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2911 | I Série - Número 74 | 26 de Abril de 2001

 

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e Sr. Presidente do Tribunal Constitucional, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Realizou-se recentemente, em Lisboa, um estudo baseado num questionário a crianças, no qual se pedia que indicassem as matérias ambientais que mais as preocupavam. As maiores percentagens de resposta foram a poluição e a guerra.
Não cabe aqui proceder à análise deste resultado. Porém, cabe aqui responder a jovens que nos questionam com regularidade sobre o que pensamos de Salazar: que esse homem e Caetano fizeram e protagonizaram guerra - mandaram matar e mandaram morrer.
Através da PIDE, institucionalizaram os mais sádicos padrões de tortura, perseguiram, espancaram, censuraram, prenderam, quiseram o povo calado à força. Basta, portanto, de branquear esses nomes de fascistas que, durante 48 anos, odiaram os portugueses.
Tal parece difícil de conceber, para muitos homens e mulheres, hoje, por isso é importante que fiquem testemunhos, e Ary dos Santos contou-o bem: «Era uma vez um país/ de tal maneira explorado/ pelos consórcios fabris/ pelo mando acumulado/ pelas ideias nazis/ pelo dinheiro estragado/ pelo dobrar da cerviz/ pelo trabalho amarrado/ que até hoje já se diz/ que nos tempos do passado/ se chamava este país/ Portugal suicidado.»
E depois: «Foi esta força viril/ de antes quebrar que torcer/ que em vinte e cinco de Abril/ fez Portugal renascer.»
Foi há 27 anos o fim da ditadura, conseguido pelos capitães de Abril (que aqui saúdo, em nome de Os Verdes) que, numa acção planeada, sem garantia do resultado, foram em frente, libertaram Portugal, com eles o povo saiu à rua, a confirmar que unido jamais será vencido.
Uma explosão de cultura, contada, cantada, pintada, esculpida, representada de tantas maneiras. Homens e mulheres, dotados de tanta coragem, de persistência na luta pelas causas justas, de uma consciência cívica apurada, aprenderam juntos a construir a democracia, no espaço de convergência e de divergência, na riqueza do pluralismo e da diversidade - uma aprendizagem colectiva da Democracia.
Votaram em massa e, através dos Constituintes, inscreveram na Constituição da República Portuguesa os princípios e valores de Abril, registados nas milhares de páginas das actas que transcrevem os trabalhos da Assembleia Constituinte.
Imagino que todos aqueles homens e mulheres de Abril tivessem preenchido a esperança no futuro dos mais puros valores, da mais sincera solidariedade, da mais profunda liberdade, na procura da democracia plena, desígnio a cumprir com urgência.
Pois é, estamos hoje no futuro de então.
Todos têm direito ao trabalho e é garantido a todos os trabalhadores segurança no emprego. Todos têm direito à saúde, através do Serviço Nacional de Saúde, universal e geral e, tendo em conta as condições económico-sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito. Todos têm, para si e para a sua família, direito a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto, que preserve a intimidade das pessoas e a privacidade familiar. Todos têm direito à educação e à cultura, o ensino deve ser progressivamente gratuito, em todos os graus, e será criada uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, para o que incumbe ao Estado a promoção da educação ambiental.
Estas determinações estabelece-as a Constituição da República Portuguesa. Quando se assinalam 25 anos da sua conclusão e da sua entrada em vigor, olhando para a realidade, o contraste não implica ter de dizer mais sobre uma Constituição avançada que está por cumprir. E cumpri-la não é esquecê-la no seu todo, lendo-a apenas parcialmente, nem é, tão pouco, interpretá-la como convém a quem em dado momento.
O cumprimento da Constituição da República Portuguesa é fundamental para que se cumpra o «d» de desenvolvimento, muitas vezes confundido com crescimento, onde as questões sociais e ambientais são relegadas para um plano muito secundarizado. É por isso que tantas vezes é preciso recriar e repor o espírito de Abril.
Nesse sentido, é preciso fomentar sempre a participação. E preocupamo-nos muito quando, com engenharias eleitorais, se tenta diminuir a representatividade do universo de eleitores; preocupa-nos muito que tentem bipolarizar a política entre os dois maiores partidos, tornando-a redutora; preocupa-nos muito quando assistimos a discussões e consultas públicas, previstas na lei, a acontecer para serem tidas como meras formalidades, sem que as opiniões de milhares de cidadãos sejam tornadas públicas ou merecedoras de resposta, como aconteceu agora, a propósito dos resíduos industriais.
Preocupa-nos muito, ainda, que os cidadãos se abstenham de participar, porque só intervindo é possível travar excessos que a democracia, por si só, não consegue travar.
Abril ensinou-nos também que vale a pena não desistir, vale a pena nunca desistir de lutar por uma sociedade mais humanizada, onde o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas sejam um objectivo real, onde a multiculturalidade, a diversidade e a diferença convivam em respeito mútuo; uma sociedade onde os cidadãos se sintam, de facto, representados, numa pluralidade necessariamente existente, onde os centros de decisão se aproximem mais dos cidadãos, onde o desenvolvimento se paute pela sustentabilidade, pela preservação e valorização do meio que nos envolve, onde a utilização dos recursos naturais aconteça de forma racional, onde a produção intensiva dê lugar à sustentada, onde as pessoas tenham direito de escolha e de consumir conscientemente. Um modelo de sociedade mais justo, que não seja pautado pelos interesses e desígnios do poder económico, que, dominando tudo e todos os meios de comunicação, faz existir o que lhe interessa e inexistir o que os incomoda.