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13 DE MARÇO DE 1998 1621

ao longo do tempo, que a mutação das mentalidades é o processo mais lento e o objecto de maiores resistências, ensinando-nos igualmente que factores de natureza económica têm uma singular força mobilizadora e transformadora não apenas de regimes políticos mas também de estruturas sociais e mentais.
Daí que a consolidação da Indonésia como um «Estado burocrático autoritário», a corrupção generalizada na sua administração pública, a desvalorização galopante da moeda e o aumento assustador dos preços venham promovendo um caldo de insatisfação social generalizada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importa, assim, continuar a alertar a comunidade internacional para este momento de potencial ruína financeira da Indonésia, a que deve associar-se - espera-se que assim seja - a queda de um regime de tirania e de violação permanente dos direitos do Homem.
Ora, tendo a Indonésia recorrido ao apoio do Fundo Monetário Internacional, dado o sabor amargo da crise social em que está mergulhada, deveriam os eventuais contributos a prestar ser equacionados não apenas numa lógica de diminuição drástica da despesa pública e reformulação das opções macro-económicas mas igualmente na dependência de comportamentos governamentais, respeitadores dos mais elementares direitos humanos.
Entretanto, Suharto foi novamente reeleito no cenário habitual de exercício despótico do poder, mas desta vez, em momento habilmente escolhido, por forma a obstruir os primeiros passos de afirmação política e social do seu povo.
A situação de Timor Leste está absolutamente relacionada com uma perspectiva mais alargada da violação dos direitos humanos, produzindo também reflexos junto do próprio povo indonésio. Daí que os movimentos pela autonomização de Timor estejam a florescer nos meios intelectuais, académicos e estudantis de Jacarta. Para muitos indonésios, a libertação do outro, de Timor, será, porventura, a representação viva da sua própria liberdade.
Poder-se-á assim inferir que a comunidade internacional, ao lutar pela afirmação do direito à autodeterminação dos timorenses, estará reflexamente a combater a anestesia cívica que Suharto doseou ao seu povo ao longo destas quase três décadas de autocracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como alertou, recentemente, a Amnistia Internacional no seu mais recente relatório sobre Timor Leste, importa gerar mecanismos de fiscalização e reorganização das forças militares e de segurança indonésias, porquanto são estas estruturas, através de actos contínuos de detenções, interrogatórios, execuções extrajudiciais e torturas que corporizam grande parte das violações dos direitos humanos em Timor.
As últimas análises sobre os direitos humanos em Timor são inequívocas quanto ao agravamento da repressão política e social. A opção pela violência crescerá, seguramente, nos próximos tempos na razão directa do aumento das crises sociais e económicas. Os timorenses pagarão, infelizmente, com o seu sangue o colapso financeiro da «nova ordem» gerada por Suharto.
Devem, assim, no seio da comunidade internacional, ser criadas condições para serem, efectivamente, implementadas pela Indonésia medidas que cumpram as recomendações contidas na resolução da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e garantir o acesso livre e regular ao território a observadores independentes dos direitos humanos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recordem-se alguns números impressionantes - e aproveito para sublinhar: em Timor, desde a invasão Indonésia, em 1975, já foram assassinados mais de 300 000 timorenses, o correspondente a 44% da população do território antes da ocupação ilegítima. Repito, 300 000 mortes, o correspondente a 44% da população. Se compararmos estes 44% de mortos com os 7,4% resultantes da guerra civil em Moçambique; os 10% do Ruanda; os 23% de Angola ou, até mesmo, os 33% de judeus mortos na II Guerra Mundial, teremos, então, urna noção mais brutal e mais real dos actos cometidos contra o povo de Timor.
Impedir que Timor Leste atinja a plena expressão da sua individualidade própria resulta não apenas num genocídio físico mas também num genocídio cultural, que afecta gerações presentes e futuras. Muito recentemente, teve o Ministro dos Negócios Estrangeiros a possibilidade de se encontrar com o Papa João Paulo II, conferindo novamente à Igreja um papel fundamental neste processo de libertação, já antes sublinhado pela comunidade internacional com a atribuição do Prémio Nobel a D. Ximenes Belo. Confirma-se, assim, a importância do protagonismo da estrutura católica na satisfação das necessidades sociais do povo maubere, esperando-se uma resposta crescente de condenação às atrocidades cometidas.
Não posso, todavia, terminar sem fazer uma referência justa e carregada de simbolismo à intervenção e ao papel crescente do Presidente Nelson Mandela na tentativa de resolução do problema de Timor Leste.
Nelson Mandela é inegavelmente um dos símbolos contemporâneos da defesa dos direitos humanos. O seu percurso pessoal e político confere-lhe urna autoridade particular para despertar a atenção da opinião pública internacional para os dramas que, ontem, foram os seus e do seu povo e que, hoje, abalam igualmente todo o povo maubere.
A instituição parlamentar, a Assembleia da República, atenta ao seu redor social, deve justamente, saudar e sublinhar a solidariedade e o significado deste gesto de estudantes de Coimbra, afirmando-se claramente como um elo nesta grande «Corrente Humana» pela solidariedade.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, pedi a palavra para me congratular com a intervenção do Sr. Deputado Ricardo Castanheira e para dizer à Assembleia que recebi, há dias, uma delegação de estudantes universitários de Coimbra que me vieram anunciar essa iniciativa, que, aliás, não é a primeira que fazem em conjunto com a Assembleia da República. Vieram também dizer-me que tencionavam promover esta cadeia em toda a universidade portuguesa, em todas as associações académicas do País, a fim de que cada uma delas fizesse um abaixo-assinado pedindo a libertação de Xanana Gusmão e a autodeterminação do povo de Timor, pelo que me comprometia acompanhar, como Presidente da Comissão Eventual para o Acompanhamento da Situação em Timor Leste, cada uma destas delegações à Delegação das Nações Unidas, em Lisboa, para que esse clamor tivesse a dimensão e a repercussão que se justifica que tenha.
Pedi, pois, a palavra, Sr. Presidente, porque penso que a Assembleia terá todo o interesse em ter conhecimento deste facto.