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2450 I SÉRIE - NÚMERO 73

Todos sabemos que no domínio do pensamento jurídico, por um lado, e no domínio das opções de organização, por outro, temos um sistema tributário ainda do pensamento do século XV: por um lado, a figura do homem abstracto, definido filosoficamente, considerado, também abstractamente, igual e livre; e, por outro lado, a noção de simplicidade de conhecimento, que reconduziu o pensamento à tentativa, lograda, da afirmação da ciência pura e que, no domínio do direito normativo em geral e do direito judiciário em particular, conduziu à noção, hoje ultrapassada, de que a justiça se reduzia a uma mera técnica e de que os aplicadores do direito, por isso mesmo, não eram outra coisa senão simples técnicos neutros do direito.
Era a prevalência, ainda e então, da célebre frase de Montesquieu para quem o juiz não é mais do que a boca que pronuncia as palavras da lei; era a prevalência do jurídico sobre o social; era, sobretudo, a prevalência da técnica sobre a realidade. A realidade evoluiu, não evoluiu apenas agora, e sobretudo o pós-guerra trouxe-nos uma concepção radicalmente oposta.
Ao homem abstractamente livre e igual sucedeu-se o homem concreto, situado, realmente desigual e diferente; à simplicidade buscada do conhecimento sucedeu-se a complexidade encontrada do conhecimento; à noção de objectividade pura sucedeu-se a noção complexa de objectividade e de subjectividade; à ideia procurada de ciência pura sucedeu-se a realidade encontrada de conhecimento pluridimensional e interdisciplinar; à noção de que o direito se referia exclusivamente a valores sucedeu-se a noção concreta de que p direito estabelecia a síntese entre valores e comportamentos. Isto é, a referência do homem filosófico, que definia os grandes elementos aos quais o direito se deveria referenciar, foi completada pela referência do homem antropológico, concreto, definido na sua diferença e na diferença dos seus comportamentos, surgindo, assim, o problema da justiça como realidade humana a definir, em cada caso, perante as propostas, elas próprias de raiz sociológica que cada caso propunha.
Aplicar o direito, administrar a justiça, deixou, assim, de ser uma mera fórmula em que o Estado, puramente árbitro, intervinha para ele próprio, em decisões abstractas, transportar para o concreto da vida a abstracção da lei, para passar a ser um acto moral de intervenção humanizada, individualizada, procurando não apenas o primado abstracto da lei mas, sobretudo, o primado concreto da justiça de cada caso.
Era a linha de pensamento de Cabral de Moncada e de Manuel Andrade; era a recepção definitiva no todo cultural que subjazia à evolução da realidade de uma ideia dinâmica em que a relação entre o direito e a vida era um acto de cerzideira em que o magistrado, o advogado, os vários operadores judiciários eram chamados, como - mediadores, ao desafio definitivo de levar o direito à vida e não àquele outro, que vinha do período anterior, de reduzir a vida à expressão do direito, como se este fosse a essência de cada um e de todos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ao lado disto o desenvolvimento tecnológico explodia e, para lá de uma concepção de fundo daquilo que deveria ser a administração da justiça, surgia agora uma proposta de novos instrumentos dinâmicos que permitiam responder a uma outra eficácia, em termos de celeridade na resposta, e por isso também, por essa via, em termos de uma justiça mais real e mais concreta.
A realidade corria, a realidade correu!... A realidade, felizmente!, não é compaginável no texto frio de uma norma jurídica. Simplesmente, o sistema judiciário português, reduzido como pólo único, real e efectivo de administração da justiça à comarca, não se deu conta de que a comarca olhava o sistema um pouco à maneira de Teixeira Gomes. Era a ideia romântica da comarca sertaneja; era a ideia do fim de tarde ameno onde estridulavam as gargalhadas do Dr. Chimenes nas diatribes que dirigia ao conservador.
E, enquanto isto, a realidade corria e o sistema anquilosava-se. Era - se quisessem, utilizando metáfora diferente - a capacidade que o sistema tinha, ao nível da comarca, de encontrar nesta o velho Café República, diante do qual ou dentro do qual se discutia Sarajevo e se pensava criticamente analisar o primeiro conflito mundial; este tinha a dimensão de Vila Velha e não realmente a dimensão que lhe cabia.
É por isso fundamental hoje reconhecer, por um lado, a comarca como elemento cultural, estrutural, do sistema judiciário, mas aí introduzir a modificação substantiva de fundo, aquela que, reconhecendo o golpe de asa de quem tem o dever de realizá-la e, simultaneamente, é capaz de introduzir modificações estruturais que respondam ao problema da lentidão e da carência de instrumentos, que inicialmente referi.
É por isso fundamental hoje que, numa política séria, honesta, assumida, de descentralização, se tenha a noção de que descentralização não é pulverização, mas sim concentração diversificada.
É por isso fundamental hoje permitir que aqueles que tem sobre si a responsabilidade de administrar justiça detenham os instrumentos possíveis que o progresso produziu e por isso a capacidade instrumental de intervir nos problemas novos, na sua dimensão nova e com a sua capacidade nova de resposta..
É por isso fundamental que outro espaço seja criado para que aí possamos fazer convergir, sobretudo, os instrumentos indispensáveis para que todos eles, congraçados na perspectiva interdisciplinar que vos referi, possam permitir que aqueles que estão, no fundo, à frente da responsabilidade de administrar justiça possam fazê-lo com a capacidade que esses novos instrumentos lhe vão proporcionar.
Aí está, por isso, agora de novo, como novo pólo potenciador de uma nova perspectiva de administração da justiça, como verdadeiro núcleo de capacidade, e por isso como verdadeiro núcleo de resposta, o círculo judicial. Círculo judicial no qual há que fazer convergir, então sim, optimizando o sistema, todos os instrumentos indispensáveis a uma moderna administração da justiça, instrumentos de reinserção social, qualidades específicas de investigação criminal, novas filosofias e instrumentos de medicina legal, tudo o que se prenda com o serviço social dos tribunais - a peritagem, consultadoria jurídica especializada e tecnicamente preparada, a informática a servir como instrumento de mobilização e celeridade de resposta; a documentação actualizada, permitindo, por isso, que a resposta dos tribunais seja também actualizada à evolução que no domínio do espírito e do pensamento se vai verificando, formação de quadros e abertura à comunidade.