20 DE OUTUBRO DE 1989 141
Em anterior intervenção do presidente do meu partido já foi claramente referenciado o posicionamento do PRD sobre o sentido e a oportunidade da moção de censura do Partido Socialista, pelo que não farei mais considerações sobre estes aspectos.
O interesse e a motivação partidários foram determinantes, pelo que, seguindo a liturgia parlamentar, aqui estamos a questionar e a censurar Governo. É uma oportunidade que não perderemos, porque são raras as. possibilidades que o quadro parlamentar oferece de um diálogo crítico e directo com o Governo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Desde há muito que vimos chamando a atenção desta Câmara, em inúmeras situações, para aquilo que nos parece ser a ausência de objectivos bem definidos no quadro de um modelo de desenvolvimento, que o PSD vai impondo ao País, sem precisar devidamente os seus contornos, sobretudo as suas consequências.
Diria até que esses objectivos tem um carácter muito difuso, como o «chegar à Europa» ou atingir metas ou padrões europeus, que são diferentemente expressos e sentidos pelos Portugueses, consoante as suas áreas geográficas, a sua posição no mundo produtivo ou até o seu nível etário.
Grandes objectivos, diria mesmo, objectivos determinantes, referenciados pelo Sr. Primeiro-Ministro aquando da apresentação do Programa do Governo a esta Câmara, em Agosto de 1987, como era a taxa de inflação, são relegados hoje para um plano secundário, sem que exista a humildade de se reconhecerem os falhanços da política governativa.
Convirá ter presente, nesta oportunidade, também (e por que não?), a seguinte afirmação do Sr. Primeiro-Ministro: «Está ao nosso alcance atingir uma taxa de crescimento de preços próxima da dos valores médios dos nossos parceiros comunitários, a partir de 1989.» Como se enganou o Sr. Primeiro-Ministro, infelizmente para todos aqueles que vivem exclusivamente dos rendimentos do trabalho e que vêem na prática os seus rendimentos crescerem muito menos do que o somatório do rendimento disponível! E o que é mais grave é que o Governo parece estar pressionado e condicionado por um objectivo de política económica que diz já não ser relevante.
O Governo, ao limitar o crédito à habitação e a certos bens duradouros para combater a inflação, está a alimentar, ele próprio, essa mesma inflação,, porque, ao desobrigar os Portugueses de uma forma de poupança forçada e socialmente útil, liberta meios, para consumos mais imediatos. Ou seja, o Governo vive com o fantasma da inflação, mas não a assume de forma clara e inequívoca.
Ao mesmo tempo, o emprego aparece hoje como o grande objectivo conjuntural do Governo, quando, na apresentação do seu Programa a esta Câmara, lhe foi feita, apenas uma referência secundária e muito tímida.
Ao nível dos objectivos, tudo parece correr por um mero acaso, sendo chamados para a discussão aqueles que, em cada momento, o Primeiro-Ministro considera mais remuneradores de um ponto de vista político.
Um Governo sem objectivos ou com objectivos definidos ao sabor da conjuntura conduz a um país sem rumo e é motivo de grande preocupação. Em breve, aquando da discussão das Grandes Opções do Plano ou durante este debate, o Governo tem a obrigação de clarificar quais são os objectivos e as variáveis estratégicas do modelo que procura impor, de uma forma autoritária, aos Portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O tempo vai passando; 1993 aproxima-se a passos largos e este Governo pode vir a ficar conhecido como o Governo das oportunidades perdidas.
O «Estado empreiteiro» é hoje uma entidade bem visível: promove-se a construção de centenas de quilómetros, de estradas, no quadro de uma política de obras públicas que esta Câmara só conhece através dos quadros do PIDDAC, dando sequência a uma política «fontista» de má memória entre nós, propiciando perante a CEE a imagem de um país eficaz no uso das verbas comunitárias, ao mesmo tempo que se disfarçam na ordem interna deficiências em muitos outros campos. Com a sua política de obras públicas, o Governo está a talhar o perfil do País que, seguramente, irá enfrentar as próximas décadas; está, provavelmente sem o saber (haverá aqui que dar o benefício da dúvida!), a definir o ordenamento do território, sem ter uma política de ordenamento do território. Se a tem, pelo menos nunca a deu a conhecer ao País, nem a fez aprovar nesta Câmara. Ao implantar infra-estruturas e equipamentos a esmo, que determinarão a evolução da ocupação do território nacional por largos anos, o Governo do PSD assume, por si só e sem qualquer delegação específica, uma responsabilidade que não é desejável em processos que têm a ver com a vida colectiva de todos nós.
São questões extremamente importantes, que não são de mera retórica, riem literária nem ideológica. É necessário um Estado menos empreiteiro e menos preocupado com a construção de estradas e pontes e mais preocupado com a definição dos projectos, que condicionarão o nosso futuro.
Quando pensa o Governo tomar decisões tão importantes como a rede de distribuição de gás natural, o projecto do Alqueva, a modernização da rede ferroviária, em particular a definição exacta do traçado dos comboios de grande velocidade, o papel do porto de Lisboa na organização da distribuição de mercadorias e serviços ao nível nacional e internacional e ainda a localização e a construção do Aeroporto de Lisboa? É que preparar o País para depois de 1993 é saber tomar decisões, sobretudo fazendo-o atempadamente.
A menos que o Governo apresente algo sobre estas questões realmente vitais para o futuro do País, a falta de visão parece estar definitivamente a imperar no seio do Executivo.
Também no que à política industrial concerne existem fundados receios de que o Governo a entenda como uma mera-gestão dos PEDIP e SIBR; sem pretender ser empresário, e Governo tem a estrita obrigação de definir objectivos precisos, criando as condições para que o embate do mercado único seja menos doloroso para a indústria portuguesa. Tendo em conta a debilidade da indústria na comparação com os grandes gigantes europeus, o Governo tem de ser criterioso na aplicação das enormes verbas disponíveis. O período de transição que estamos a viver em termos comunitários deixa-nos alguma margem de manobra para que se não decida por soluções que favoreçam o investimento estrangeiro, sem que haja a plena certeza de que iguais quantitativos de subvenções possam ser eficientemente aplicados em estrito apoio à indústria nacional.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sem procurar ser exaustivo na censura ao Governo, duas áreas merecem também os mais vivos reparos.