770 I SÉRIE-NÚMERO 22
Por outro lado, só a democracia estimula a inovação, a adaptação ao imprevisto e às novas situações, enquanto as ditaduras são poderosos obstáculos à inovação e ao desenvolvimento. Tenho em mente, é claro, o desenvolvimento integral, que não se confunde com o simples crescimento económico.
Por que razão, nas sociedades dos nossos dias, não pode haver desenvolvimento sem democracia? Permitam-me citar um artigo muito interessante do Prof. João de Deus Pinheiro, publicado há meses, em que afirma que «a democracia excede hoje os limites tradicionais do sistema de governo, para ser factor endógeno da competitividade e do desenvolvimento». É que agora não bastam os factores que tradicionalmente se identificam como condicionantes do desenvolvimento (recursos naturais, nível educativo, capacidade de gestão, etc.).
Há factores novos que resultam «facilidade da difusão da informação, do potencial da comunicação, do ritmo da criação de novos saberes e tecnologias, em suma, da passagem da produção, mesmo que em grande série, para sistemas de capital intensivos, em que os custos da produção se diluem, face ao esforço requerido na criação e inovação, geradores de produtos mais atractivos».
O tempo deu, portanto, razão aos sistemas abertos e flexíveis que favorecem a inovação. Deu razão aos sociais-democratas, que viam na economia de mercado, na qual o Estado exerce um papel regulador, a que melhor funciona e que dá satisfação às necessidades da população e à própria justiça social.
Perante a derrocada que revelou o arcaísmo e a fragilidade deste sistema aberrante e arrogante, mas com pés de barro chamado «socialismo real»; perante o impasse do próprio socialismo democrático, que pretendeu, durante décadas sem êxito (espero que não vão negar), compatibilizar a estatização com as liberdades individuais, compatibilização impossível, que demorou anos a converter-se à reversibilidade, até das simples e pobres nacionalizações em Portugal; perante ainda as debilidades e a inconsequência do neoliberalismo e da tecnocracia, que já tive ocasião de aqui referir, a social-democracia aparece como a mais aproximada do chamado «bom Governo», objectivo fundamental da humanidade nos milénios da sua história.
Ele tem de ser um governo democrático, estimulando a criatividade e a iniciativa das pessoas, isoladas ou em associação; um governo social, protegendo os mais fracos, zelando pela melhoria da qualidade de vida e pela segurança interna e externa da cidade, mas activo também nas relações com o exterior, hoje em dia, na construção europeia e no diálogo com o resto do mundo.
Já em 1968, Ota Sik, hoje infelizmente pouco lembrado, sustentou a aplicação do método social-democrata para reformar o sistema colectivista fossilizado da Checoslováquia de então, o que foi, como sabem, impedido pela criminosa invasão armada do Pacto de Varsóvia.
Entre nós, quando alguns sustentavam (há poucos anos, não foi há uma eternidade, foi há 14 ou 15 anos) que a social-democracia fora ultrapassada pelas nacionalizações, alguém respondeu que, pelo contrário, ela era a via que podia reconduzir Portugal a um sistema que o arrancasse do seu atraso, sem pôr em risco os direitos da pessoa e tendo em vista a justiça social. Mesmo depois das nacionalizações, mesmo depois dos pretensos avanços com que nos quiseram enganar em 1975. Esse alguém foi, evidentemente, Francisco de Sá Carneiro...
Aplausos do PSD.
... de quem recordo a genial capacidade de reflexão e acção, ao passarem nove anos sobre o acidente que, infelizmente, o roubou aos Portugueses.
O PSD tem posto em prática esse desiderato do seu fundador, a ponto de as reformas levadas a cabo para abandonar um regime colectivista, inspirado nos modelos vigentes no Leste, poderem servir de inspiração aos países que agora pretendem democratizar-se. Passámos já por muito daquilo que eles vão ter de enfrentar no futuro, como há dias, justamente, salientou o Sr. Primeiro-Ministro. Mas devo dizer que já colegas nossos desses países, deputados polacos e húngaros se me têm dirigido, no decurso de reuniões, para me transmitirem, pessoalmente, esta convicção.
As manifestações de Praga, Leipzig, Berlim, não vos recordaram, caros companheiros, o que vivemos nas nossas ruas, praças e alamedas em 1975?
Aplausos do PSD.
Convido-vos, portanto, a superar o pessimismo e o fatalismo dos cenários catastrofistas, que é uma tentação constante do espírito humano e muito acentuada em Portugal, sempre às voltas com os velhos do Restelo.
Carecem em absoluto de fundamento os cenários que imaginam graves danos para Portugal resultantes da evolução no nosso continente que agora se iniciou. Por um lado, ignora-se que os actos e as evoluções políticas não têm efeitos lineares e unidireccionais, mas sim efeitos múltiplos, por vezes contraditórios e que variam a curto, médio e longo prazos. Já aqui demonstrei, também, na peugada de Edgar Morin, que a realidade política não se rege pela simples lógica linear, pois ela é iminentemente dialógica.
Não tem também sentido afirmar que Portugal, que sempre foi na Europa, evidentemente, um país periférico, passará a ser mais periférico. Esta noção quantitativa procede de visões tecnocráticas da realidade e nada tem a ver nem com a geografia nem com a política.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros já referiu, hoje, as novas oportunidades que se abrem para Portugal, bem como o relevo das nossas iniciativas, nas relações com os países ACP, na criação em Lisboa do Centro Norte/Sul do Conselho da Europa e na importância da presidência, agora iniciada, no Comité de Ministros do Conselho da Europa. Conselho da Europa, cuja Assembleia Parlamentar é o grande fórum europeu do diálogo e da abertura a leste, onde quatro países têm hoje o estatuto de convidados especiais.
Estou consciente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de que, a longo prazo, o interesse de Portugal é grande na libertação dos povos do Leste.
O fim do determinismo trouxe (lá e cá também, curiosamente) a política para a primeira linha das preocupações dos governantes e refiro-me, mesmo, aos governantes dos países da Comunidade Europeia, que talvez se tenham ocupado demasiadas vezes com a mera gestão economicista dos recursos. Não foi por acaso que Walesa notou o vazio espiritual das sociedades ocidentais, consequência do excessivo predomínio do economicismo que nelas se verifica. Quer dizer que também para mim, obviamente, as sociedades ocidentais não são sociedades perfeitas. Se o afirmasse cairia em contradição com tudo o que atrás afirmei. É evidente que, quer no nível da justiça social e também, mas menos, no nível da própria liberdade, muito há nelas ainda a fazer. E que dizer da necessária responsabilização perante o drama terrível que é o inverso mar dos países em desenvolvimento?