6 DE DEZEMBRO DE 1989 775
Os casos mais frisantes foram, como se sabe, os da Hungria em 1956 e da Checoslováquia em 1968. O mundo e os homens livres não podem esquecer essas lutas, reprimidas violentamente por uma potência estrangeira e invasora e, não importa com que pretextos, não pode esquecer como os povos húngaro e checoslovaco vieram para a rua combater pela liberdade e pela justiça. Combater pela liberdade e pela justiça não renegando os ideais de uma sociedade mais justa e igualitária, valores que outros invocavam ao mesmo tempo que os destruíam, mas pelo contrário lutando por eles contra o totalitarismo, o dogmatismo, a corrupção, a burocracia, a tutela estrangeira.
Os que nessa altura já se batiam por esses valores eternos (que hoje também nessas latitudes estão, enfim, a triunfar) não esquecem a emoção e a revolta com que viveram esses acontecimentos, primeiro apaixonantes, depois dramáticos. £ é naturalmente também com emoção que a muitos anos de distância se assiste à homenagem prestada e à justiça feita, embora demasiado tarde, aos que caíram na Hungria, inclusive dos seus principais dirigentes, e se vê Alexandre Dubcek, aclamado pelo seu povo e apontado como um possível presidente da nova República.
Mas, para lá, ou ainda antes, da influência na evolução dos países comunistas do Leste, da própria evolução na URSS, imporia sublinhar outro factor que, por sua vez, condicionou ou explica também a própria situação na União Soviética, sem desmerecer ou esquecer o papel da maior importância desempenhado por Mikhail Gorbalchov, sem dúvida uma grande figura do nosso tempo e um dos maiores estadistas do nosso século, a quem fica a dever-se imenso a luta pela paz.
Factor que é, obviamente, o amor pela liberdade e pela democracia. A liberdade, a democracia, os direitos do homem, são aspirações profundíssimas dos povos. E pode acontecer - como durante quase meio século aconteceu em Portugal, sem que, infelizmente, se visse a lutar pela liberdade tantos que se põem em bicos dos pés a reclamada para os outros ... - pode acontecer - dizia eu - que durante longos anos essa liberdade seja violada, pisada, destruída - mas nunca é destruído esse anseio de liberdade que um dia, mais cedo ou mais tarde, acaba sempre por triunfar.
A democracia pluralista é uma conquista, que nada poderá destruir e que acabará por se estender a todas as latitudes, mesmo àqueles países em que, por menos desenvolvidos ou mesmo muito atrasados, ela é ainda inexequível. Assim, na Polónia, com um chefe de governo não comunista, na Hungria, na RDA, na Checoslováquia, mesmo na Bulgária, já fizeram vencimento, ou cada vez mais se impõem, pela força da sua razão e das massas que, espontânea e vibrantemente, a reclamam, as teses que apontam para a indispensabilidade da democracia, para a possibilidade de alternância efectiva no poder, para os valores consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
E neste momento em que aqui assinalamos, e de certo modo também festejamos, esta espécie de furacão de liberdade que, felizmente, assola a velha Europa, o nosso pensamento não pode deixar de se dirigir, também, para aqueles que, por todo o mundo, combatem corajosamente pela liberdade, muitas vezes pagando com perseguições e torturas ou a própria vida essa sua coragem.
Lembramos, emocionadamente, tantos povos da Ásia, da África, da América do Sul, que continuam a ser vítimas de ditaduras e de regimes que violam de forma gravíssima os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. O nosso pensamento vai designadamente para o povo de El Salvador e, muito em especial e ainda mais emocionadamente, para o povo mártir de Timor Leste. O nosso pensamento vai ainda para aqueles que nos últimos tempos, da forma mais espantosa, personificaram, num imenso país, as novas ideias a chegarem a países velhos e sem tradição democrática pluralista, aqueles que de forma mais espantosa personificaram e simbolizaram essa grande luta pela liberdade e pelo futuro, contra o velho e o caduco, contra a opressão e o obscurantismo, os jovens, os trabalhadores, os intelectuais, os artistas e os operários que fizeram da Praça de Tianamem, em Pequim, um símbolo imorredoiro dessa luta pela liberdade e pelo futuro.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Revertendo aos acontecimentos dos países comunistas do Leste, não se pode esquecer ou minimizar também que eles representam o fracasso completo de um modelo de sociedade totalitária, tendo por base o domínio de um partido único - e o domínio de um partido único, ou mesmo só o domínio de um único partido, é sempre mau ...-, partido que se quer vanguarda iluminada e monopolizador da mediação política. Ora, se toda a partidocracia é má, como não nos temos cansado de sublinhar, esta assim é péssima: sociedade assente numa colectivização cega e burocrática que mala a indispensável iniciativa privada e a criatividade dos cidadãos e tende para um igualitarismo cinzento e medíocre, em vez de garantir uma igualdade de oportunidades. Igualitarismo ainda por cima meramente teórico, dada a corrupção criada ou propiciada pelo sistema e as benesses ou privilégios dados, as mais das vezes, aos dirigentes partidários de facto constituídos em classe dominante.
O fracasso deste modelo, que de há muito se conhecia, resulta bem claro não só da situação económica e financeira dos países em que vigorou ou vigora e do nível de vida e bem-estar dos seus povos como, ainda, mais flagrante e dramaticamente, da situação de opressão a que os respectivos países e povos se acabaram por ver sujeitos, embora não sob a forma primária de injecções atrás da orelha das criancinhas e dos velhos, de que falava antigamente certa propaganda mais primária e estúpida.
Isto não significa, claro, que não haja aspectos - embora poucos, deve acentuar-se - positivos, ou que revelem intenções positivas, nesse modelo de sociedade, mas significa, fora de qualquer dúvida, que esses modelos de sociedade demonstram, à exuberância, a sua falência e inadequação ao momento histórico que vivemos, aos grandes anseios e desafios do presente e do futuro.
Esta falência é também, sem dúvida, não só a do estalinismo, de há muito condenado na consciência de todos os homens livres e respeitadores dos direitos dos outros homens como responsável por crimes nefandos - que um escritor como o soviético Anatou Rybakov, homem progressista e jornalista convicto, tão bem descreve literariamente no livro que só no seu país já vendeu cerca de oito milhões de exemplares, onde finalmente esses livros já se podem ler - esta falência, dizia, não só dos estalinismos como do marxismo-leninismo, pelo menos tal como foi praticado naqueles países - e não se sabe de outros em que o tenha sido de forma muito diferente e muito melhor ...
Porém, e ao contrário do que alguns querem fazer supor e subtilmente insinuam na sua propaganda, a fa-