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24 DE MAIO DE 1991 2685

deveria incidir, fundamentalmente, na forma como eram seleccionados os órgãos sociais da empresa ou na origem dos elementos que os compõem.
Por isso, previsível se tornava que este debate se viesse a concentrar na composição dos órgãos de gestão, não sendo, portanto, de surpreender que as propostas hoje em discussão divirjam essencialmente nesta matéria.
Entendemos que, infelizmente, as causas da governamentalização da RTP têm sido consideradas de uma forma demasiadamente simplista, não cabendo, na nossa óptica, aos actuais estatutos da RTP toda a responsabilidade pelos sintomas de dependência da televisão pública face ao Governo com os notórios desvios à paridade político-partidária e à discricionaridade dos critérios informativos.
De facto, a impunidade perante os conhecidos atentados aos princípios mais elementares da democracia, da liberdade de expressão e de informação dentro da RTP devem-se, essencialmente, a cinco ordens de factores: à inexistência de concorrência por parte do sector privado; à inexistência de uma opinião pública forte, consciente e crítica que pressione o poder no sentido de cumprir e fazer cumprir a legalidade; à inexistência de um órgão credível - no caso a Alta Autoridade para a Comunicação Social - que constitua garante do direito à informação e à independência dos meios de comunicação social perante o poder político e económico.
Não podemos deixar aqui de referir que a constituição desta anacrónica Alta Autoridade -com grande responsabilização do PS, que não pode ser escamoteada - terá sido o mais rude golpe à democracia e à liberdade de imprensa.
O quarto factor tem a ver com a ineficácia e insuficiência dos mecanismos de controlo do Estado democrático, nomeadamente a Assembleia da República, que viu ferozmente reduzida a sua capacidade de fiscalizar por via desta maioria absoluta.
Por fim, a proliferação da instabilidade laboral no seio dos profissionais de comunicação social, conducente ao enfraquecimento da classe com evidente prejuízo para o exercício, em condições de independência, dos mais elementares direitos, como sejam a liberdade de informar e a liberdade de expressão.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é nosso entendimento que o modelo dos órgãos de gestão que vierem a ser adoptados para a RTP não são determinantes para a independência deste órgão de comunicação social face aos vários poderes.
Nem o modelo preconizado pelo Partido Socialista nem tão-pouco a proposta de lei são fórmulas que, só por si, assegurem a isenção e o rigor, como, de resto, o têm comprovado as várias experiências europeias.
Não existindo um espírito enraizado na sociedade civil e política de respeito moral e ética democráticas não há estatuto que resolva o problema!
Desenganemo-nos, pois, quanto ao alcance, importância e resultados destas iniciativas hoje em discussão. O debate continua necessário e mesmo imprescindível, não obstante a alteração dos estatutos da RTP.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ultrapassado este equívoco, cabe agora concentrarmo-nos sobre a questão fundamental deste debate, isto é, se entendemos ou não que a RTP deve ser transformada em sociedade anónima.
De facto, trata-se da primeira vez que a Assembleia da República tem oportunidade de debruçar-se sobre a passagem de uma empresa pública a sociedade anónima, tendo a personalidade jurídica de todas as outras empresas públicas sido transformada através de decreto-lei.
Em primeiro lugar, queremos deixar claro que defendemos que a RTP deve ser transformada em sociedade anónima. Assim, no nosso entender, o modelo proposto pelo Governo, de resto à semelhança do que se tem adoptado para o sector público, é o adequado numa realidade em que, a curto prazo, coexistirão operadores privados e públicos.
Essa nova condição jurídica potência as capacidades de competição no mercado da televisão pública, exigíveis face às concorrentes privadas, salvaguardando, pelo menos teoricamente, uma gestão competente e eficaz do sector público de televisão.
Sendo esta a nossa opção, é óbvio que os órgãos sociais da empresa terão que adequar-se àquilo que se encontra legislado em sede de Código das Sociedades Comerciais, não havendo, portanto, na proposta de lei qualquer desvio ao regime jurídico português.
Dessa forma, enquanto sociedade anónima, a RTP terá forçosamente, como órgão social, uma assembleia geral constituída pelos sócios, não sendo possível, ao abrigo das disposições legais, adoptar para a RTP, S. A., um conselho geral com as características que o Partido Socialista propõe.
É, de resto, nesta matéria que os dois diplomas são irremediavelmente inconciliáveis. De facto, a transformação da RTP em sociedade anónima, implica, por imperativos legais, a rejeição do tipo de gestão avançado no projecto de lei apresentado pelo PS.
No entanto, o projecto de lei n.º 625/V tem consagrados aspectos relevantíssimos que, incompreensivelmente, são omissos na proposta de lei. À semelhança do que se passa quanto à legislação relativa ao regime de actividade de televisão no território nacional, o Governo persiste em «esquecer» as referências à constituição dos conselhos de redacção dentro da empresa, bem como as referências aos direitos e deveres dos jornalistas.
Por outro lado, o projecto de lei socialista, nesta matéria, é utilmente explícito e responde de uma forma adequada, no nosso entender, às formas de laxismo deontológico proporcionado pela inexistência de previsão legal explícita.
É, pois, dever do Grupo Parlamentar do PSD tomar como suas as disposições propostas pelo projecto de lei apresentado pelo PS, em sede de direitos e deveres dos trabalhadores, sob pena de fundada suspeita de conivência, cumplicidade e incentivo, por parte do vosso partido, às violações das mais elementares regras éticas e morais do código deontológico dos jornalistas.
Mas a proposta de lei carece ainda de outras alterações. Embora o estatuto de sociedade anónima obrigue a RTP a uma composição específica dos seus órgãos sociais é possível desenvolver mecanismos que, dentro da empresa, «criem condições de independência perante os poderes públicos e assegurem a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião».
Inclui-se dentro desses mecanismos um reforço substancial dos poderes do conselho consultivo, previsto na proposta de lei, no sentido de toma-lo parceiro mais activo e interveniente nas decisões da empresa.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma vez justificada a nossa posição em relação aos diplomas em análise não podemos deixar de trazer ao debate situações que, pela sua gravidade, nos suscitam temor quanto à sobrevivência dos princípios fundamentais da democracia.