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I SÉRIE - Número 94

Uma causa nacional desta envergadura exige diálogo, informação, a busca de grandes consensos e a mobilização de meios e recursos adequados. E exige também, uma vontade política, uma estratégia nacional e os indispensáveis instrumentos
De coordenação.
Pergunta-se: onde está tudo isso? Onde está a vontade política, onde está a estratégia, onde estão os meios? É possível que existam, mas ou são clandestinos ou estão no segredo dos deuses! O País não sabe, nós não sabemos. Os resultados nem sempre se vêem.
O que nós vemos, por exemplo, é as tropas moçambicanas a serem treinadas por oficiais ingleses e a marchar à inglesa. Mas nada sabemos da resposta portuguesa às repetidas solicitações para o incremento da cooperação militar. Nomeadamente no que diz respeito à formação de oficiais; nada sabemos dos resultados e das consequências das visitas de missões militares portuguesas a Moçambique.
O que nós vemos é os grandes grupos internacionais acorrerem à política de abertura do Governo moçambicano. Mas nada sabemos da criação de mecanismos que garantam, de maneira permanente e mais geral os investimentos portugueses, tal como, depois da adesão de Moçambique à convenção de Lomé, nada sabemos sobre os projectos que, no quadro da Cooperação Euro-moçambicana, envolvem Portugal e quais os que envolvem outros países. E quais as participações financeiras de Portugal, se é que as há? Também nada sabemos. Mas sabemos que as trocas comerciais com Moçambique têm vindo a diminuir. E sabemos também que se tem verificado uma redução do nível de créditos para a cooperação e para as empresas.
E quanto ao número de bolseiros moçambicanos em Portugal e de cooperantes portugueses em Moçambique? Têm aumentado ou têm diminuído?
E sobre o problema da Cahora Bassa: em que ponto estamos?
Estas questões não são segredos de Estado; são perguntas concretas sobre muito concretos problemas de relevante interesse nacional.
A verdade é que há uma grande falta de dados e de informação, talvez porque não haja uma estratégia nem política, mas tão-só acções dispersas e descoordenadas.
Aliás, em reunião realizada com a Comissão de Negócios Estrangeiros e em declarações várias vezes repetidas, o Sr. Secretário de Estado para a Cooperação reconheceu a descoordenação existente e prometeu fundir as diferentes áreas da cooperação numa só agência ou num só organismo, condição essencial para impedir a dispersão e garantir a coordenação de uma estratégia de cooperação. Essa intenção mereceu o nosso aplauso e merece o nosso apoio.
Mas onde está a referida agência? A dispersão continua, há diferentes ministérios e organismos de Estado a fazer cooperação por conta própria, o que desvaloriza as competências do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da secretaria de Estado e torna impossível a definição e coordenação de uma estratégia coerente.
E essa é uma das razões por que nos interrogamos sobre se haverá, verdadeiramente, uma estratégia para a cooperação, pela ausência de grandes objectivos, por um lado, e, por outro, pela inexistência de instrumentos de coordenação e unificação das acções que cada ministério vai realizando sem a sua respectiva integração nos critérios políticos, culturais, económicos ou militares de uma estratégia global.
O tão apregoado pragmatismo é, em si mesmo, a negação de uma estratégia. É que a política de cooperação não se compadece com improvisações nem com retóricas meramente tecnocráticas ou economicistas. Uma estratégia nacional para a cooperação deve ser , antes de mais, a concretização política de uma estratégia cultural. Uma estratégia da língua, uma estratégia assente no primado da cultura - porque é aí que reside a nossa singularidade, é pela língua e pela cultura que se define o carácter específico e único das relações de Portugal com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Não somos uma grande ou uma média potência , nem temos condições para, noutras áreas concorrer com outros estados e outras nações, mas há algo que é nosso e de mais ninguém ou, melhor, há algo que é nosso e também dos países africanos: a língua, uma cultura que, como dizia o presidente Agostinho Neto, "nasceu de uma encruzilhada de civilizações, uma afectividade, uma maneira de ser".
Mas onde estão os centros culturais portugueses, onde estão as escolas, os professores, os livros, o apoio programado e coerente ao ensino da língua, à formação de quadros, à preservação e desenvolvimento das relações culturais?
Há cerca de um ano, na companhia de outros Srs. Deputados, estive na província de Lubango, em Angola. Aí vivem e trabalham três mil portugueses. Queriam professores de português para os seus filhos, não havia nenhum. Visitámos a respectiva Universidade; queriam livros portugueses e não recebiam. Nem sequer os que há editados por organismos do Estado português. Para conseguir um professor de Literatura estavam em negociações com a Universidade de Trás-os-Montes. Em Luanda ouvimos as mesmas queixas, mas tive a oportunidade de ouvi-las na Guiné, em São Tomé, no Maputo; livros, professores, centros culturais portugueses activos, devidamente apetrechados.
De que adianta celebrar as navegações do passado se não somos capazes, todos nós, esses desencontros do presente?
E que futuro para Portugal, que futuro para a cooperação em África, se não estivermos dispostos a pagar os custos de uma estratégia da língua e da cultura, que é a única estratégia possível da portugalidade e da fraternidade com os povos que falam português?
E como é possível essa estratégia com ridículas dotações orçamentais atribuídas à cooperação?
Dir-me-ão que tem havido aumentos. Toda a gente sabe que esses aumentos orçamentais são devorados pelos próprios serviços e não a realização de acções e programas.
Seria, aliás, curioso conhecer melhor os montantes das despesas correntes da Secretaria de Estado da Cooperação e da Direcção-Geral da Cooperação e os montantes aplicados em acções e programas.
Seja como for, esta é uma questão que tem de ser revista ou, pelo menos, discutida, porque não se trata de uma questão deste ou de outro qualquer Governo; trata-se de uma questão de Estado e, em democracia, as grandes questões de Estado têm de ser debatidas no local próprio: o Parlamento.
A política externa não é um ministério só para iniciados. A cooperação não é um segredo.