30 DE JUNHO DE 1994 2737
reito Criminal e aquela outra, a criminalidade de consenso, a menos grave, para a qual urge, como por toda a parte vai acontecendo, a adopção de um conjunto de medidas alternativas para que o Direito Penal assuma, na globalidade da sua intervenção, o espaço próprio de humanismo que deve sempre presidir à sua própria legitimação política mas ao mesmo tempo de capacidade de actuação preventiva, por via de intervenção mais rigorosa nos domínios da criminalidade mais violenta.
Segunda conclusão essencial, a que nos permite privilegiar na revisão três pontos essenciais: o que se refere à área de todos os crimes contra as pessoas e que aqui têm de ser analisados justamente na perspectiva que o diagnóstico inicial nos propõe, de prevenir um aumento da criminalidade urbana violenta contra as pessoas; o que privilegia a área dos novos crimes resultantes da própria dinâmica social e da consolidação de outro tipo de comportamentos que negam outro tipo de valores, reconhecidos hoje como valores definitivamente aceites nas sociedades e nas democracias modernas; e o da afoitesa na adopção de medidas alternativas à pena de prisão, como forma de garantir a resposta preventiva à referida criminalidade de consenso.
Como pano de fundo da reforma, temos a tradição jurídico-penal portuguesa. Portugal foi o primeiro país europeu a abolir a pena de morte. Todos sabemos que, nesse momento, Victor Hugo escreveu às Cortes portuguesas dizendo que Portugal havia inscrito na sua História dois momentos imorredoiros: o das Descobertas e o da abolição da pena de morte.
Portugal veio a ser, depois, o primeiro país a abolir a prisão perpétua. Daqui recebemos todos, os que nos antecederam e, certamente, também os que se nos seguirão, uma herança de um património cultural e histórico que nos compromete com o presente e com o passado, em nome de um futuro cultural que soubemos construir como povo. E não vale a pena restringir apenas a questão à temática - felizmente, creio bem que ultrapassada entre nós - da pena de morte ou da prisão perpétua mas, sim, à questão daquilo que foi sempre, como aquisição cultural de um povo inteiro, a nossa capacidade de reprimir onde há que reprimir, fazendo-o embora com o espírito reabilitador e de tolerância que permitiu que Portugal fosse simultaneamente o país que, tendo menos medidas repressivas no combate à criminalidade, soube ser, como continua a saber ser, aquele com menor taxa de criminalidade na Europa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Este património histórico-cultural é do País, é do povo, não é deste ou daquele partido, é um património de todos nós, que todos temos o dever de respeitar e que, por isso mesmo, com certeza reunirá, nesta proposta de revisão, de alteração, também um espaço alargado de consenso. Não temos, aqui, de aplaudir a proposta, mas de nos aplaudir enquanto povo, enquanto história e enquanto cultura.
Tivemos sempre, desde que os sistemas jurídico-penais são conhecidos, no âmbito de uma dogmática jurídico-penal moderna, penas de multa. Não as inventámos agora nem elas constituem inovação recente. A pena de multa, como medida criminal, tem consagração histórica que conhece mais de um século de existência e de credibilidade do mesmo modo que sempre foi possível, também, nesta perspectiva político-filosófico-cultural, garantir, como há pouco referi, a compatibilização permanente entre justiça, liberdade, segurança e paz social.
Tudo com importantes resultados: uma taxa de criminalidade inferior à taxa média de criminalidade europeia ou inferior à taxa de outros países europeus; diminuição na qualidade da criminalidade, isto é, diminuta criminalidade violenta; garantia, dentro dos limites normais de tolerância democrática, da segurança dos cidadãos e garantia também, e, porventura, sobretudo, do princípio da liberdade individual nas relações intersubjectivas dos cidadãos entre si, destes com a sociedade e de todos com o Estado.
Todavia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há que reconhecer que importa corrigir alguns exageros e que outras medidas urge adoptar. É essencial, no momento em que a interpelação nos vem de fora, quanto à capacidade de afirmar a qualidade da relação dos cidadãos entre si, que acabemos, de uma vez por todas, com esta relação binária entre o Estado e o delinquente e alarguemos, como o actual Código propõe já que se faça, esta relação para o triângulo Estado-delinquente-vítima.
É essencial, custe o que sabemos custar, que sejamos capazes de afirmar que a intervenção do jus puniendi, do direito punitivo do Estado, não é feita por delegação no Estado de um direito de vingança do cidadão ofendido mas por referência a um direito mais global de intervenção na regulação social e não em nome de um qualquer direito de vingança individual.
Por isso, é essencial redignificar o estatuto da vítima. Portugal fê-lo, tradicionalmente, uma vez mais, numa posição de vanguarda, ao criar a figura do assistente em processo penal, que, como sabem, é desconhecida na restante Europa. Mas Portugal fê-lo mais recentemente, connosco, há pouco tempo ainda, relativamente ao desenvolvimento que o próprio Código Penal de 1982 já propunha: a constatação de um direito próprio de indemnização da vítima, a criação da respectiva legislação e a entrada em funcionamento da Comissão de Protecção à Vítima de Crimes Violentos, sendo possível afirmar hoje que, neste momento, foi já atribuído pelo Ministro da Justiça, sob proposta da Comissão, um conjunto de indemnizações que rondam, nesta altura, os 60 000 contos.
É justamente assim, garantindo à vítima de crimes uma protecção especial pelo facto de ser vítima e não a deixando abandonada apenas ao exercício de um ilegítimo direito de vingança, que dignificamos a relação entre os homens, o Direito Penal e, sobretudo, o direito de punir do Estado.
Como pano de fundo da reforma, temos o Código Penal actualmente em vigor.
Como linhas de força, a traço grosso, como convém a esta apresentação, direi que, no plano dos fins das penas, que tanta discussão dogmática levantou, julgo mesmo que no seio da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, não há aqui uma opção por esta ou por aquela consideração doutrinária. É possível, através da interpretação alargada, nomeadamente, do artigo 40.º do projecto, fazer incidir sobre ele, numa perspectiva definidora, hoje, em termos modernos, dos fins das penas, várias das doutrinas que a essa matéria se candidatam.
Aí está afirmada de forma clara a moderna concepção de prevenção geral positiva, a ideia de que, violada uma norma do Direito Criminal, é essencial que a sua reposição imediata responda como forma óbvia de prevenção. É a garantia da validade da norma, através da sua aplicação e da punição de quem a viola, aquela que hoje, modernamente, mais se assume como verdadeiro caminho para uma prevenção eficaz.
Vozes do PSD: - Muito bem!