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26 de Abril de 1994 2063

que "sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança".
Viva o 25 de Abril!

Aplausos do PS, do PCP e do Deputado independente Raúl Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, na qualidade de representante do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Ilustres Convidados, Srs. Deputados: Comemoramos hoje, com as maiores galas da nossa praxe, a passagem do vigésimo aniversário do 25 de Abril e fazemo-lo aqui, na Assembleia da República, com a consciência de que, para além das crises sentidas e das reformas desejadas, para além da detracção e do "pensamento decadentista", é sobretudo nesta Casa que se legitima uma especial reflexão sobre a democracia portuguesa ou sobre o futuro de Portugal.
A preparação da nossa liturgia, já antiga, foi, mais uma vez, castigada com aquela quase desesperante preocupação de evitar o desdouro que o tempo e a ritualidade das festividades oficiais emprestam quase sempre à celebração das mais relevantes datas da nossa História.
Desta vez, além do mais, a comunicação social precedeu-nos, fazendo um enorme esforço de esclarecimento e debate e gerando profusas controvérsias, indignações, recordações, justificações, revelações e enganos.
Reconheça-se que a polémica nunca tinha chegado tão longe e que a regra tem sido, estritamente quanto ao juízo sobre a importância da Revolução, a da quase unanimidade das opiniões expressas. Este ano não foi assim e alguns reflectem mesmo sobre a possibilidade de ter ocorrido uma mudança brusca da consciência colectiva, quando a experiência ensina que estas mudanças só lentamente vão atravessando as gerações.
Sosseguem os tutores da memória colectiva. Em 1994, o País não mudou especialmente o seu juízo sobre o processo de construção da democracia portuguesa, se descontarmos o impacto que algumas revelações ou confirmações produziram na mente dos observadores ou dos actores políticos mais eruditos. Aconteceu simplesmente que houve condições para que se defrontassem publicamente e sem restrições os entusiastas, os cépticos e os adversários do 25 de Abril, sendo que a participação destes últimos constituiu uma indisfarçável novidade.
Para nós, de facto, a evocação deste aniversário do 25 de Abril trouxe alguns diferentes processos comunicativos - uns, mais felizes, outros, menos conseguidos -, mas todos são consequência do estádio actual de um dos maiores sucessos destes últimos 20 anos. Refiro-me, como é óbvio, à liberdade de expressão e, especialmente, ao seu mais eficaz instrumento, o pluralismo dos meios de comunicação social.
Alguns ficaram chocados por assistirem à possibilidade de escutar as justificações e mesmo as convicções de alguns responsáveis do antigo regime. Ultrapassando a legitimidade da sua indignação individual, julgaram entrever um temível processo em que a comunicação social seria o agente capaz de produzir o que chamam de branqueamento da História. Mas essa indignação assume, por vezes, um inconfessável desejo de tutela da consciência, a qual querem poupar ao que consideram alienação. Alguns destes indignados, mesmo quando são - e são muitas vezes - inconfundíveis defensores da liberdade, esquecem que, na sua crítica da comunicação social ou na formatação alternativa que meticulosamente sugerem para os programas televisivos a que assistimos, revelam ou deixam transparecer uma sombra de transigência com alguma censura. Ora, o facto é que, existindo - como existe - a liberdade de intervenção política, de contradita, de esclarecimento, estando a sociedade portuguesa em óbvias condições de reacção e de sentido crítico, não choca mais a difusão da justificação dos culpados do que as célebres proibições da apresentação de imagens de arquivo sobre o antigo regime, ditadas pelos cuidadosos gestores do PREC para a eliminação científica de qualquer saudosismo menos ortodoxo. Alguém julga, ainda, em Portugal, que a História muda o seu curso com o simples virar das faces dos retratos para a parede?
Se se pode ver algum sinal neste novo ambiente, esse é seguramente o de que o tempo e o povo concorrem, inexorávelmente, para desvalorizar os créditos mais antigos dos políticos. O povo respeita o passado, mas não vive de memórias e nenhum político construa a sua carreira na convicção de que são suficientes - ainda que heróicos e sublimes (e são muitas vezes heróicos e sublimes) - os seus sofrimentos com exílios ou prisões.
Aliás, valha a verdade, alguns dos que hoje mais se indignam chegaram a metamorfosear-se de vítimas em culpados, de tal modo procuraram estabelecer um regime restritivo em matéria de liberdade, de escolhas e de futuro.
O ambiente mudou, talvez, só porque os cidadãos já se não bastam com a autoridade das vítimas nem exigem a contrição em silêncio dos culpados. Preocupa-os porventura menos o conhecimento exacto da autoria e da responsabilidade do 24 e do 25 de Abril do que o conhecimento do futuro que lhe preparam e do novo País que os políticos vão antecipando. Talvez por isso mesmo vejam o lado positivo da Revolução menos no seu papel instantâneo de conditio sine qua non do estádio actual da democracia e mais no processo de construção de um novo destino para Portugal. Talvez por isso, também, quase todos nós, nesta data, ao longo dos anos, fomos fazendo aqui sobretudo discursos de futuro. Com certeza, é por isso ainda, que, se a avareza do tempo desta cerimónia consentisse longas reflexões históricas, eu escolheria seguramente o tema da importância determinante das figuras civis que a História privilegiará, como Mário Soares, Sá Carneiro e Freitas do Amaral.
Há ainda, porventura, um motivo suplementar para que, desta vez, a nossa liturgia exija um especial cuidado. Não é tanto a magia das duas décadas completas, mas especialmente a consciência - sentida, em primeiro lugar, pelo Sr. Presidente da República -, de que há já uma geração com discernimento político e capacidade eleitoral, para a qual o 25 de Abril corre o risco de significar apenas o que resulta das reconstituições dos programas de televisão ou dos manuais escolares.
Os políticos não podem legar a essa geração uma História escrita pelo seu próprio punho, sobretudo porque, como se tem visto, não estamos ainda de acordo sobre a versão do passado.
Não sei a que liras essa geração, que é ainda a minha, irá estar mais atenta. Decerto que ouvirá a nota exaltada das vítimas do anterior regime; decerto ouvirá dedilhar a corda paternalista dos que resumem tudo