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30 DE JUNHO DE 1994 2735

tos que acaba de me atribuir, uma vez que o relatório é bastante extenso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Coube à proposta de lei n.º 92/VI na Assembleia da República um destino que não foi pacato nem sossegado, até este momento da subida a Plenário.
Chegada à 1.ª Comissão, um grupo de trabalho que integra deputados de todos os grupos parlamentares foi especificamente encarregue do seu trânsito nesta Casa.
Por iniciativa da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias ou a solicitação externa, ocorreram audições sobre a reforma do Código Penal com as seguintes entidades: Ministro da Justiça; Comissão Revisora do Código Penal, de que será permitido realçar o seu Presidente, Professor Doutor Jorge de Figueiredo Dias; Ordem dos Advogados; Conselho Superior de Magistratura; Sindicato dos Magistrados do Ministério Público; Associação Sindical dos Juízes Portugueses; Associação para o Planeamento da Família; Grupo de Trabalho de Psiquiatria Forense; Sindicato dos Jornalistas; Associação Portuguesa dos Direitos do Cidadão; Forum Justiça e Liberdades.
Todas as entidades que nisso manifestaram interesse foram ouvidas pela Assembleia da República sobre a reforma do Código Penal.
O Grupo de Trabalho organizou um Colóquio Parlamentar, que ocorreu em 27 de Maio de 1994 com o patrocínio do Presidente da Assembleia da República e no qual intervieram universitários, magistrados e advogados.
Está deste modo a Assembleia da República em condições de emitir um juízo político sobre a reforma do Código Penal que beneficia destas circunstâncias.
E crê a relatora ir ao encontro da opinião dos Deputados que participaram nesta incumbência dizendo que o trânsito parlamentar da reforma do Código Penal foi técnica e politicamente gratificante e tem elevação e profundidade susceptíveis de lhe dar lugar de relevo no conjunto dos trabalhos desta sessão legislativa, contribuindo deste modo para a valorização da Assembleia da República nesta Legislatura em que ocorreu já uma Reforma do Parlamento.
O relatório procurou evidenciar os princípios mais importantes que a Reforma consagra e que passo a enunciar: o princípio de que não há crimes nem penas sem culpa e de que a medida da pena aplicável não pode nunca exorbitar a culpa do agente no seu agir criminoso; o princípio de que as medidas de segurança se aplicarão de acordo com a gravidade do facto ilícito ocorrido e com a perigosidade de quem a praticou; o princípio de que não se punem atitudes meramente reveladoras de opções sociais ou de concepções morais, mas tão-só aqueles comportamentos susceptíveis de lesar bens jurídicos e de provocar danos à comunidade; o princípio de que a determinação da pena deve ter no seu horizonte o objectivo de reintegrar o condenado na comunidade a que pertence, de que a sua execução será digna e tão pouco estigmatizante e criminógena quanto possível.
São princípios de política criminal que têm subjacente a dignidade da pessoa humana que a Constituição da República Portuguesa reconhece desde 1976 e que impregna também o Tratado da União Europeia, designadamente através dos seus artigos B e F. São princípios de política criminal ancorados num modelo de sociedade aberta e pluralista, que assume, com tranquilidade, uma atitude neutra perante tudo o que se limita a exprimir convicções, desde que essa atitude não agrida os valores da convivência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Qualquer alteração marcante ao Direito Penal traz incita uma proposta de contrato de cidadania. Sabemo-lo na Europa, pelo menos desde 1764, ano em que um livro anónimo e sem indicação de editor veio a lume, em Livónia, para dizer que não há Direito Penal democrático que não se descomprometa de concepções religiosas e de fundamentalismos éticos; que não há Direito Penal democrático que esqueça o princípio da legalidade e ignore o princípio da reparação dos poderes.
Deste modo, afirmava o Marquês de Beccaria, longe da perseguição da sua terra natal, Milão, que as leis penais boas são as que não sejam politicamente assépticas. E dizemos nós hoje: as boas leis penais não se querem político-partidariamente comprometidas mas, sim, comprometidas com a democracia, a nacionalidade, a racionalidade e a tolerância.
É o espírito deste livro de Beccaria, o qual pretendia, modestamente, ser um texto de combate de ideias e acabou por ser muito mais do que isso, que impregna os melhores textos legais desde então.
A reforma é, seguramente, um desses textos, do qual se sabe o modelo social que preconiza e o que rejeita. Coloca o rigor científico ao serviço desse objectivo. Não terá nunca o destino daquele outro texto, excelente também, mas apenas literariamente, de que falou Jorge Luís Borges nos Teólogos, era um texto límpido e claro, que podia ter sido escrito por qualquer homem ou por todos os homens, e veio a representar afinal, num contexto, a máxima ortodoxia e, noutro diferente, a máxima heresia.
Mas a reforma penal está incólume a esse risco, principalmente porque vincou no conjunto das normas que propõe um modelo de universo social onde cabe cada vez menos protagonismo para os hereges e ortodoxos. Aliás - acrescentamos nós -, a consciência crítica dos cidadãos, na sua insondável sabedoria, como a do «Deus » de Jorge Luís Borges, se preocupará, do ponto de vista político, com coisas bem mais importantes do que os palcos em que eles, os ortodoxos e os hereges, se movem e, muito provavelmente, os distinguirá cada vez menos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça. Informo-o de que, como autor da proposta de lei, dispõe de 5 minutos, sendo o tempo remanescente descontado no atribuído ao Governo para este debate.

O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um debate sobre o Código Penal interpela-nos, necessariamente, a uma reflexão mais profunda, ao encontro da nossa atitude perante o mundo e a vida, das nossas concepções sobre o homem, das nossas convicções sobre a sociedade, no seu conjunto, a sua organização e os seus modelos de funcionamento.
É por isso um debate que se não prende apenas em torno de um texto legislativo mas que nos leva à profundidade da indagação cultural, à sua ligação com as exigências antropológicas de um povo e que nos permite a possibilidade de elaborar o diagnóstico sobre o estado civilizacional desse mesmo povo.
Permita-se-me, por isso, que seja com honra que subo a esta tribuna para, em nome do Governo português, apresentar à Assembleia da República a proposta de lei cujo debate, agora, em Plenário se inicia. Mas que, ao assumir essa honra, o não faça escondendo aquilo que, neste momento e lugar, me parece, hoje, essencial como acto de justiça e que é justamente a homenagem pública devida a