos designar de litoralidade.

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