2416 I SÉRIE-NÚMERO 74
debatida, melhorada, enriquecida em relação ao projecto de lei que lhe serviu de base. Por isso mesmo foi aprovada por unanimidade e com geral aceitação do País.
Mas o Governo, esta maioria PSD, não se perde em trivialidades de carácter democrático e participativo, mesmo em matérias desta natureza. Assim, não consultou seriamente as expressões organizadas da sociedade civil, as associações e os profissionais que deveriam ter uma palavra a dizer, contributos a dar, algo a acrescentar.
Não é verdade que tenha sido o Governo a tomar a iniciativa de dar à Pró-APA o anteprojecto. Foi a Pró-APA que pediu uma audiência e, nesse momento, o Governo deu-lhe o texto do anteprojecto. Fomos nós, PS, que demos o texto do anteprojecto à Associação de Arquitectos Portugueses, fomos nós que demos o anteprojecto à Associação de Arqueólogos Portugueses. Por isso, há afirmações que já aqui foram feitas e que, de facto, não correspondem à realidade. Além disso, estas três entidades, bem como a Associação Nacional de Municípios, deram pareceres negativos em relação ao anteprojecto de que tiveram conhecimento.
Mais ainda: o Governo não submete a esta Assembleia uma proposta de lei substantiva, explorando o facto de se tratar de matéria sobre a qual impende a reserva relativa de competência parlamentar, antes se nos apresenta com um pedido de autorização legislativa. E não mistifiquemos as coisas! O que está em debate, aqui e agora, é um pedido de autorização legislativa.
Após tanto tempo de hibernação, que súbita urgência explicará que o Governo recuse à Assembleia da República a possibilidade de debater, detalhada e construtivamente, um diploma de tal relevância?
Que receia o Governo? Será que não está seguro da solidez e da qualidade da sua produção legislativa e das razões que a fundamentam? Será que tem algo a ocultar quanto aos objectivos visados e a interesses porventura em jogo?
Este procedimento não nos surpreende. Entronca no que tem sido a prática do Governo em relação à instituição parlamentar, caracterizada pelo objectivo de a marginalizar e de a esvaziar das suas competências legislativas e fiscalizadoras.
Por isso, deixarei desde já claro que o meu grupo parlamentar não pactuará com tal procedimento, com mais esta manifestação gritante, não só de falta de sentido democrático mas mesmo de falta de bom senso.
Com efeito, se há matérias em torno das quais, em nome do interesse nacional, é possível estabelecer consensos, esta é uma delas. Viu-se em 1985 e parece que, finalmente, depois da controvérsia que já teve lugar nas páginas dos jornais, o Sr. Subsecretário de Estado também descobriu isso. O Governo só percebeu isso agora, mas também é verdade que há razões para não estar seguro da solidez e da qualidade daquilo que produziu.
Efectivamente, considerando o articulado do diploma a que tivemos acesso, por via não oficial, e deixando de lado o enunciado de princípios genéricos em que consiste a proposta de lei de autorização legislativa em discussão, vários comentários nos são suscitados.
Claro que é impossível, e nem nos é pedido - como já foi dito -, pronunciar-nos em pormenor sobre os 77 artigos que constituem a chamada «Nova Lei do Património Cultural Português». Assim, limitar-nos-emos a realçar alguns aspectos mais relevantes que evidenciam a sua filosofia geral.
Em primeiro lugar, e desde logo, não fica provado que a necessidade de adaptação do regime legal do património cultural ao novo Código de Procedimento Administrativo e às obrigações advindas do processo de integração europeia, fosse incompatível com o desenvolvimento regulamentar da Lei n.º 13/85. O mesmo pode dizer-se em relação a outras questões importantes que esta lei engloba, como a da utilização de detectores de metais, questão que justificou mesmo que o meu grupo parlamentar tenha apresentado, já há tempos, um projecto de lei.
Em termos gerais, poder-se-á afirmar que o novo diploma que o Governo gerou se caracteriza por uma conceptualização descuidada, frequentemente incoerente, de que se poderá destacar, a título de exemplo, a utilizada na tipologia da classificação dos bens imóveis e móveis.
A tipificação proposta reflecte mesmo um nacionalismo serôdio que piora, em estreiteza de vistas, o que era consignado - espante-se! - no Decreto n.º 20985, de 7 de Março de 1932.
De realçar, depois, uma visão estatista e centralista, dado não ser considerado nem devidamente valorizado o papel que deve caber às populações, aos órgãos do poder local, às associações cívicas de defesa do património, às universidades, às escolas e à comunidade científica.
Ou seja, um Governo que tantas vezes se refere à sociedade civil, a propósito e a despropósito, evidencia um indisfarçável menosprezo por aquilo que, de facto, são expressões actuantes dessa mesma sociedade civil.
Não menos relevante é a insuficiência, ou mesmo o vazio quase total, quanto a medidas e tarefas de prevenção, valorização, conservação e preservação do património cultural, nomeadamente no que se refere à relação com o ordenamento do território, à elaboração de estudos de impacte ambiental, à afectação de fundos por entidades públicas ou privadas, às obrigações cautelares aquando da realização de obras, a acções de formação e sensibilização. Ou seja, agravam-se as condições que permitem que casos como o de Foz Côa aconteçam.
Note-se, ainda, e ao contrário do que acontece na Lei n.º 13/85, a inexistência de qualquer referência aos organismos da administração pública com competências nesta matéria, de forma a, por exemplo, acentuar e valorizar as funções e as responsabilidades que cabem aos seus conselhos consultivos.
Evidencia-se mesmo - acentuando o já referido carácter estatista - uma preocupação não normalizadora mas, sim, disciplinadora da actividade dos arqueólogos, chegando-se ao ponto de se pretender regular, à revelia da classe, a sua actividade por diploma «a publicar no prazo de 180 dias» sobre a entrada em vigor desta «nova Lei do Património».
Finalmente, predomina uma concepção do património obsoleta, com uma referência, quase meramente circunstancial e não integrada, aos bens imateriais e praticamente nula no que se refere ao património natural.
Isto é, permanece-se muito aquém do que já foi dado como adquirido e definido internacionalmente, através de convenções como a que foi adoptada, em Paris, pela Conferência Geral da UNESCO, em 16 de Novembro de 1972. Para não falar de casos de desfasamento com a Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico, subscrita em Janeiro de 1992, em Malta, e desde então à espera de ser ratificada
Em resumo, mesmo não tendo uma atitude estática em relação à Lei n.º 13/85, nem a considerando definitiva e perfeita, verifica-se que, em muitos aspectos, com a nova lei para a qual o Governo pretende a autorização desta Assembleia, se vai regredir no que concerne ao que devem ser os grandes princípios enformadores de uma