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1884 I SÉRIE - NÚMERO 53

Inscreveram-se para intervir, para além do Sr. Secretário de Estado do Ambiente e da Defesa do Consumidor, os Srs. Deputados Teresa Santa Clara Gomes, Mota Veiga, Arons de Carvalho e Sérgio Ribeiro.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.

A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A reflexão sobre o papel da publicidade na economia, na vida social e na cultura contemporânea é de uma actualidade indiscutível.
Com o sentido de oportunidade política que, cada vez mais, o tem vindo a caracterizar, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresenta hoje nesta Câmara um projecto de lei regulador da actividade publicitária.
Em matérias como esta toma-se necessário começar por balizar um certo número de referências de carácter geral, indispensáveis à compreensão do contexto em que o fenómeno da publicidade se enquadra.
Deixamos, pois, para um segundo momento a justificação e argumentação sobre a matéria específica do diploma, embora reconhecendo, desde já, que muitas das soluções propostas são, como todas, controversas, susceptíveis de correcção e abertas à crítica construtiva que, esperamos, virá a ter lugar em sede de especialidade.
Num relance breve apercebemo-nos de que, do anúncio ao reclamo, do reclamo à publicidade, da publicidade nacional à publicidade sem fronteiras, a lógica daquilo a que hoje chamamos publicidade passou, ao longo dos anos, por múltiplas, e por vezes inesperadas, mudanças de rumo.
Longe vão os anos da publicidade directa, marginal, artesanal nos seus modos de comunicar, empírica nos objectivos que pretendia atingir. Com o aprofundamento do modo capitalista de consumo, a produção publicitária tornou-se cada vez mais dependente de intermediários. Profissionalizou-se e passou a ocupar um lugar central na gestão pública e privada.
Da publicidade/informação à publicidade persuasiva e manipuladora, das mensagens de comunicação racional às mensagens baseadas na irracionalidade dos afectos e da sensibilidade, da ordem mercantil à ordem do espectáculo, as transições foram-se sucedendo de forma velada, quando não imperceptível.
Gradualmente, a publicidade viu ultrapassada a sua vertente instrumental pela dimensão onírica, de tal modo que ela se apresenta hoje como um grande sistema autónomo de sinais substituto, dizem alguns, «do sistema totem iço ou do politeísmo pagão das sociedades primitivas». Não fora essa, aliás, a percepção de Roland Barthes, ao classificar, já nos anos 50, o anúncio publicitário como o «mito moderno»?
O certo é que, independentemente de quaisquer outras considerações de ordem técnica ou económica, a estética publicitária tem hoje um papel decisivo na construção de identidade social e individual.
À volta dos objectos consumidos ou desejados, organizam-se espaços imaginários que determinam, em larga medida, as aspirações e os comportamentos dos cidadãos. Do pequeno comerciante ao empresário, do administrador ao homem político, todos se regem, cada vez mais, pela nova ordem da comunicação tecnológica ditada pelas leis da publicidade: todos procuram conhecer os seus públicos para melhor os condicionarem; todos usam a «arma» da sedução; todos se preocupam não só com a gestão dos seus serviços, produtos ou ideias, mas, sobretudo, com a imagem que através deles pretendem veicular.
Para todos, o modelo de organização das relações sociais pode resumir-se, afinal, em poucas palavras: o empirismo como método, a retórica como mediação, o pragmatismo como objectivo.
A questão não é, já, Sr.ªs e Srs. Deputados, a de nos limitarmos a distinguir entre boa e má publicidade, entre um melhor ou pior uso das técnicas publicitárias.
Aos que defendem que a publicidade é fundamento da concorrência do mercado, estimula o desenvolvimento e a inovação, estabiliza o emprego, contribui para o esclarecimento dos consumidores e traz uma contribuição essencial ao financiamento dos media, respondem outros que a publicidade é sinónimo de desperdício, escoa recursos necessários à satisfação das necessidades básicas, conduz à constituição de monopólios, aumenta os custos e os preços, estabelece falsas diferenciações entre os produtos, vicia a informação e a comunicação social.
Para além desta polémica binária - tanto mais acesa quanto mais superficial é o conhecimento da questão - importa atingir o nó. do problema: o que está em causa, ninguém o poderá negar, é o próprio modelo de desenvolvimento que a publicidade reforça e sustém.
Sabido, como é, que a lógica económica de que a publicidade é reflexo, se encaminhou, na última década, para as grandes mega fusões das indústrias publicitárias, concentradas no triângulo EUA/Europa/Japão; verificada a impossibilidade material de cerca de três quartos dos habitantes do planeta acederem, num futuro previsível, aos níveis de consumo que a publicidade consagra; reconhecida a incapacidade ecológica do planeta em suportar os níveis de hiperconsumo que, em escalada crescente, nos são propostos, não podem, à consciência ética do cidadão e do político, deixar de colocar-se duas questões fundamentais: será legítima a perpetuação de um sistema cujo universo material permanece vedado à maioria dos cidadãos e contraria as leis da sobrevivência?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Será a lógica do sistema publicitário, enquanto tecnologia de gestão económica e social, uma lógica imparável, destinada a integrar num universo simbólico irreal pessoas e culturas cuja situação de vida e cujos valores lhe são alheios?
Ponderados os custos sociais e culturais da publicidade, seria normal esperar que, ao menos, os seus benefícios de ordem estritamente económica fossem incontroversos.
Ora, o que se verifica é que, mesmo nessa área, permanecem incógnitas que os analistas de diversas formações não foram ainda capazes de clarificar. Não foi, até hoje, possível traduzir em termos claros a equação custos/benefícios da actividade publicitária, como não é também possível conhecer, com exactidão, os encargos reais da publicidade nos orçamentos das empresas e nos orçamentos da Administração Pública.
Se, face a esta situação, a publicidade permanece como actividade rentável e os capitais nela investidos são cada vez mais vultosos, a chave da leitura do seu sucesso terá de ser outra.
O professor de Ciência da Informação e da Comunicação da Universidade de Rennes, Armand Mattelart, diz, de forma clara: independentemente da sua eficácia directa e imediata, a publicidade e, hoje, «um modo de comunicação que, quer queiramos quer não, estrutura as escolhas, fixando um horizonte de prioridades e de hierarquias sociais à utilização que as nossas sociedades fazem quer