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4528 I SÉRIE - NÚMERO 91

uma autêntica libertação, prenhe de consequências e implicações que não devem desatender-se. Desde logo, e em primeiro lugar, no plano filosófico-cultural, ela denuncia a superação irreversível de todos os historicismos e de todas as pretensões de antecipar por uma vez o curso da História. Ela implica noutros termos a abertura aos coeficientes irredutíveis de indeterminação e de surpresa duma história que capricha sistematicamente em ironizar sobre o narcisismo de todos os que alguma vez se acreditaram na posse da chave do rumo e do destino da mesma história. E desincentiva, por isso mesmo, todos os propósitos de lançar pedras irreversíveis na construção do futuro. Uma ilusão a que só poderão acolher-se aqueles que - cegos à lição de Kant - partam de menoridade das gerações futuras e da sua disponibilidade para aceitar sem reservas as heranças que no nosso alto critério decidamos legar-lhes.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ela aponta, em segundo lugar, para uma compreensão do direito, sobretudo do direito constitucional, inteiramente sintonizada com as mais recentes representações sobre a legitimação do direito no contexto de uma sociedade secularizada, que cortou os laços com a transcendência de mundos referenciados pela graça da revelação ou pela especulação da metafísica e, por isso, a si mesma se define, não como uma sociedade em trânsito, à espera do advento da consumação dos tempos. Antes se representa como vivência colectiva, definitivamente estabilizada em torno da celebração de valores imanentes a um mundo homiziado e desencantado. O direito não se ouve no vento que passa no deserto, não se lê no bailado das sombras intuídas a partir da caverna de Platão, nem nas chagas de uma sociedade dos meados do século passado, em princípios de industrialização. Mais do que objecto de contemplação o direito surge hoje como produto da acção criadora e profética do homem historicamente situado. Parafraseando Hobres, não é tanto a verdade quanto sobretudo a autoridade democrática que produz o direito. Daí que o direito, como produto histórico, do homem traga consigo o estigma indelével da contingência e da alternativa.
A renúncia ao socialismo como programa constitucional tem, em terceiro lugar, implicações profundas no plano da acção política, nomeadamente no que toca à legitimidade de acesso ao poder e seu exercício livre e responsável. Uma inovação que deve ser lida com cuidado e com rigor. Na verdade, ela vale mais pela sua dimensão positiva do que negativa. Bem vistas as coisas, não se trata de proscrever qualquer ideologia, nomeadamente a socialista; trata-se, pelo contrário, de estender a todas o mesmo princípio de legitimação constitucional de raiz.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Numa compreensão arqueológica da construção social da realidade do mundo em que vivemos, sabemos que ela é tributária de todas as ideias e de todos os sonhos por que lutaram, sofreram e morreram tantos homens. Se devemos ao individualismo iluminista uma lição de liberdade e autonomia, não devemos menos à irrenunciável dimensão de solidariedade que nos legaram os pensadores do socialismo.
Ponto é que se assuma a ascese e a renúncia a todo o paternalismo não legitimado pelo voto popular. E que lutemos pelo nosso ideário - conservador de alguns, liberal de outros, social-democrata nosso ou socialista de outros - sem o amparo de privilégios constitucionais indevidos. É a este desafio - com o fascínio dos seus riscos e da sua responsabilidade - que o renovado texto constitucional nos convoca.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É a esta luz que hão-de encarar-se e valorar-se - e a nosso ver saudar-se as profundas reformas introduzidas na Constituição económica, onde avultam, em primeiro lugar o fim do tabu da irreversibilidade das nacionalizações e do imperativo constitucional de apropriação dos principais meios de produção;
Em segundo lugar, o novo estatuto e a nova função júridico-constitucional reservada ao Plano que perde a sua conotação ontologificante, a sua dignidade de pressuposto absoluto de disciplina e organização da actividade económica, social e cultural, bem como a desmedida ambição de antecipar à distância e programar Q futuro, através do plano a longo prazo;

Em terceiro lugar, a nova impostação jurídico-constitucional em matéria de política agrícola. Mais do que o abandono de um conceito como de reforma agrária - e da carga simbólica e do imaginário quase mitológico que ele trazia consigo - sobreleva aqui a clara renúncia à imposição constitucionalmente vinculativa de meios ou instrumentos de prossecução dos objectivos da política agrícola, a saber: o desenvolvimento económico, social e cultural dos que trabalham a terra e a racionalização das estruturas fundiárias. O modo-necessariamente relativo, contingente, plástico e variável - de promover estes objectivos passa a ter dois mediadores e referentes: «A lei e a política agrícola», ambas subjectivas e modeladas por maiorias sujeitas à regra da alternância democrática. Isto, de resto, à semelhança do que sucede com as privatizações ou as nacionalizações ambas inteiramente e a igual título cometidas à disponibilidade e responsabilidade política do poder em cada momento legitimado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As considerações expendidas dão conta da transformação quase copernicana operada a nível das relações entre a ordem do constitucional e o plano da acção política e da legislação ordinária. Acedendo ao poder e vindos de qualquer lado do horizonte ideológico, os diferentes portadores da legitimidade política deixam de se ver confrontados com um meta-programa sediado na Constituição. Um programa definido uma vez por todas, persistindo fixo e imutável na sua inseminasse como o princípio de Parménides, e impondo-se de forma contínua e igual a todas as formações políticas. Um programa que valia além do mais, como uma espécie de pé-de-meia de poder, amealhado nos bons velhos tempos da perturbação revolucionária por aqueles que há muito desesperaram de exercer o poder por legitimação democrática.

Vozes do PSD: - Muito bem!