13 DE MARÇO DE 1998 1625
O equilíbrio entre o direito à segurança e o direito à liberdade está aqui presente na sua maior densidade. As opções a fazer terão consequências em muitos casos dramáticos na vida de muitos - na dos autores de actos criminosos, como na das vítimas.
Vivendo, como vivemos, em sociedades de risco e em que sentimentos generalizados de insegurança estão sempre presentes, assistimos ao crescimento de movimentos na opinião pública que clamam por mais criminalização, mais responsabilização, mais punição.
A verdade é que a melhor prevenção contra a insegurança e o crime nem sempre, se é que o é algumas vezes, é conseguida por medidas punitivas crescentes, numa espécie de escalada progressiva das penas, que se pretende impor como meio adequado de resposta a uma real ou suposta escalada da insegurança. Actuação rápida da justiça penal, presença das forças de segurança junto dos cidadãos, política de prevenção geral, mecanismos de investigação adequados à luta contra o crime organizado, atenção especial às várias formas da delinquência juvenil, são mais eficazes do que a pura e dura política da «lei e da ordem», nos seus aspectos porventura mais fáceis, mas cuja eficácia a generalidade dos autores da criminologia está longe de subscrever.
Significará isso que nos devemos quedar pelo imobilismo no que respeita ao aperfeiçoamento da tipologia dos crimes e da graduação das penas? O ritmo de mutações sociais que hoje vivemos traz consigo novas formas de criminalidade e agravamento quantitativo e qualitativo de certas formas de comportamentos criminosos a exigirem resposta não só dos aparelhos da investigação criminal como dos próprios textos básicos da política criminal.
Quem falava em branqueamento de capitais há 20 anos atrás? Que relevância assumia ainda há meia dúzia de anos, na opinião pública, a pedofilia? Quem há duas décadas pretenderia criminalizar os atentados contra o ambiente? E os exemplos poderiam multiplicar-se.
Trata-se, em alguns destes casos, de comportamentos bem antigos, mas que se encontravam como que escondidos da opinião pública, quando não, mesmo tacitamente, aceites ou, pelo menos, não tidos como graves para justificar a aplicação de penas. Hoje ninguém duvida da sua gravidade e da necessidade de reagir pelo uso legítimo da força posta ao serviço da defesa dos bens atingidos, tidos como essenciais nas nossas comunidades.
Especial atenção devem merecer por parte do Estado a protecção de certo tipo de vítimas, particularmente indefesas face às agressões, as mais diversas de que podem ser objecto. Daí o essencial das alterações que agora propomos e que, aliás, colhem consenso, muitas delas nas bancadas da oposição.
Assim, no que respeita à parte especial, as alterações propostas visam basicamente: o reforço da protecção das vítimas contra crimes violentos dirigidos contra a vida e a integridade física das pessoas; o reforço da protecção das vítimas particularmente indefesas em razão da idade, da doença ou da gravidez; o reforço da protecção das vítimas de crimes de maus tratos no seio da família; a intensificação do combate aos crimes de exploração sexual de pessoas objecto de prostituição e de tráfico; o alargamento da incriminação e reforço da protecção de menores vítimas de crimes sexuais; o alargamento da incriminação e reforço da protecção dos trabalhadores contra a violação dolosa das regras de segurança no trabalho e contra fraudes para obtenção de emprego no estrangeiro ou de trabalhadores estrangeiros em Portugal.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Neste quadro, as alterações são apenas aquelas que pensamos imporem-se para cumprimento dos objectivos e princípios que deixámos atrás enunciados.
Desde logo o aditamento de algumas circunstâncias para a qualificação do homicídio: ser este praticado contra vítima particularmente indefesa por funcionário com grave abuso de autoridade ou através de meio particularmente perigoso, Todas elas pensamos que se justificam por si próprias de uma forma bem clara e têm também um efeito de arrastamento em relação a outro tipo de criminalidade menos grave, designadamente as ofensas corporais.
Vínhamos, aliás, sendo criticados, e com inteira razão, nas instâncias internacionais no que respeita designadamente à característica não pública do crime de ofensas corporais praticadas por funcionário com grave abuso de autoridade.
No que se refere ao crime de exposição ou abandono, alarga-se o âmbito da incriminação a todos os casos em que o agente deixe a vítima indefesa, desde que sobre ele recaia o dever de a guardar, vigiar ou assistir. É da violação deste dever - e não da debilidade da vítima, neste caso - que resulta o carácter desvalioso e censurável da conduta.
Reintroduz-se como crime autónomo a violação das leges artis da medicina que criam perigo para a vida ou grave ofensa para o corpo ou para a saúde do paciente, solução que já esteve consagrada no Código de 1982 mas que desapareceu, mal quanto a nós, na última revisão.
Ora, tal conduta é suficientemente grave para justificar a criação de um crime de perigo, tanto mais que as dificuldades de prova (da produção do dano) são evidentes neste domínio. Esta norma, não obstando à aplicação do regime sancionatório geral do homicídio e das ofensas à integridade física, constitui apenas um modo de antecipação e reforço da tutela penal dos bens jurídicos e só se aplica, subsidiariamente, se pena mais grave não couber ao facto.
Quanto aos maus tratos, introduz-se uma alteração relativa à natureza processual do crime praticado contra o cônjuge (ou contra quem conviva com o agente em condições análogas) e criminaliza-se a violação dolosa de regras de segurança no trabalho.
No primeiro caso, embora, como regra, o procedimento dependa de queixa, permite-se que o Ministério Público inicie o procedimento quando o interesse da vítima o exigir, de forma a assegurar uma defesa efectiva de pessoas sujeitas a ofensas reiteradas no âmbito da instituição familiar, em consonância, aliás, com a solução adoptada para os menores. É bem sabido que a exigência de queixa do ofendido contribui seguramente para, nestas situações, assegurar a impunidade do agente do crime, mediante o constrangimento da vítima. No segundo caso, pretende defender-se quem preste serviço a um empregador da criação de perigos para a vida ou para a integridade física, tutelando-se, por esta forma, o direito à segurança no trabalho consagrado na Constituição.
No âmbito dos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, são propostas alterações significativas que visam reforçar a tutela da liberdade e autodeterminação sexual.
Assim, seguindo-se a orientação consagrada nalguns códigos europeus, alarga-se o conceito de violação, que passa a abranger, para além da cópula e do coito anal, o coito oral. Trata-se, na verdade, de formas de penetração sexual que, de acordo com os estudos da psicologia e da psiquiatria, consti-