2544 I SÉRIE-NÚMERO 74
salazarismo crepuscular, tais como O Ultramar e a Revisão Constitucional (1971), O Estado Pós-Corporativo (1973) e Soberania e Autonomia (1974); investigador, produz obras que o inscrevem indubitavelmente na antologia da literatura jurídico-pública portuguesa deste período, tais como O problema da Constituição ( I 970) e A Teoria da Constituição de 1976 - a transição dualista (1988); professor, torna-se alvo da admiração e do carinho dos muitos milhares de estudantes que seguiram os seus cursos e dos colegas de escola que com ele conviveram. Deste espontâneo apreço pelo Mestre e companheiro falam os silêncios e as lágrimas que o Pátio da Universidade viu na sexta-feira e sábado passados.
Dos méritos da acção política de Lucas Pires no pós-25 de Abril 3/a desde as assembleias de unidade, de 1975, período em que cumpriu o serviço militar, até à actividade partidária, à Assembleia da República, ao Conselho da Europa e ao Parlamento Europeu 3/4 talvez deva ser destacado, aqui e agora, o seu constante empenho em promover a reconciliação da direita portuguesa com o 25 de Abril. Em 1991, escrevia ele, em jeito de quem saboreia o dever cumprido: "A direita democrática pode hoje reclamar-se, mesmo, da liderança do Regime 3/4 e não apenas do. Governo. (...) É visível que a direita se reconciliou (...) e abandonou a guerra de trincheiras. Prefere agora caminhar pelo interior [do Regime] e determinar o seu poder (...)".
Em Pascal está, julgo, uma chave feliz para se compreender o homem, o intelectual, o político e politólogo e o jurista que foi - e continuará a ser - Lucas Pires. Escreveu o autor de Pensées, cito, traduzindo: "Não se pode ser homem de academia sem abafar a natureza, não se pode ser dogmático sem renunciar à razão. A natureza confunde os académicos e a razão confunde os dogmáticos
Ora, Lucas Pires nem foi um académico, neste sentido, nem um dogmático, justamente porque prezou e honrou sempre, e no mais fundo de si próprio, a natureza do mundo e da vida e a razão do Homem e das coisas. Termino com palavras proferidas pelo Dr. Rui Marcos, Presidente em exercício da Conselho Directivo da Faculdade de Direito de Coimbra, nas exéquias do Dr. Francisco Lucas Pires: "dele fica para sempre impressa na nossa lembrança a memória do homem justo, do político saliente, do orador expressivo e de um universitário marcante".
O grupo parlamentar do PSD curva-se respeitosamente perante o homem e o cidadão Francisco António Lucas Pires, guarda com fidelidade e admiração a obra realizada por este português ilustre, e apresenta a seus pais, a sua esposa e a seus filhos a expressão do seu muito pesar. Que descanse em paz.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira.
O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Sr. Presidente, em nome do Grupo Parlamentar do PS e em meu nome pessoal, queria também aqui prestar homenagem à figura de Francisco Lucas Pires.
Seja-me permitido evocar as relações pessoais, que muito prezava, e a forma como se iniciaram e se desenvolveram essas relações pessoais. Melhor do que considerações subjectivas, creio que factos serão mais ilustrativos .da personalidade e do carácter desse grande português que foi Francisco Lucas Pires.
Corria o ano de 1961, estavam agitadas as ondas políticas em Coimbra, eu era quartanista de Direito e pertencia a uma das mais ásperas e rudes casamatas da esquerda de Coimbra, que era a república chamada "dos Cágados". Fui um dia chamado a descer do meu assento etéreo para vir tratar praxisticamente de um famigerado dirigente da direita de Coimbra, que era caloiro - era o Francisco Lucas Pires. Desci cheio de afã revolucionário, travei conhecimento com o académico primeiranista e, ao fim de meia hora, estava vencido pela inteligência, pela sedução, pela generosidade e pela capacidade de encaixe de uma situação que nem todos suportavam de ânimo leve. Em vez do tenebroso "miguelista", encontrei um jovem inteligente, afável, com que, desde aí, estabeleci uma ligação de amizade profunda que durou até à prematura morte de Lucas Pires. De convidado ameaçado, passou a ser uma visita bem-vinda à minha república. Frequentemente lá foi, conviver connosco, almoçar ou jantar, ou apenas beber um copo, conversar e discutir política, fazendo-o sem medo e com coragem, e todos nós ganhámos um enorme respeito pelo estudante Francisco Lucas Pires.
Interrompida a relação académica, vim a reencontrá-lo em Lisboa, neste Parlamento - e não só. Francisco Lucas Pires frequentava também um templo do anarquismo democrático (suponho que é uma designação que não ofenderá ninguém) onde pontificava uma sacerdotisa que era a Natália Correia. Também eu frequentava esse templo e ali, em longas noites de tertúlia, as espadas se cruzavam entre a direita e a esquerda, e os revolucionários mas de um lado ou mais de outro. Também aí, Francisco Lucas Pires se impôs com a mesma generosidade, com o mesmo brilho, com o mesmo racionalismo bergsoniano, aceitando com uma abertura de espírito política que redimiu pecados reais ou supostos da direita tradicional. Lucas Pires foi, de facto, pela sua acção pedagógica e política, pelo seu exempto como personalidade marcante da vida portuguesa do pós 25 de Abril, sobretudo, um homem que contribuiu imenso para a reconciliação, para a convivência dialéctica das várias correntes ideológicas e políticas em Portugal.
Voltei a encontrar Lucas Pires e a fazer com ele longas discussões e longas caminhadas peripatéticas em Estrasburgo e em Bruxelas, no Parlamento Europeu. Sei como ele vivia apaixonadamente esta etapa da história da Europa e de Portugal, que é aventura europeia. Sei como ele se dedicou sem sectarismos partidários, que não os tinha, colaborando em tudo o que qualquer outro Deputado europeu propusesse e que fosse de interesse para uma integração harmoniosa e proveitosa para o nosso país. Sei também o brilho e o interesse que ele punha nas análises escritas que produziu, umas mais académicas, outras mais políticas distinguia-me com a oferta de uma generosa dedicatória em cada obra. Sei também - e invoco-o com muita comoção - o apego, o amor que ele tinha também à sua família. Sei como ele, lá longe, em Bruxelas ou em Estrasburgo, me dizia, muitas vezes: "Madeira, o que aqui aborrece, é estar longe da família! Às vezes, apetece-me beijar um filho e não posso! Mas não há bela sem senão..."
Ele aderiu apaixonadamente àquela missão, que alguns não _entendem completamente, mas que ele assumiu como uma faceta importante da sua missão política.
Viveu velozmente e gulosamente a vida. A morte apanhou-o em plena pujança. O País perdeu um grande homem. A política portuguesa e os políticos portugueses, hoje, aqui, ao exaltá-lo, cumprem o seu dever de lhe agradecer por ter vivido e ter repartido com todos nós a generosidade do seu carácter e da sua inteligência. Em nome da minha bancada, quero expressar à Família e aos grupos político a que ele deu a honra de participar o nosso profundo pesar e a já grande saudade de Francisco Lucas Pires.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.