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2368 I SÉRIE - NÚMERO 75

A Assembleia da República curva-se perante a excepcional figura pública de Francisco Sousa Tavares e apresenta à família sentidas condolências.

O Sr. Presidente: - Para se pronunciar sobre ò voto, tem, em primeiro lugar, a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Combate Desigual é o título do volume em que Francisco Sousa Tavares reuniu algumas das suas intervenções. Toda a sua vida foi, aliás, um combate desigual.

Porque era um homem livre e, de certo modo, um homem só, incapaz de obediência, insusceptível de arregimentação, havia nele um D. Quixote sem contraponto de Sancho Pança. Parecia, por vezes, um cavaleiro de outras eras, remetendo contra tudo e contra todos em defesa da sua dama de sempre: a liberdade, não apenas a liberdade de falar, de escrever e de votar mas também a liberdade de ser ele próprio.

Nunca ficou aquém; foi sempre além, foi sempre brasa, foi sempre excesso! Queimou-se muitas vezes no seu próprio fogo, mas nunca deixou de dar sinal nos combatentes contra a ditadura salazarista, na revolta da Sé, nas eleições de 1969, em que foi candidato pela CEUD, nó apoio às primeiras tentativas de luta directa contra o regime, em múltiplas intervenções, que por três vezes ò levaram aos cárceres da PIDE, no próprio, dia 25 de Abril, em que, de megafone em punho, foi um combatente civil da revolução, colaborando directamente com o capitão Salgueiro Maia, e, depois, na difícil, exaltante e sinuosa via de institucionalização da democracia.

Monárquico, serviu a República nesta Casa, onde deixou a marca do seu estilo inconfundível, dos seus improvisos, dos seus repentes e também do seu saber e da sua paixão por Portugal.

Homem de causas, mais que de partido, dele se esperavam sempre mais a revolta e a desobediência que o alinhamento e a disciplina. Porque esta era também uma das suas características (senão uma virtude), num País onde se repete tantas vezes a tentação de transformar os cidadãos em súbditos, Francisco Sousa Tavares nunca foi súbdito de ninguém. Foi, corajosamente, indisciplinado e, civicamente, um indisciplinador de almas. Homens assim são sempre incómodos, mas é difícil viver sem eles! São uma espécie de alibi para a preguiça, o conformismo ou o medo dos outros. Com Francisco Sousa Tavares podíamos dormir descansados. Todos sabíamos que, quando alguma injustiça ferisse gravemente a nossa consciência, lá estava ele de pena em punho, cavaleiro andante da indignação, do protesto e da recusa. Ainda recentemente para afirmar com excesso, que era a sua própria alma, a revolta e a cólera contra a decisão do Tribunal Militar, que recusou ao herói da liberdade Salgueiro Maia a pensão atribuída a dois agentes da tirania salazarista.

Indignar-se e indignar era, como queria o poeta, o seu signo diário como jornalista, como Deputado, como cidadão. Homem de controvérsia e de polémica, não cabia em nenhum rótulo, em nenhum dogma, em nenhum espartilho. De si próprio, como Sá de Miranda, algumas vezes poderia ter dito: «Comigo me desavim, sou posto em todo o perigo, não posso viver comigo nem posso fugir de mim.»

Este foi um ano muito triste para Portugal! Temos vindo a perder algumas personalidades que moldaram a nossa vida política e cultural e marcaram profundamente a nossa afectividade.

Francisco Sousa Tavares, de quem tive o privilégio de ser amigo, entrou agora no reino do imaginário colectivo. Não consigo vê-lo parado e adormecido; vejo-o partir como quem vai para um novo combate. Algures, lá, nem sei onde, ele está por certo a desordenar, mais uma vez, a ordem estabelecida.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Amaral.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na linha de pensamento definida pelo grande poeta do nosso Parlamento e meu amigo Manuel Alegre, eu haveria de dizer que estamos em «ano negro» de perdas sem remédio. Parece que 1993 é ano de ceifa dos melhores. Com que tristeza o reconheço e lamento!...

Quis a fatalidade do destino que desta vez fosse levado na voragem o nosso companheiro e amigo Francisco Sousa Tavares. Caiu num combate desigual. Espírito irrequieto, insubmisso, independente e livre, jornalista e articulista de elevados méritos, onde ressalta a força coerente de um vivo e vigoroso polemizar, os seus admiráveis escritos possuem a inteireza da paixão, no amor pela verdade. Por ela foi incómodo, cáustico e directo na apreciação de factos e comportamentos, mas sempre teve a fina sensibilidade de um humanismo profundo a dominar os voos largos do seu pensamento, onde a lucidez se impunha ao respeito de quem o lia e a admiração de quem tinha o privilégio de contactá-lo. Inteligente e culto, fazia de cada ideia séria uma bandeira a orientar os seus rumos. Um intrépido na polémica, firme na serenidade dos seus juízos, viveu apaixonadamente os sobressaltos de uma vida inquieta, marcando um rasto, que é percurso destinado aos intelectuais que se situam acima, ao lado ou à frente, mas sempre para além dos homens comuns.

Passou por aqui e deixou marcas da sua irreverência saudável de homem livre; passou pelo Governo e abriu perspectivas novas no espaço da concepção da qualidade de vida com que sonhámos; passou pelos caminhos da comunicação social e abriu novos rumos na defesa dos direitos dos cidadãos. Neles deixou a marca imperecível de um carácter e de uma inteligência que enriqueceram, em muito, o nosso património moral.

Perdemo-lo agora do nosso convívio, mas estou certo de que a memória colectiva do povo que somos guardará com respeito e ternura a lembrança de Francisco Sousa Tavares. É que para nós, felizmente portugueses, nunca se apagam da nossa lembrança aqueles que da vida deram um largo e profundo testemunho.

Por isso, nós associamo-nos muito sentidamente ao voto de pesar apresentado.

Glória ao seu nome, honra à sua memória e paz à sua alma!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, quero associar-me ao voto de pesar apresentado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República e subscrito por todos os grupos parlamentares.