2106 I SÉRIE - NÚMERO 60
n.º 360/71, de 21 de Agosto, encontrando-se desfasada dos novos conceitos de reparação de danos, desconforme com a evolução da legislação complementar no âmbito das relações de trabalho e irregular quanto ao disposto em convenções internacionais sobre a matéria.
Esta legislação carece de ajustamentos, tendo em conta a jurisprudência decorrente da sua aplicação e, sobretudo, tem de acompanhar as modificações entretanto ocorridas nas prestações garantidas em, caso de acidente ou doença não profissional.
A par desta situação de desadequação da legislação à realidade, Portugal continua a ser o país da União Europeia que apresenta maior percentagem de sinistralidade laboral. As más condições de trabalho nas empresas portuguesas, o incumprimento da lei, o débil funcionamento dos serviços inspectivos e a falta de formação e informação da generalidade dos trabalhadores portugueses, decorrente da ausência de uma verdadeira cultura de saúde, higiene e segurança no trabalho, são factores que conduzem à manutenção deste quadro.
A falta de elementos estatísticos, com razoável fiabilidade, não permite avaliar, na sua plenitude, o número de acidentes de trabalho que anualmente ocorrem - destes, quais os casos mortais e os que resultam em incapacidades permanentes, o número de doenças profissionais verificadas, os dias de trabalho perdidos, os custos da sinistralidade, etc. -, desde logo porque muitas situações de trabalho clandestino e nas "economias paralelas" escapam ao controlo e registo.
No entanto, Sr Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, ninguém contesta que estamos perante uma matéria de grave importância social, com múltiplas implicações económicas e sobre a qual recai a insatisfação generalizada de todos ,quantos, ao longo da sua vida profissional, tiveram o infortúnio de ser vítimas de um acidente de trabalho.
Para o Estado, cujos princípios se enformam no respeito pela dignidade humana e pelos valores da solidariedade, e a quem incumbe promover o bem-estar, a segurança e a efectivação dos direitos económicos e sociais dos cidadãos, está claro que a definição de um novo quadro legal que regule os acidentes de trabalho, a definição de estratégias de prevenção e de formação e a implementação de medidas legislativas substancialmente gravosas para o empregador-prevaricador é o caminho certo para alterar esta grave situação.
A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 63.º, consagra que "O sistema de segurança social protegerá os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho".
Embora a Lei Fundamental não consagre nenhuma disposição directamente relacionada com os acidentes de trabalho e doenças profissionais, surgem, para além do citado artigo 63.º, matérias que estão intimamente ligadas à sinistralidade e infortúnio laborai. Assim, nos termos do artigo 59 º da Constituição, os trabalhadores têm direito à "prestação do trabalho em condições de higiene e segurança", designadamente com vista a prevenir e evitar a ocorrência de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Em 1990, o Acordo Económico e Social celebrado entre os parceiros sociais apontava no sentido da adopção de medidas, designadamente ao nível legislativo, tendentes à melhoria do quadro legal vigente relativo aos acidentes de trabalho e doenças profissionais, não apenas no domínio da reparação, como também nos planos da prevenção e da reabilitação. Com efeito, consagrava o referido acordo, enquanto medidas a serem levadas a efeito
- e passo a citar -, "assegurar a qualidade da reparação no caso dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais, visando a reabilitação que favorece a reinserção profissional do sinistrados e "harmonizar, por via legislativa, as obrigações relativas à higiene, segurança e saúde no trabalho, tomando como referência as prioridades e medidas a nível comunitário".
Na decorrência deste acordo, foi celebrado em 1991 o Acordo Específico de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, que estabelece também medidas no campo da prevenção dos riscos profissionais, reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho e ou doença profissional e da reabilitação dos trabalhadores com incapacidade.
Estavam então criadas as condições para a revisão do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Contudo, o Governo do PSD Frustrou todas as iniciativas dos subscritores dos mesmos, ao não dar cumprimento a tais medidas, não obstante, para este efeito, ter criado um grupo de trabalho constituído no âmbito do Instituto de Seguros de Portugal, na dependência directa do Ministério das Finanças, e cujo relatório final foi submetido à consideração do Governo em 1992.
O Partido Socialista reconheceu a necessidade de revisão do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, daí ter inserido no seu programa eleitoral, como forma de assegurar os direitos fundamentais dos trabalhadores, entre outras medidas, o "reforço da prevenção e desenvolvimento da higiene e segurança no trabalho", "medidas eficazes de prevenção de acidentes de trabalho e uma mais justa reparação dos sinistrados" e, por último, a "reorganização do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho, autonomizando a Inspecção de Trabalho com vista a aumentar a sua capacidade fiscalizadora e eficácias.
Na sequência deste compromisso eleitoral, o Governo do Partido Socialista retomou a matéria e acordou com os parceiros sociais, no âmbito do acordo de concertação social de curto prazo, uma disposição que prevê expressamente que "seja revisto o regime de reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais".
No acordo de concertação estratégica celebrado recentemente pode ler-se, entre as medidas a levar a efeito no domínio dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, a "continuação da revisão do regime de reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais e a sua articulação com a segurança social e a revisão da lista de doenças profissionais e da tabela nacional de incapacidades" c a "discussão pública e avaliação do papel do sector público e do sector privado na gestão deste domínio da protecção
laboral".
Neste sentido, a proposta de lei agora em debate, para além de resultar de compromissos eleitorais assumidos pelo Partido Socialista, resulta também dos acordos consensualizados com os parceiros sociais, tendo pois a chancela daqueles, pelo que, a sua aprovação assume grande relevância não só no plano do reforço dos direitos dos trabalhadores, como no plano da credibilidade da concertação social em Portugal.
No fundamental, a proposta de lei cria condições para melhorar, de uma maneira geral, o nível das prestações garantidas aos sinistrados, nomeadamente as pecuniárias,