1024 I SÉRIE - NÚMERO 27
para que existisse? Será que a lei permitia que ele existisse?".
Mais do que as deambulações teóricas sobre esta matéria, a verdade é que, na prática, esse conflito existiu. E também importa que, em Diário da Assembleia da República, este breve resumo histórico possa ficar a constar porque, em sede de Comissão de Ética, foi entendido que, quando lhe era atribuída a competência para verificar os impedimentos que afectavam os Srs. Deputados, essa verificação dos impedimentos implicava levar o processo até ao fim e, portanto, implicava emitir o respectivo parecer.
Mal se entenderia como é que pode verificar-se um impedimento sem, ao mesmo tempo, se chegar a uma conclusão. Verificar implica concluir; há ou não há! Dessa maneira, a partir do momento em que há uma conclusão, há um parecer.
A verdade é que, se há um parecer no sentido do impedimento, esse parecer determina, nos termos regimentais, a perda do mandato de Deputado. E o que aconteceu foi que as questões das perdas de mandato dos Deputados estavam atribuídas, pelo Regimento, em termos de parecer, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Daí que, naturalmente, tivesse surgido o problema do conflito de competências. Afinal, há uma comissão que verifica impedimentos e que dá parecer sobre os mesmos que, por si, determinam perda de mandato e há outra comissão, também prevista no Regimento, que tem de pronunciar-se, obrigatoriamente, sobre todos os casos de perda de mandato e, inclusivamente, também tem de instruir os respectivos processos - é que esta também era competência atribuída no Regimento à 1.ª Comissão. O conflito estava, portanto, suscitado.
Podia defender-se que uma lei posterior, como foi a que criou a Comissão de Ética, revogava automaticamente a lei anterior na matéria que era regulada de novo. É um princípio jurídico: a lei nova revoga a lei anterior, quando regulamenta o mesmo tipo de matérias. Mas, de facto, podíamos ter aqui algumas dúvidas: havia conflito, não havia... A verdade é que o conflito foi suscitado e, há dois anos e tal, este problema surgiu no âmbito da Assembleia. Importava resolvê-lo para o prestígio e o bom nome do Parlamento.
Depois de, com calma, com serenidade, o grupo de trabalho constituído para o efeito ter feito o dissecar das ideias, digamos, chegou à conclusão de que também poderiam suscitar-se dúvidas sobre a constitucionalidade da Comissão de Ética. E ficámos apenas por isto: poderia também haver dúvidas sobre a constitucionalidade da Comissão de Ética.
É por isso que me permito discordar do preâmbulo deste projecto de resolução quando se dá de barato que há uma inconstitucionalidade que afecta a Comissão de Ética. Não há, em meu entender. O grupo de trabalho não afirma isso, diz que pode haver. Não há porque a Assembleia tem o direito de se auto-
-organizar, o que implica, também, o direito de poder criar no seu seio comissões específicas. Nunca, como os juristas sabem, as alegações de direito são impostas ao juiz, o que importa são os factos.
Neste caso particular, não podemos ser arrastados pelo nome da comissão, chamada Comissão Parlamentar de Ética, porque, no fundo, se retirássemos o qualificativo "parlamentar" e a apelidássemos "comissão de ética da Assembleia da República", estaria tudo correcto. Não é uma comissão como outra qualquer, é uma comissão específica, com regulamentação própria, criada no Estatuto dos Deputados e não no Regimento da Assembleia da República. Assim, era uma comissão que tinha toda a razão de existir e que se revestia de toda a constitucionalidade.
Para ultrapassar o problema, obviamente, há que fazer uma ponderação da sua globalidade. Nesta altura, encontra-se uma solução que me parece correcta.
Primeira conclusão: importa atribuir a uma mesma, e só, comissão toda a matéria que diz respeito aos mandatos dos Deputados. E não esqueçamos que os mandatos dos Deputados podem sofrer de quatro vicissitudes: impedimentos, incompatibilidades, imunidades, registos de interesses. Estes quatro casos têm tratamento legislativo adequado, autónomo, que faz parte de normas próprias. A verdade é que, para a Comissão de Ética estava reservada a apreciação dos casos de impedimentos e de registos de interesses enquanto, para a 1.ª Comissão, estava sempre reservado o problema das incompatibilidades e o das imunidades.
Importa, desde logo, reunir numa só comissão tudo o que diz respeito aos mandatos dos Deputados. Alcança-se este objectivo com as alterações agora propostas.
Segunda conclusão: importa definir bem as competências de uma e de outra comissão e a solução agora proposta também resolve o problema.
Importa afastar as tais dúvidas sobre a inconstitucionalidade da Comissão de Ética e, desta maneira, na fórmula encontrada nas alterações agora propostas, elas são ultrapassadas definitivamente. Deixa de ser uma comissão paritária, passa a ser uma comissão proporcional, uma comissão cuja composição, no fundo, espelha a da própria Assembleia.
Parece-me que é justificada esta organização. É justificada com o sentido de que, afinal de contas, em última instância, quem decide a perda do mandato de um Deputado é o Plenário. É o Presidente da Assembleia quem, de facto, faz o despacho mas, depois, há sempre recurso para o Plenário. Ora, o Plenário tem uma composição múltipla e proporcional. Então, interessará talvez que, em vez de o problema ser arrastado por comissões que estão fora da proporcionalidade, possa, logo à partida, ser tratado numa comissão que espelhe de algum modo aquilo que o Plenário pode, porventura, vir a decidir mais tarde, para não haver conflitos de decisões.
Desta maneira, julgo que é importante a proporcionalidade da Comissão de Ética. Modifica-se a sua composição, mas ela continua a existir no seio desta Assembleia, e importa salvaguardar este aspecto. Num juízo de oportunidade, altera-se a composição e alteram-se os métodos. Naturalmente, nós aceitamos isto.
Termino como comecei. Em nome do PS, espero e desejo que este caso chegue hoje ao fim. Espero-o e deseje-o porque importa pôr a funcionar de novo, rapidamente, a Comissão de Ética, sob pena de criarmos mais um vazio no seio desta Assembleia. E qual é o vazio? É o de que, no projecto de resolução contendo as alterações agora propostas, e que certamente irão ser aprovadas, diz-se que as mesmas entram em vigor no dia seguinte ao da sua publicação. Isto significa que substituições de Deputados, autorizações para se apresentarem no tribunal, verificações dos registos de interesses a das incompatibilidades passam imediatamente a ser da competência da Comissão de Ética, e deixam de sê-
-lo da 1.ª Comissão, no dia seguinte ao da publicação destas alterações, repito. E se, nessa altura, a Comissão de Ética ainda não estiver em funções, então, haverá mais um vazio que só alarga as situações de menos controle destes casos.
Daí que, em nome do PS, espero e desejo que todas as bancadas possam reactivar rapidamente a Comissão de Ética com a sua nova composição, por forma a pormos o prestígio da Assembleia acima de tudo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!