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22 DE ABRIL DE 1999 2673

tos do esquema da conjura. A tempo desmascarados, resignaram-se a que eu continuasse a viver e a lutar, mas eram assim os profetas do evangelho do ódio.
Sem alternativa à libertação pelas armas, os movimentos nacionalistas africanos foram procurá-las, além de outros apoios, junto dos únicos países que lhas disponibilizavam. Só que a solidariedade política, tal como os deuses, segundo Pessoa, vende o que dá e o preço exigido, e irresistivelmente pago, foi o do alinhamento ideológico. Finda a sujeição colonial, os dirigentes dos novos Estados adoptaram naturalmente o modelo político e económico de quem os havia ajudado a conquistar a liberdade de escolher. Por que outro podiam ter adoptado? O do inimigo de uma década, seus aliados e apelantes?
Estava-lhes, porém, reservada uma segunda decepção: o modelo adoptado aproximava-se do fim. Desmanteladas as estruturas políticas, económicas, judiciárias e sociais da era colonial, tiveram de enfrentar o colapso dos modelos pelos quais as substituíram, condenados assim, pela segunda vez, a recomeçarem a partir do zero.
Hoje, reconhecem, decerto, que aquela substituição, globalmente considerada, foi um erro. Um erro que, aliás, branqueou muitas das nossas responsabilidades históricas. Daí que Moçambique tenha começado por assinar com a África do Sul, do odioso apartheid, o chamado «Acordo de Incomati», em jeito de trégua com o principal inimigo, por acto político de notável lucidez e pragmatismo do então Chefe de Estado de Moçambique Samora Machel. Já sob a égide de V. Ex.ª, Moçambique fez a opção histórica de perfilhar um modelo político de democracia pluripartidária, baseada no voto universal, apesar de esse modelo se situar na contramão da tradição africana e, simultaneamente, a adopção por um modelo económico de economia de mercado, além de um modelo jurídico e judiciário não muito distanciados dos da era colonial.
Calculem, pois, os Srs. Deputados com que prazer, ao visitar oficialmente Moçambique, pude ser recebido no seu Parlamento democrático e ali questionado por Deputados livremente eleitos, apoiantes uns do Governo legítimo, outros adversários dele.
Mais: com que satisfação testemunhei o funcionamento de um mercado concorrencial, de livre oferta e procura, bem como um crescimento que políticas equilibradas e sensatas procuram converter em verdadeiro desenvolvimento. As taxas de crescimento do produto são confortáveis e significativas, medidas frequentemente em dois dígitos, mesmo tendo em conta a plataforma de que se parte; o investimento externo cresce, com Portugal situado logo a seguir à África do Sul (imbatível por razões de vizinhança e complementaridade económica); as reservas em divisas aproximam-se de níveis de luxo para um país africano; e a inflação vem registando marcas negativas. É talvez este, apesar de tudo, um dos principais constrangimentos da economia moçambicana, sabido como é que as baixas inflações são inimigas do emprego e, em geral, do progresso social - é a velha dificuldade de conciliar vantagens que reciprocamente se excluem.
E não nos havemos de esquecer que Moçambique, ao iniciar a experiência de um modelo económico colectivista de fim de estação, e decerto por isso, se viu confrontada com uma nova confrontação militar, desta vez tipicamente civil, pelo que não pôde usufruir as vantagens de, antes disso, ter lutado em regime de movimento único.
O prolongamento da lógica dos interesses coloniais explica o reacender dos combates, mas, menos do que a explicação deles, o que importa hoje realçar é que Moçambique só há escassos anos dispõe da paz necessária à reorganização e
reconstrução do país, após mais de duas décadas de guerra destrutiva e desmotivadora.
Deve-se essa paz à sua visão política, Sr. Presidente, ao ter pressentido que a aceitação da democracia e do sistema económico de mercado era o antídoto necessário contra uma guerra civil sem sentido.
O povo moçambicano, chamado pela primeira vez a escolher livremente um Presidente e um Governo, escolheu aqueles a quem devia a independência e depois disso a liberdade de escolher, ou seja a democracia política e económica.
Não é ainda, longe disso, o fim das dificuldades acumuladas. Os novos Estados africanos, sem que Moçambique consiga ser excepção, enfrentam constrangimentos específicos resultantes do facto de o acesso ao autogoverno ter ocorrido sem que os países colonizadores tenham assumido a preocupação de os preparar para isso, antes pelo contrário se tendo empenhado em vulnerabilizá-los face a essa eventualidade.
Não foi sequer excepção o recurso último de ir recrutar os novos líderes africanos às masmorras da repressão colonial.
Duas outras condicionantes vulnerabilizariam também o acesso dos ex-colonizados à liberdade, à independência e ao exercício do autogoverno, sendo uma do passado, consistente em os povos africanos terem visto interrompida a natural evolução do seu processo civilizacional pela intromissão de outra civilização, na intenção substitutiva da sua. O processo colonizador deixou-os assim a meio da ponte entre o que eram, ou entregues a si mesmos viriam a ser, e o que não chegaram a ser. O célebre artifício assimilador, tendo por objectivo inatingível um preto de alma branca. Desenraizámos os africanos dos seus valores e das suas tradições e impuse-mos-lhes, ou tentámos impor-lhes, os nossos valores e as nossas tradições. Por mais que a política assimilacionista (oposta a uma política evolucionista no quadro das civilizações originárias, propugnada pelos mais lúcidos representantes do pensamento colonial, que foram, infelizmente, excepção) tenha sido ditada por intenções generosas, veio a constituir uma colossal agressão anímica aos povos colonizados.
A outra condicionante é do presente. Esta consistente em o seu acesso ao autogoverno ter ocorrido no momento em que desabavam os pilares da nova civilização modelo ou como tal considerada. Isto é, no momento em que o espantoso salto tecnológico, verificado no último meio século, em especial no último quarto de século, pôs em causa todos ou quase todos os equilíbrios económicos, políticos e sociais da era precedente.
Os colonizadores transmitiram ou procuram transmitir às suas antigas colónias o modelo de um Estado-Nação que se debate com as dificuldades do seu próprio apagamento, no confronto irreversível com as exigências de um processo de globalização a que nenhum escapa. E mais: um modelo económico neoliberal que, sozinho no terreno desde que o seu contraponto dirigista «atirou a toalha», se vê confrontado com as suas próprias contradições e se debate com a irracionalidade da expansão da pobreza e da concentração da riqueza.
Quer dizer, a uma assimilação inacabada, seguiu-se a necessidade de uma outra. Por mais que nos custe reconhecer esse facto, os novos Estados, africanos vêem-se confrontados agora com a emergência de um segundo ocaso dos modelos que, no espaço de um quarto de século apenas, sucessivamente lhes foram sugeridos ou impostos.
É, queiramos ou não, uma segunda fonte de desnorte, a somar à primeira, com a diferença de que, desta vez, o desnorte nos é comum. Também nós não sabemos como ultrapassar os desafios da mundialização e dos fenómenos em que se des-