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4338 I SÉRIE - NÚMERO 105

atenção o seu percurso histórico, em relação às novas ideias que estão a permear a sociedade portuguesa.
Teria sido de esperar que a primeira questão, tivesse tido prevalência, isto é, que se discutisse basicamente se, em relação àquilo que o Governo apresenta como desejável, era ou não importante que se pudesse abrir o sector privado à produção de transporte e de distribuição de energia eléctrica, à produção e distribuição de gás para consumo público, aos serviços complementares de telecomunicações, aos transportes aéreos regulares, etc.
Efectivamente, alguns partidos - o PS, o PRD, (naturalmente estou a ressalvar a posição do CDS, que foi diferente) - enveredaram por esse caminho. Porém, cedo obscureceram esse raciocínio com considerações de ordem jurídico-constitucional, por um lado, ou de pretensas considerações de ordem ética e moralista, por outro lado, que, no caso, eram inteiramente despropositadas e que, exclusivamente, visavam retirar efeitos políticos fáceis.
Julgo que seria importante sublinhar devidamente - aliás, como o fizeram os Membros do Governo que apresentaram a proposta legislativa - que o que está em causa é o facto de saber se é ou não importante para o progresso do país que os sectores que actualmente estão vedados à iniciativa privada sejam abertos a essa iniciativa, sejam removidos esses obstáculos e que, através da privatização, da desregulamentação, da concorrência, seja possível obter aumentos de produtividade, a inovação e o progresso. Se houver argumentos contra alguma das alíneas que são apresentadas pelo Governo para que esses progressos se não possam registar, tal deve ser dito e demonstrado em termos claros e inequívocos, e, naturalmente, a oposição prestará um bom serviço para a formação de uma decisão correcta e útil.
Não isso o que por parte do PCP aconteceu - aliás, devo dizer que tal não nos admira. Contudo, espanta-nos um pouco mais o que, muito timidamente, aconteceu por parte do PS e do PRD.
Todavia, o PS apresentou nesta Câmara um projecto de lei que dá alguns passos extremamente significativos e que, portanto, naturalmente inculcaria a ideia de que iria discutir esta matéria basicamente no sítio onde ela deve ser discutida, isto é, na utilidade ou inutilidade de obter o concurso da iniciativa privada para, nestes sectores, se conseguir avançar mais rapidamente.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É, repito, nesta sede que a questão deveria ter sido discutida. Mas, curiosamente, o debate deu-se prevalecentemente noutra zona: na zona da constitucionalidade da proposta. E é muito significativo o que temos vindo a dizer, ou seja, que ainda permanece numa parte desta Câmara e nalgumas forças políticas uma certa visão fantasmagórica de determinados mitos, que uma certa interpretação da Constituição certamente anima, mas que já se não justificam e que, afinal de contas, nos fazem dizer, com toda a razão, que em muitos aspectos, infelizmente, a Constituição, na sua versão actual, facilita o imobilismo e representa um colete de forças em relação ao progresso.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que se colocam questões importantes em matéria de revisão constitucional - e lá iremos -, mas também é por isso que, desde já, importa clarificar que mesmo com a actual versão da Constituição a argumentação que tem sido expendida não é justificada.
Foi por isso que há pouco perguntei ao Sr. Deputado Manuel dos Santos se era ou não exacto que o seu partido interpretava um preceito programático da Constituição, que refere que «é objectivo do Estado, na sua actividade económica, a apropriação dos principais meios de produção de solos e recursos naturais» num sentido, facultativo, isto, e no sentido de que o Estado poderia ou não prosseguir esse objectivo. É que na versão originária da Constituição, na interpretação que lhe dá o PCP, esse era um princípio estruturante da via única para um socialismo colectivista e para uma sociedade sem classes, conseguida, como se dizia no artigo 2.º da redacção de 1976, pelo exercício do poder pelas classes trabalhadoras. Representava toda uma ideia revolucionária e falava-se que o processo revolucionário em curso seria dirigido pelo MFA e tutelado pelo Conselho da Revolução.
Essa redacção originaria da Constituição de 1976 resultava de um compromisso instável entre dois princípios estruturantes.
De um lado, o princípio democrático que se baseava claramente na afirmação de que o poder político, a soberania, pertencia ao povo, que havia uma democracia representativa e pluralista fundamentada na existência de diversos partidos, que havia separação de poderes e que se respeitavam os direitos fundamentais.
Ora, isso, que nos coloca ao lado das restantes democracias ocidentais, era contrastado, por outro lado, pela circunstância de, simultaneamente, se afirmar que se pretendia a construção de uma sociedade sem classes pelo tal exercício do poder pelos trabalhadores, distinguindo-se os trabalhadores dos demais cidadãos, dando-se-lhes um favor pela realização da apropriação colectiva dos principais meios de produção pela via das nacionalizações, dum plano obrigatório para o sector público e condicionante do sector privado, pela reforma agrária e, ainda, por uma certa interpretação dos direitos sociais.
Isto, obviamente, traduzia-se na ideia de que o sector privado era um sector residual, conduzindo à interpretação de que todos os domínios das empresas públicas era algo que tinha de ser avolumado e agigantado e que seria um crime de lesa-majestade ou de lesa-Constituição tudo aquilo que representasse, nessa perspectiva, um andar para trás.
É essa interpretação que o Partido Comunista, obviamente fiel à sua ideologia, mantém.
Mas não é essa a interpretação que o Partido Socialista, felizmente, apresenta, quer na sua proposta de revisão constitucional, quer na sua prática política. Só que, não retira daí todas as consequências, não vai suficientemente longe, não é completamente coerente em relação aos princípios que afirma.
Por isso, ainda hesita e faz equivaler a ideia de que pode haver sectores vedados à iniciativa privada, conforme refere o artigo 85.º, com a ideia de reserva absoluta e necessária, quando, afinal, o que a Constituição diz é que tem de haver um sector público, mas não diz que esse sector público tem de constar, fundamentalmente, de sectores reservados, excluindo a concorrência de outras empresas.

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