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6 DE DEZEMBRO DE 1989 779

A democracia pluralista contem uma virtude desprezada em absoluto pelos comunistas. É o reconhecimento de que o poder necessita de ser limitado. E a melhor forma - a única forma - de limitar o poder totalitário é através da garantia das liberdades dos cidadãos no sistema político.
É por isso que, neste fim de século, só não necessita de mudar quem sempre defendeu o homem, como princípio e fim de toda a política, quem sempre defendeu a sua dignificação, o reconhecimento dos seus direitos fundamentais, do seu mérito e, também, a solidariedade e a justiça social.
Numa palavra: só não precisam de mudar os que sempre defenderam a democracia pluralista com um forte acento social!
Nós continuamos a defender os princípios de sempre, na certeza de que o princípio democrático e o não democrático são inconciliáveis, de que um exclui o outro, de que, entre ambos, não pode haver conciliação, porque a tentativa de conciliação entre o princípio democrático e o não democrático é, à partida, a subversão e a derrota da democracia. Por isso, não nos cansamos, nem nos cansaremos, de denunciar a coligação celebrada entre os socialistas e os comunistas portugueses.
Porque ela significa - porque significa sempre - uma cedência, uma abdicação.
Para nós, nunca haverá programa comum possível - seja a que nível for - que possa implicar a cedência de um só dos nossos princípios.
É certo que o Partido Socialista aqui está hoje - e não esperávamos coisa diversa - a denunciar os erros do comunismo e, portanto, lambem do Partido Comunista. Um discurso, aliás, vago, velho e abstracto. Terá, no entanto, de explicar aos Portugueses em que medida se compatibiliza este discurso com a coligação que celebrou com o PCP ao mais alto nível.
A política séria, a política com ética - palavra de que tanto gostam - também é - e é sobretudo - coerência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Disse aqui o secretário-geral do Partido Socialista na abertura do debate da moção de censura: «A Europa e o Mundo apresentam-se em mudança.»
Nós acrescentamos que nos regozijamos profundamente com tais mudanças. Nós saudamos estas mudanças e exortamos mesmo os respectivos povos a que continuem peto caminho que iniciaram.
É certo que tantas mudanças acarretarão a redefinição de estratégias (que não de princípios) a muitos níveis, em Portugal, na Europa e no mundo.
Nós, portugueses, também teremos de atender aos efeitos de tantas transformações, sem qualquer custo o faremos, porque o motivo vale bem a pena e ele é o reencontro de milhões de cidadãos com os caminhos da liberdade e da democracia.
Somos portugueses e democratas. Por isso o nosso estado de alma é de contentamento profundo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O secretário-geral do Partido Socialista disse nesta tribuna que «a Europa e o mundo se apresentam em mudança».
Regozijamo-nos e expressamos o nosso contentamento. E o nosso contentamento, devo confessar, só não é maior porque o Partido Socialista está também em mudança, mas no sentido contrário ao da Europa e do mundo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Infelizmente, o Partido Socialista está a andar para trás, como o caranguejo!...

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Maria Pereira.

O Sr. António Maria Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os acontecimentos do Leste foram até aqui examinados em várias perspectivas: na perspectiva histórica, na perspectiva geopolítica, na perspectiva da segurança, na perspectiva económica, na perspectiva comunitária.
Proponho-me analisá-los na perspectiva dos direitos humanos e por duas razões: em primeiro lugar, porque o Muro de Berlim representa, antes de mais, uma grande vitória dos direitos humanos e, em segundo lugar, porque dentro de quatro dias se celebra o 41.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem e, portanto, é altura de falar dos direitos humanos.
A divisão da Europa herdada de Ialta, que agora está posta em causa, traduz-se, na essência, em duas concepções culturais: a da Europa dos direitos do homem, fundada no humanismo personalista, a ocidente; e a da Europa do totalitarismo marxista-leninista, fundada no postulado de que os fins justificam os meios, na qual os direitos do homem são, sistematicamente, violados.
Várias foram as tentativas para fazer terminar esta fractura cultural, quer insurreições populares - em Berlim em 1953, em Budapeste em 1956, em Praga em 1968, na Polónia em 1980 - quer através da Conferência de Helsínquia, em 1975, em que, a troco da manutenção das fronteiras definidas em Yalta, os ocidentais obtiveram o compromisso soviético de que os direitos humanos seriam respeitados a leste.
Mas a União Soviética anterior à perestroika, tal como em Ialta, não cumpriu os compromissos assumidos. E, assim, a fractura contra-natura continuou entre a Europa que respeita os direitos do homem e a Europa que os viola. Permaneceu, portanto, a causa primária da falta de confiança internacional, que engendrou a guerra fria com a consequente corrida aos armamentos.
Desde sempre que os espíritos mais lúcidos - de que Andrei Shakarov é o símbolo - compreenderam que o desanuviamento, a reconciliação europeia, o desarmamento- numa palavra, a verdadeira paz - só seriam possíveis se a leste, como a oeste, os direitos humanos fossem respeitados.
Gorbachov teve o grande mérito de ter sido o primeiro líder soviético a compreender este postulado fundamental de que o desanuviamento e a paz se fundam no respeito generalizado dos direitos humanos.
Divergindo dos seus antecessores, que respondiam às acusações de violações dos direitos humanos na União Soviética com o estafado argumento de que se tratava de um assunto interno, Gorbachov teve a coragem e a lucidez de atacar o tema frontalmente e de forma positiva, libertando dissidentes presos, reprimindo os abusos psiquiátricos, permitindo um amplo debate público das ideias e iniciando reformas democráticas. Esta promoção dos direitos humanos na União Soviética, que é uma componente essencial da perestroika, está sem dúvida na origem do grande movimento pela democracia a que se assiste na Europa do Centro.
Pouco imporia que a preocupação de Gorbachov pelos direitos humanos tenha tido na sua origem preocupações de ordem sobretudo económica. Ele compreendeu, com efeito, que só poderia contar com uma atitude favorável do Ocidente desde que a União Soviética deixasse de reprimir os direitos humanos, como até então acontecia.