0505 | I Série - Número 13 | 20 de Outubro de 2000
a tentar impor a instalação de um cemitério nuclear para resíduos de alta actividade junto à nossa fronteira, na bacia do rio Douro, certo é também que o Estado português se tem oposto frontalmente a esse projecto. Projecto esse que, a concretizar-se, iria lesar o País, pôr em causa a segurança do Estado, o equilíbrio dos ecossistemas, o desenvolvimento - projecto, precisamente por isso, que Portugal recusou.
E é, justamente, em nome do mesmo país, dessa mesma segurança, desse mesmo equilíbrio dos ecossistemas e dessa mesma responsabilidade que o presente projecto de lei de Os Verdes, ora apresentado, é proposto perante uma ameaça similar. A ameaça grave, real, indisfarçável que nos vem do mar e perante a qual se reclama uma diferente atitude do Estado português. A atitude firme de oposição que, hoje e aqui, se exige e propõe, e não tem sido adoptada pelo Estado português, contra a passagem de navios com cargas radioactivas de elevada perigosidade que, nos nossos dias, cruzam livremente as nossas águas.
Cargas marítimas que, duas a três vezes por ano, atravessam, sem qualquer interdição por parte de Portugal, a nossa zona económica exclusiva. Plutónio reprocessado procedente do Reino Unido e da França, com destino ao Japão, para cumprir o seu programa nuclear que envolve transporte marítimo, transporte esse que se prolongará, admite-se, pelo menos por mais duas décadas.
Transportes cujas possíveis rotas são todas elas lesivas para Portugal. Rotas que, invariavelmente, têm significado passagens pela nossa ZEE, passagens essas que representam um elevado e inútil risco para um valioso património dos nossos mares, cuja protecção nos cabe. Uma protecção que se impõe e é fundamental numa perspectiva de eco-segurança, num país cujo litoral português se coloca numa situação particularmente fragilizada, nos seus mais de 850 km de fronteira marítima, perante estas passagens e os riscos porventura irremediáveis que comportam para as zonas costeiras. Riscos para a saúde pública, para os ecossistemas marítimos, para a manutenção das próprias actividades económicas que dependem do mar, designadamente a actividade turística e a das pescas.
Passagens que são perigos inaceitáveis também nas regiões autónomas: na Região Autónoma dos Açores, recorde-se, ao cruzar, no Verão passado, em 1999, as suas águas com toneladas de plutónio; na Região Autónoma da Madeira, igualmente, três anos antes, ao penetrar 40 milhas nos seus mares com igual carga mortífera.
Materiais de enorme perigosidade, milhares de toneladas de que basta um grama, sabe-se, para afectar o ecossistema, entrar na cadeia alimentar, provocar dano irreversível. Cargas, cujos resíduos e efeitos prevalecem durante décadas se libertadas, e transportes que podem sofrer acidentes. Acidentes, aliás, que não são de excluir, já que, particularmente em matéria do nuclear, comprovadamente, nenhuma segurança é absoluta!
É assim que o presente projecto de lei de Os Verdes, agora em discussão, que visa proibir a passagem de navios com cargas radioactivas na ZEE, se entende e justifica. Perante a obrigação do Estado português em preservar o ambiente, os seus recursos e ecossistemas costeiros e marinhos e o dever de, de acordo com as normas do direito internacional, agir no interesse da manutenção da paz e da segurança. Perante o direito de Portugal, como Estado costeiro, dever proteger-se contra potenciais, graves e irremediáveis danos à sua segurança, como objectivamente este é o caso.
Um projecto de lei, ainda, perante a necessidade de dar corpo a princípios fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa, assim respeitando integralmente também o princípio da precaução, amplamente consagrado no domínio do direito internacional. Princípio da precaução esse, seus instrumentos e opções políticas a que alude, a propósito do valor dos oceanos, o relatório da Comissão Mundial Independente dos Oceanos, presidida pelo Dr. Mário Soares, que passo a citar: «Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis, não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o aditamento de medidas eficazes, em termos de custos, para evitar a degradação do ambiente. Trata-se do princípio da precaução, expresso na Declaração do Rio: uma das suas aplicações foi já a moratória sobre a caça à baleia para fins comerciais, imposta pela Comissão Internacional da Baleia, em 1985. A partir dessa altura, o conceito tem sido aprofundado e geralmente aceite, como se prova pela sua incorporação numa série de acordos recentes, como o Acordo-Quadro sobre Alterações Climáticas. O princípio da precaução é, assim, uma declaração sobre graus de risco socialmente aceitáveis e sobre o ónus da prova. O princípio da precaução, por outras palavras, invocado para evitar decisões de que a sociedade possa mais tarde vir a arrepender-se.»
Princípio da precaução consagrado, pois, de forma inequívoca, na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, ratificada por Portugal e publicada em Outubro de 1997. Princípio a que se alude ainda no conjunto, aliás muito vasto, de reservas que Portugal formulou aquando da sua vinculação àquela Convenção no âmbito da actividade fiscalizadora que a Portugal compete assumir. Uma fiscalização que, perante uma actividade de elevado risco - a livre passagem de cargas radioactivas - reclama proibição, aplicando precisamente aquele princípio na nossa zona económica exclusiva.
A proposta que fazemos nada tem, aliás, de inédito na história recente do direito internacional, já que dezenas de outros Estados costeiros têm adoptado igualmente tal proibição para navios com materiais nucleares na sua zona económica exclusiva. Exemplos muitos, de que poderia citar o do Brasil, que evocou precisamente o direito de proteger a saúde dos seus cidadãos e dos seus ecossistemas marítimos para o fazer.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o objectivo do nosso projecto é claro, a sua relevância inquestionável. A importância que assume para o interesse nacional, a defesa dos nossos ecossistemas, do ambiente, da saúde e do desenvolvimento sustentável é evidente, e é minha convicção que este é um objectivo político que dificilmente pode ser contestável num país que recusou - sublinho - a opção nuclear. E é precisamente em torno desse objectivo político que vos propomos, que somos, que sois cada um de vós, Srs. Deputados, interpelados e chamados a pronunciar-se.
Outros juízos não nos cabem, e se dúvidas houver (sobre matéria jurídica), elas deverão ser dirimidas por quem de direito, pela instância e sede próprias: o Presidente da República e, se esse for o caso, o Tribunal Constitucional.
Para nós a escolha é politicamente muito clara: decidir, prevenir e agir em nome da vida ou admitir, em nome de quaisquer outros interesses, a manutenção de um risco que, de modo irreversível a vida pode seguramente lesar.
Aplausos de Os Verdes.