15 DE DEZEMBRO DE 1994 905
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, neste momento, posso informar que o Governo não se faz representar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A recente publicação de um texto de investigação por um semanário demonstrando que o Ministério da Defesa português tinha contribuído directamente, durante o ano de 1993, para o esforço de guerra do governo de Angola contra a UNITA repercutiu-se numa série de posições públicas e reacções políticas na comunicação social, nos partidos e nos órgãos de soberania. Essas acusações versavam sobre 263 intervenções efectuadas pela delegação em Angola das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico em diferentes aeronaves da Força Aérea Angolana, muitas delas de ataque ao solo, como aviões MIG e SUKOY, helicópteros MI, Allouette e Gazelle, e ainda sobre a entrega de meios aéreos de ataque, como OS helicópteros Allouette.
O desencontro e a descoordenação das reacções governamentais mostraram, logo à partida, que se estava perante a divulgação de factos que, a terem ocorrido, comprometiam seriamente os responsáveis, em diversos graus políticos, pelas nossas relações com aquele país de expressão portuguesa e pela condução da política portuguesa no conturbado processo com que aí se procura construir a paz.
O Grupo Parlamentar do CDS-PP proeurou, desde esse primeiro momento, fazer com que a Assembleia da República exercesse a sua função fiscalizadora da actividade do Governo propondo a realização de um inquérito parlamentar. Apesar das reservas que, em diversos momentos, já tivemos oportunidade de colocar à utilização eficiente deste instrumento parlamentar com a sua actual configuração regimental, em face da existência de uma maioria absoluta, entendemos que esta é, ainda assim, a melhor forma disponível de reunir a necessária informação sobre este Caso e de definir as eventuais responsabilidades políticas a nível governamental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As negociações decorridas em Lusaca entre o governo do MPLA e a UNITA, sob o patrocínio directo da ONU, constituíram um patamar diferente e decisivo na busca definitiva da paz parai Angola. A pouco e pouco, se foram conseguindo objectivos que o falhanço do Acordo de Bicesse parecia ter deixado irremediavelmente postos de lado. Foram sendo pacientemente negociados e aceites os pontos fundamentais de uma paz verdadeira: a aceitação dos resultados das eleições legislativas e da 1.ª volta das eleições presidenciais, as etapas e o calendário de uma efectiva desmilitarização, os mecanismos de uma real partilha do poder e as garantias de segurança dos vencidos e das minorias, sem as quais todo o processo se degrada inevitavelmente em novas formas de conflito e de guerra. Apesar da continuação espaçada de combates, foi progressivamente posta de lado, para tristeza de alguns dentro e fora de Angola, a via militar para a resolução do conflito que, há décadas, divide o povo angolano. Para a tristeza de alguns, mas a benefício da possibilidade de o futuro de Angola vir a ser realmente democrático e não a continuação disfarçada do poder de um partido único.
Aconteceu que a fase conclusiva do Acordo de Lusaca foi bruscamente perturbada e posta em causa pelo renascimento das forças que, no Governo de Angola, preferem o triunfo militar, o aniquilamento do adversário, doa seus quadros e chefias, a destruição das suas áreas e cidades.
A ofensiva contra a cidade do Huambo, o seu bombardeamento cego e a sua destruição gratuita foram unanimemente condenados, a nível internacional, como perfeitamente dispensáveis e como causa de um possível comprometimento de um acordo dificilmente negociado e assente e com os seu termos já rubricados.
Para além do Secretário-Geral das Nações Unidas e dos mais importantes países da cena internacional, Portugal, pela voz do Chefe de Estado, interveio também em defesa do processo de paz, condenando a ofensiva governamental sobre a cidade do Huambo.
O Governo português adoptou uma posição omissa, quando não justificativa, da continuação dessa ofensiva, particularmente condenável dadas a sua responsabilidade como observador do processo de paz e a sua reconhecida influência sobre o governo de Luanda. Assumiram, assim, uma gravidade adicional as acusações públicas que motivam este pedido de inquérito.
Na verdade, ganhou, neste contexto, natural credibilidade a convicção de que o Governo português terá levado longe demais a sua simpatia pelo Governo do MPLA. É justamente isso o que esta comissão de inquérito deverá apurar. Terá o Governo português transformado a sua simpatia pelo MPLA, em cumplicidade com as suas acções de guerra? E terá essa cumplicidade chegado a assumir a forma de ajuda militar efectiva, nomeadamente através de assistência directa aos meios de ataque mais eficazes e mais utilizados? Mais grave ainda: será verdade que essa assistência foi efectuada sem que o Governo de Angola a pagasse, o que transformaria, objectivamente, essa ajuda militar num autêntico financiamento da guerra em Angola por parte dos recursos do nosso país?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A interrogações deste tipo tem o Governo procurado, antecipadamente, responder com argumentos que invocam a razão de Estado. Antecipadamente, queremos, nós também - o que já foi feito, aliás -, deixar claro o que é de aceitar e de recusar nessa argumentação.
É um facto conhecido e aceite por todos que as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico têm uma actividade em Angola que remonta à data da sua implantação naquele território, 10 anos antes da sua independência, e que foi sempre consensual que essa presença era um sinal da vontade portuguesa de participar no desenvolvimento e no futuro daquele país.
A actividade das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico em Angola decorreu sob a tutela de todos os governos e é, portanto, conhecida e aceite por todas as forças políticas. Mas já não é de aceitar que essa actividade extravase a assistência às transportadoras aéreas civis, públicas e privadas, que operam em Angola- e são muitas! - e às aeronaves da Força Aérea Angolana que desempenham meras missões de transporte ou de apoio logístico e que não podem participar em acções de ataque e de bombardeamento numa guerra feroz e assassina.
É também politicamente conhecido e aceite que Portugal se comprometeu, em Bicesse, a desenvolver uma política de cooperação militar com Angola, participando activamente na formação e na instrução de um exército único, então acordado por ambas as partes combatentes, mas nunca levado à prática pelo renascimento, violento como nunca, da guerra civil.
E óbvio que, quando as armas se calarem, essa cooperação será essencial para a manutenção de vínculos de proximidade, nas relações Estado a Estado, com uma Angola em paz e progresso. Mas é igualmente evidente que