3056 I SÉRIE - NÚMERO 85
Registo também a introdução de duas novas funções que, apesar de essenciais, surgem mais adiante no texto, precisamente por se revestirem de um elemento de subsidiariedade face às anteriores: «contribuir para uma eficaz prevenção dos conflitos e envolver-se activamente na gestão de crises, incluindo operações de resposta a crises, caso a caso e por consenso, em conformidade com o artigo 7.º do Tratado», disposição essa que, sublinhe-se, reconhece expressamente a «responsabilidade primária do Conselho de Segurança pela paz e segurança internacionais»; e promover a «parceria, a cooperação e o diálogo com outros países da área euro-atlântica», numa referência ao aprofundamento da «Parceria para a Paz», do Conselho de Parceria Euro-Atlântico e do relacionamento privilegiado com a Rússia e a Ucrânia.
Três comentários sobre quanto acabo de referir.
Primeiro, o Conceito Estratégico da NATO não ignora a Carta das Nações Unidas e recorda, no parágrafo 15, as competências do Conselho de Segurança. O Conceito Estratégico respeita as disposições do Tratado de Washington, como apontei, e renova os compromissos assumidos no tocante à defesa dos valores comuns da democracia, dos direitos humanos e do Estado de direito.
É inevitável pensar-se, a este propósito, na intervenção em curso no Kosovo. Aqui, a NATO viu-se levada a constatar que o Conselho de Segurança se encontrava bloqueado, mesmo tendo considerado, em três resoluções distintas aprovadas ao longo de 1998, que a situação naquela província constituía uma «ameaça à paz e segurança internacionais» e condenado o comportamento e as intenções do Governo de Belgrado.
Estas resoluções foram adoptadas ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, dedicado às ameaças à paz e segurança internacionais e à legitimação do uso da força nessas situações, e o parecer do Secretário-Geral da ONU foi no mesmo sentido.
Para a NATO, e para Portugal, será sempre preferível agir com um mandato expresso do Conselho de Segurança, mas, se a defesa dos valores em causa assim o determinar, os aliados não se absterão de agir, inspirados e guiados pelos princípios que as Nações Unidas consagram mas que não possam momentaneamente aplicar.
E devemos notar que, infelizmente, o fim da guerra-fria não teve ainda consequências na reforma das Nações Unidas, em especial quanto à composição e às formas de decisão do Conselho de Segurança.
Em segundo lugar, as operações que descrevi inserem-se numa filosofia distinta, onde o pacto de solidariedade em caso de agressão, ou seja, o princípio fundamental da Aliança, se dilui para dar lugar a uma abordagem casuística em que cada Estado membro possui uma maior margem de manobra na determinação da sua participação individual. Torna-se aqui viável a concordância política com uma missão sem que sejam directamente atribuídos meios militares para a sua concretização.
Chamo a atenção de VV Ex.ªs para o parágrafo 31 do Conceito Estratégico que retoma a linguagem antes utilizada para reiterar a disponibilidade da Aliança para executar missões de paz ou de gestão de crises a pedido da Organização de Segurança e Cooperação Europeia ou sob a autoridade do Conselho de Segurança da ONU, desde quê a NATO possa decidir caso a caso e que fiquem salvaguardadas as exigências constitucionais de cada Estado.
Por último, é verdade que, ao longo dos meses que antecederam a cimeira, alguns aliados sustentaram uma área de actuação mais vasta e alargada para a NATO.
O debate sobre a extensão do «fora de área» foi intenso e estimulante, mas o bom senso e os termos do próprio Tratado de Washington acabaram por prevalecer. Onde antes se falava em «espaço transatlântico», hoje, diz-se «região euro-atlântica».
Não sendo uma questão meramente semântica, importa, no entanto, admitir que a Aliança continua a não estar vocacionada para ter um mandato à escala mundial, e que o seu «fora de área » tem por limites naturais as regiões circundantes da Europa e da bacia do Mediterrâneo. Esta demarcação sempre flexível, sempre decidida consensualmente em função de cada caso concreto, obedece ao espírito que presidiu ao lançamento da «Parceria para a Paz» e do Conselho de Parceria Euro-Atlântico. Obedece, igualmente, às razões que levaram a Aliança a intensificar os laços de cooperação e assistência que a unem a Estados como a Albânia e a Macedónia.
Também aqui não há qualquer contradição entre o Conceito Estratégico e o artigo 6.º do Tratado de Washington, o qual define, aliás, o espaço de aplicação do artigo 5.º, relativo à defesa colectiva.
Em cada um destes três «tabuleiros», Portugal viu as suas pretensões serem aceites: a articulação devida entre a NATO e a Carta das Nações Unidas; o respeito pelas exigências constitucionais de cada aliado sempre que não esteja em causa uma necessidade de defesa colectiva; e realismo e prudência na delimitação da área geográfica susceptível de envolvimento nas novas missões da Aliança. E, acrescentaria, o Conceito Estratégico e a Declaração de Washington formalizam como prioridade, por iniciativa portuguesa, o diálogo mediterrânico.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Devo, antes de terminar, assinalar que um dos mais notáveis resultados da Cimeira de Washington, algo ignorado, é o reconhecimento expresso do papel da União Europeia no campo da segurança e defesa. Os chefes de Estado e de governo da Aliança, refutando profecias negativas provenientes de diversos quadrantes, abriram as portas a uma colaboração directa e intensa entre a NATO e a União Europeia. Tal representa um desenvolvimento que seria impensável há uns meros cinco anos atrás.
O Conceito Estratégico e o Comunicado da Cimeira falam por si, mas permitam-me alguns exemplos: é saudado o novo alento dado à Política Externa e de Segurança Comum (PESC) pelo Tratado de Amesterdão e pelas Conclusões do Conselho Europeu de Viena, com base na Declaração Franco-Britânica de St. Malô; considera-se que devem ser criados mecanismos de consulta e cooperação entre a NATO e a União Europeia inspirados nos que já existem entre a Aliança e a UEO; e manifesta-se disponibilidade para permitir à União Europeia um acesso facilitado aos seus meios e capacidades, bem como aos meios de planificação militar aliados, identificando, inclusivamente, os arranjos de comando para as operações militares que possam vir a ser conduzidos pela União Europeia.
Por outras palavras, a NATO passou a encarar, de frente e sem rodeios, a integrarão da UEO na União Europeia, processo que, diga-se, conheceu novos avanços na recente Ministerial de Bremen e que poderá ser acelerado no Conselho Europeu de Colónia.
A NATO de hoje apoia o reforço da identidade europeia de segurança e defesa no seu seio e no quadro