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516 I SÉRIE -NUMERO 15

gando o âmbito da sua aplicação e definindo um princípio de «necessidade de saber» que permitia o conhecimento das declarações para quem era suposto elas serem abertas e nos casos em que tal se justificava, ou seja, na suspeita de crimes cometidos no exercício de funções públicas.
No entanto, o veto presidencial teve um aspecto positivo mesmo que não intencional: permitiu uma reflexão sobre a filosofia que preside a este tipo de legislação e permitiu mostrar os seus limites e perigos. Mostrou o carácter perverso com que a demagogia pode ser utilizada pela sua fácil popularidade, funcionando em vaso comunicante com ideias antidemocráticas, pondo em causa o sistema político e gerando um conjunto de medidas discriminatórias que não pretendem ter um objecto útil, ou que são ineficazes para garantir ,esse objecto, mas funcionar como sanções ou marcas de suspeita pública, marcas de infâmia, sobre a acção política e os seus actores.
Neste sentido, o PSD aproveita esta oportunidade para suscitar um debate que representa uma alteração significativa da filosofia do tratamento destas questões, ao mesmo tempo, abandonando o carácter discriminatório das medidas punitivas ou limitadoras de direitos e garantindo, também ao mesmo tempo, um eficaz controlo público daquilo que, pela sua natureza pública, deve ser controlado.
A existência de legislação particular que controla a acção política justifica-se apenas quando existir na acção política formas particulares de exercício do poder que permitam abusos e crimes específicos e que não possam ser controlados pela lei geral.
Na legislação portuguesa, como, aliás, nalguma legislação europeia, a legislação sobre o controlo da acção política acaba por não conseguir realizar este desiderato. É discriminatória na restrição de direitos, liberdades e garantias e ineficaz no seu objecto explícito, como, aliás, toda a gente admite.
Mais, e uma never etidmg story (uma história que nunca mais acaba), uma legislação que nunca é satisfatória, que a cada passo que se dá gera uma nova exigência, acabando por dar ao exercício de cargos públicos e aos seus «actores» um atestado de cidadãos de segunda, suspeitos à cabeça de toda uma série de ilegalidades.
Em nenhum país do inundo as propostas como aquelas que hoje se fazem, e a oposição faz, satisfizeram a demagogia. Hoje é o património, amanhã é o património da família (ate que grau não se sabe); hoje são as viagens, amanhã serão as lerias ou a educação dos filhos.
A verdade é que o exercício da acção política nos nossos dias não se limita apenas aos seus mecanismos formais ou aos detentores formais do poder político. Existe hoje uma considerável capacidade de actuação no terreno do político de poderes fácticos, de raiz corporativa, com origem na própria alteração do tecido social na sua relação com o Estado ou com fonte na própria arquitectura do Estado e no modo como a separação de poderes afecta as relações e o território de cada um deles.
Estes poderes não têm qualquer controlo do eleitorado e a sua acção exerce-se por vias informais de acção política O seu aparecimento é antigo, mas o seu reforço e o seu papel acrescido tem caracterizado a vida democrática nos últimos anos É uma realidade nova que deve ser confrontada com meios novos Tal torna difícil também a hipótese de alargar os mecanismos de controlo na base de qualquer caracterização profissional, que, aliás, correria sempre o risco de transportar para determinados grupos profissionais que intervêm na esfera pública a mesma discriminação que se pretende evitar para os detentores de cargos políticos.
Há, no entanto, outra via que tem a dupla vantagem de, por um lado, terminar com situações de excepção que implicam sempre discriminação e suspeita e que representam muito mais uma sanção social do que uma utilidade ou necessidade e, por outro lado, garantir de facto o controlo do exercício da acção política.
Nesse sentido, o PSD, ao mesmo tempo que reafirma a lei sujeita a veto pelo Presidente da República, introduzindo uma alteração ao n.º 2 do artigo 3.º, faz um desafio para um debate público sobre a transparência da sociedade no seu conjunto face aos deveres da cidadania, propondo que, no prazo de 60 dias, se discuta a possibilidade de - e insisto na expressão «possibilidade» - alterar os artigos da legislação fiscal, permitindo dar carácter público às declarações de rendimentos, terminando assim com o segredo fiscal no que diz respeito a uma parte das declarações do IRS; discutir se é necessário proceder a alterações a essas declarações, no sentido de permitir delas destacar a parte respeitante aos rendimentos e sua origem de outras que devem permanecer no âmbito privado; discutir se é necessário proceder às alterações necessárias à mesma declaração que permitam nela melhor retratar a situação patrimonial dos declarantes admitido-se, no entanto, que é mais importante conhecer os rendimentos à partida do que o património); permitir o acesso público a essa declaração mesmo que se possa manter restrições à sua publicitação sem autorização do próprio.
Insisto, trata-se do debate de um tema aberto, de que conhecemos os prós e os contras, que pensámos ter utilidade social e corresponder ao âmago das questões que aqui estamos a discutir fora da demagogia com que elas são habitualmente tratadas.
O alcance de tais questões é grande e por isso se compreende também que o PSD desencadeie um debate público prévio a qualquer formulação legislativa sobre esta matéria. Elas vão no sentido de declarações recentes, por exemplo, do Bastonário da Ordem dos Advogados nesta Assembleia, que não foram contraditadas nem criticadas pelos partidos da oposição, como correspondem a posições já expressas por figuras públicas e dirigentes partidários da oposição.
Existem argumentos e interesses a favor e contra. Mas o objectivo deste debate, do nosso ponto de vista, é questionar - insisto, questionar - se se deve ou não centrar num dever de cidadania (o pagamento dos impostos) o princípio da transparência. Pagar impostos é uma obrigação do indivíduo face à comunidade e a transparência nas obrigações fiscais é vital no momento em que a luta contra a evasão fiscal está, pela primeira vez, a criar maior justiça tributária, provocando as previsíveis reacções de grupos sociais e profissionais que estavam habituados a viver até agora no privilégio e que se caracterizam, aliás, por ter também uma intervenção na esfera pública, criticando privilégios que pensam existir na acção política.
Um debate que permita combater todos aqueles que agora «teorizam» contra os impostos por razões de supostas divergências políticas ou «técnicas», quando na realidade pretendem apenas manter o seu estatuto de impunidade fiscal. Este esforço de justiça fiscal, que é também um esforço de justiça social, deveria merecer todo o apoio e é pena que, por razões de mera oportunidade política, permaneçam calados todos aqueles que sempre denunciaram as injustiças e as desigualdades do nosso sistema fiscal.
Que permita também demarcar as «águas» entre os que realmente desejam a transparência na vida pública e na sociedade e aqueles que apenas pretendem explorar pé-