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24 DE MAIO DE 1991 2689

garantisse o pluralismo, o rigor e a isenção que o Governo reconhece serem indispensáveis, mas que ele próprio nega e combate através da sua prática quotidiana.
A governamentalização da RTP atinge um nível inédito nestas vésperas de uma prolongada campanha eleitoral. Todos sabemos que os resultados do processo em curso pesarão decisivamente no rumo de Portugal na viragem do século. Entretanto, o Governo, através de uma governamentalização massacrante dos media sob seu controlo, faz exactamente o contrário daquilo que proclama ser o seu objectivo político e ético.
A televisão funciona já como se fosse uma peça da máquina eleitoral do PSD, projectando diariamente a imagem de um país próspero, em crescimento galopante, uma terra paradisíaca onde o povo vive feliz numa atmosfera de estabilidade e justiça social, sob a sábia direcção de um governo constituído por autênticos especialistas na arte de bem governar.

O Sr. Adérito Campos (PSD):-É verdade!

O Orador: - A cascata de inaugurações e reinaugurações e de preâmbulos a futuras inaugurações assusta pelo volume, prometendo uma inundação estival e outonal.
O Primeiro-Ministro, vocacionado para cumprir, mais uma vez, o papel de grande eleitor do PSD, adopta um estilo de contornos realengos, caracterizado pela omnisciência e pelo distanciamento magestático. Começa, inclusive, a ensaiar a governamentalização da própria Presidência da República.
A estrutura institucional do País é democrática, mas o movimento, a praxis da engrenagem governamental sabota-lhe, cada vez mais, o funcionamento.
Como qualificar, Srs. Deputados, o procedimento de um Executivo que se diz fortemente empenhado em garantir a pluralidade na televisão, mas a hegemoniza, atafulhando os telejornais com os discursos, os passeios e as entrevistas de ministros e secretários de Estado em permanente e quase alucinatório caravanear por esse País fora?
Que autoridade moral, Srs. Deputados, pode ter um primeiro-ministro que insiste em acusar a oposição de demagógica e pouco séria, mas aproveita a visita a um clube de campismo para oferecer aos seus dirigentes, perante as câmaras de televisão e sob um coro de palmas, um cheque de 50 000 contos? Que conceito de política e de democracia é o subjacente a actos comicieiros, como esse, orientados para a compra filmada do voto popular?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No seu último relatório sobre a comunicação social no mundo, a UNESCO lançou, já no ano corrente, uma advertência preocupante, que passo a citar: «o factor que, mais do que qualquer outro, modificou a base económica dos mass media foi a fusão de empresas de mass media com outros sectores da indústria de informação, através de um processo de racionalização e concentração, no qual as grandes firmas, os grupos e as transnacionais se envolveram amplamente».
A capacidade decisória dessas poderosas engrenagens é cada vez mais determinante em sociedades para as quais o governo de Cavaco Silva olha como modelos a imitar. O fenómeno assume características assustadoras, e Portugal já começou a ser atingido pelo mal.
Por isso mesmo, Srs. Deputados, considero oportuno protestar aqui contra o desfecho do processo de privatização do Diário de Notícias por configurar um escândalo que deixará marcas na memória colectiva do nosso povo: um escândalo político, social, económico, mediático. O Governo lava as mãos, apresenta-se como espectador, mas efectivamente tutelou um processo que desembocou no controlo pelo grupo económico Lusomundo do Jornal de Notícias, do Comércio do Porto e do Diário de Notícias.
Que é feito, pergunto, da prioridade que, de acordo com o programa do governo PSD, deveriam ter no processo privatizador as cooperativas de trabalhadores? O resultado está à vista.
Mais uma vez o chamado capitalismo popular falhou ao ser submetido à prova da verdade. Os trabalhadores do Diário de Notícias não ficaram na posse dos lotes de acções que teoricamente, na grande encenação, lhes eram destinadas. O Governo viu atingido o seu objectivo.
Está de parabéns, no dizer do Secretário de Estado das Finanças. E porquê? É impossível esconder a evidência. O Governo festeja como um êxito o resultado do seu leilão e a Lusomundo juntou ao seu império mediático um jornal lucrativo, o último dos jornais nacionalizados pela Revolução de Abril, o único dos grandes diários portugueses cuja linha editorial oferecia garantias de uma relativa isenção.
O panorama da futura TV privada não é mais tranquilizador. A simples composição dos grupos que concorreram aos dois canais em leilão permite avaliar o perigo de situações similares às denunciadas pela UNESCO.
Anos atrás, assistimos ao escândalo da passagem dos gestores de bancos nacionalizados para os conselhos de administração de bancos privados, cuja criação foi financiada pelos primeiros. Agora vemos um antigo presidente do conselho de gestão da RTP a concorrer à televisão privada.
Somos um país pequeno, atrasado e pobre. Mas a ambição de grupos de vocação monopolista, como a Lusomundo, senhora do Diário de Notícias, do Jornal de Notícias e do Comércio do Porto, e a impaciência gulosa dos grupos económicos que disputam a televisão confirmam que também em Portugal está em formação, com ramificações internacionais, uma engrenagem mediática que perverte a democracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não desejo para Portugal uma situação como a existente nos Estados Unidos da América, e não só, onde nos conselhos de administração das maiores cadeias de televisão e na direcção dos grandes jornais do establishment encontramos hoje instaladas eminentes figuras públicas que passaram do Departamento de Estado e do Departamento de Defesa, por vezes da chefia de ambos, incluindo ex-secretários de Estado e subsecretários, para a direcção do complexo mediático e de gigantescas indústrias que assumiram o controlo da informação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 199/V, que transforma a RTP em sociedade anónima, não é iniciativa parlamentar tendente a salvaguardar a pluralidade do serviço público de televisão. Identifico nela, sim, mais um passo na escalada do Governo para impor à comunicação social uma política que, longe de assegurar o pluralismo e a isenção daquele serviço público, a impeça, reforçando a estratégia da governamentalização dos media, num contexto caracterizado pelo poder crescente de grupos mediáticos, cuja actividade e ambições são incompatíveis com o funcionamento da democracia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encerrado o debate conjunto, na generalidade, do projecto de lei n.º 652/V (PS) e da proposta de lei n.º 199/V, vamos passar ao período de votações.