O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

11 DE MAIO DE 1990 2451

Este era o desafio e era fundamental que o círculo judicial se assumisse, ele mesmo, como uma qualidade acrescida. E para se assumir como qualidade acrescida foram criados, e aí estão!, os tribunais de círculo.
É importante referir que os tribunais de círculo não foram, nem devem ser, tidos nunca como uma essência em si mesmos considerados. Não importa discutir os tribunais de círculo analisando a bondade ou a falta de bondade deles próprios em si mesmos considerados, mas vê-los também como mais uma peça, uma outra, um outro instrumento de qualidade acrescida nessa globalidade interinstitucional que tem no Centro de Estudos Judiciários o núcleo fundamental.
E os tribunais de círculo foram criados. Ao longo de cerca de dois anos de funcionamento pôde o Governo verificar que, por esta ou por aquela razão, porventura por razões mais próprias daquilo que é um valor inelutável, que é o da independência do próprio magistrado, se geraram conflitos negativos de competência e, por via destes, o sistema voltou a não responder com a celeridade desejada e, ao mesmo tempo, bloqueou parcialmente o funcionamento que até aí vinha existindo.
A questão que se punha era então a de saber se se deveria optar pela facilidade, inverter a filosofia e voltar, com passadas de sendeiro, à velha comarca, ao velho Café República, à tarde prasenteira de Teixeira Gomes, ou se, pelo contrário, era importante assumir a necessidade de inverter interpretativamente o diploma e trazer aqui, claramente demonstrada, a ideia firme de que o Governo está disposto a modificar estruturalmente o sistema para que, no fim, modificado ele e operacionalisado, possamos ter a tranquilidade de espírito e a coragem moral de termos sido nós a geração que, posta perante a necessidade de mudar, não olhou a mudança contemplativamente, como se fosse alvo de um discurso esotérico, mas assumiu-a de «mangas arregaçadas», assumindo por isso também moralmente aquilo que são os destinos e a força representativa de quem exerce a função política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E é por isso mesmo que aqui está o Governo dizendo que alguma coisa não correu bem, assumindo publicamente que assim foi e assumindo por sua própria iniciativa e risco, agora, a necessidade de mudar.
Apresentámos à Assembleia da República uma proposta de lei de natureza sobretudo interpretativa que vai pretender e, na nossa esperança, conduzir à realidade diversa que é agora aquela que vai, no fundo, consubstanciar--se em tribunais de círculo realmente instalados de modo a permitirem que entre eles e as comarcas se não multipliquem os conflitos de competência e que, portanto, eles próprios surjam também no sistema como uma realidade de qualidade acrescida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por eles se avançará na celeridade de resposta do sistema, por eles se avançará no aumento dos instrumentos de qualidade da administração da justiça e com eles, por isso, seremos capazes de nos rever num quadro judicial à medida do nosso tempo e à medida do nosso espírito.
Poderia, nesta primeira intervenção, ter-se o Governo refugiado numa análise puramente técnica de natureza estritamente jurídica sobre o conteúdo do diploma, ele próprio um diploma essencialmente jurídico. Todavia isso não era correcto e à estratégia que o diploma encerra era importante acrescentar uma ética política de discussão. O que está em causa, no fundo, não é analisar a bondade técnica deste diploma, mas sim abrir a todo o Parlamento e, por isso, ao povo português a discussão sobre o círculo judicial e sobre esta mudança estrutural de funcionamento do sistema judiciário que é o seu.
É bom que não nos esqueçamos nunca de que os tribunais administram a justiça em nome do povo e que é, portanto, necessário que seja a partir da voz do povo que eles encontram os caminhos concretos da organização da justiça que lhes cabe administrar.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): -Muito bem!

O Sr. João Salgado (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Seria por isso mais fácil, do ponto de vista da pura estratégia política, argumentar na técnica e esconder a ética, mas é para nós mais fácil trazer a ética e deixar que a estratégia seja apenas um elemento de simples diversão relativamente àquela.
E por isso que aqui estamos para vos propor este desafio, que é de todos, porque é colectivo, de intervirmos definitivamente no sistema judiciário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podemos permitir, na nossa geração de homens, de mulheres, de políticos, que o sistema judiciário português continue a ser essa monumental sala de espera de uma mudança que nunca chega, sendo certo que, ainda por cima, o paradoxo vai tão longe que nós somos simultaneamente quem aguarda contemplativamente na sala de espera e, ao mesmo tempo, quem assume a responsabilidade de fazer a mudança.
É esta, no fundo, a alternativa que proponho a cada um de vós: continuamos à espera, a discursar sobre a mudança que os outros não fizeram, ou vamos assumir claramente o risco - que há sempre risco! - de sermos nós, a partir desta Casa e a partir das nossas consciências, a fazer a mudança real que o sistema judicial português exige em nome do cidadão, que nós somos e que representamos?

Aplausos do PSD, do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais saiu desta Câmara ajoujada ao peso de inúmeras críticas, algumas das quais, então consideradas espúrias, acabam de ser assumidas pelo seu discurso.
A verdade é que a malha tramitacional era labiríntica, permitia disfuncionalidades a montante e a jusante, e a realidade aí veio demonstrar, através da pulverização dos conflitos negativos de competência, que muito urgia ter considerado na matriz originária, aquando do processo legiferador. Não se fez tal e a experiência é demonstrativa de situações que, a muitos níveis, podemos e elevemos considerar escabrosas.
O exemplo do juiz de Penafiel que tinha de deslocar-se do Porto e cujos processos andavam com um atraso de quatro anos, porque apenas se movimentava andando à boleia, é apenas sintomático de um quadro em que as